Maria Teresa Horta, a poeta insubmissa e a última das 'Três Marias'

A escritora, poeta e jornalista Maria Teresa Horta, a última das 'Três Marias', que afrontou o Estado Novo e se afirmou como expoente do feminismo em Portugal, na vida e na literatura, morreu hoje aos 87 anos.

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© Gonçalo Villaverde / Global Imagens

Lusa
04/02/2025 10:55 ‧ há 3 horas por Lusa

Cultura

Maria Teresa Horta

Nascida em Lisboa, a 20 de maio de 1937, Maria Teresa Horta é descendente, pelo lado materno, de uma família da alta aristocracia portuguesa, contando entre os seus antepassados a célebre poeta Marquesa de Alorna.

 

Frequentou o Liceu D. Filipa de Lencastre, estudou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi dirigente do ABC Cine-Clube, e dedicou-se ao jornalismo e à questão do feminismo.

A sua escrita começou na infância, no escritório do pai, onde passava os dias a olhar maravilhada para os livros, mas era a avó quem lhos lia, uma avó sufragista, por quem teve grande paixão e que morreu de mão dada com ela, o que a deixou muda durante 24 horas.

Estreou-se na poesia em 1960, com um livro intitulado 'Espelho inicial', a que se seguiram vários outros, e o seu nome ficou associado ao grupo da 'Poesia 61'.

Integrante do Movimento Feminista de Portugal, juntamente com Maria Isabel Barreno (1939-2016) e Maria Velho da Costa (1938-2020), as chamadas 'Três Marias', com quem escreveu 'Novas Cartas Portuguesas', Maria Teresa Horta sempre lutou pelos direitos das mulheres, uma posição inseparável da sua carreira literária.

No entanto, a escritora não se reconhecia na imagem estereotipada da "feminista militante", tendo afirmado, numa entrevista dada à revista Pública em 2000, que era "precisamente o contrário do que as pessoas imaginam das mulheres feministas".

O que contestava era a situação das mulheres, o facto de terem menos direitos e deverem obediência aos homens.

Criada numa casa onde quem mandava era o pai, que um dia lhe queimou os livros, por achar que não era próprio de uma rapariga, Maria Teresa Horta pensou, nesse momento que descreveu como "horrível", que haveria de lutar contra isso toda a vida.

Em 1971, publicou o livro de poesia 'Minha senhora de mim', que faz uso da forma poética das cantigas de amigo medievais, mas que coloca a mulher no centro da narrativa, como alvo de desejo sexual e como sujeito que comanda a relação com o homem, submetendo-o aos seus desejos.

A obra foi censurada e tanto a editora como as livrarias foram objeto de um auto de busca e apreensão por parte da polícia política da ditadura, a PIDE.

Numa entrevista à Lusa, Maria Teresa Horta contou que por causa deste livro foi espancada na rua "pelos fascistas", que lhe terão dito uma frase que nunca esqueceu: "Isto é para aprenderes a não escreveres como escreves".

Este episódio foi o mote para dar início, no mesmo ano, com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, à escrita de 'Novas Cartas Portuguesas (ou de como Maina Mendes pôs ambas as mãos sobre o corpo e deu um pontapé no cu dos outros legítimos superiores)', uma designação que congrega títulos anteriores das autoras.

A intenção era desafiar o poder vigente, pois se uma mulher foi agredida por escrever um livro, o que aconteceria se fossem três a escrever? O resultado foi a apreensão da primeira edição do livro, interrogatórios na polícia e um julgamento que terminou após a revolução de 25 de Abril de 1974, com a absolvição das autoras.

Enquanto jornalista, escreveu para publicações como Diário de Lisboa, A Capital, República, O Século, Diário de Notícias e Jornal de Letras e Artes, entre outros.

No jornal A Capital chefiou o suplemento Literatura e Arte, pelo qual passaram nomes maiores da literatura portuguesa, como Natália Correia, Ary dos Santos, José Saramago, António Gedeão, Alexandre O'Neill ou Mário Cesariny.

Militante do Partido Comunista Português durante 14 anos, de 1975 a 1989, quando se deu a queda do muro de Berlim e o início do fim da União Soviética, Maria Teresa Horta foi convidada pelo partido a chefiar a redação da revista Mulheres.

Esta revista foi um projeto pessoal de Maria Teresa Horta, que lhe permitiu entrevistar mulheres de relevo da política, da cultura e da literatura, entre as quais Maria de Lourdes Pintasilgo, Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras e Maria Bethânia.

Maria Teresa Horta afirmava: "jornalista é a minha profissão, escritora é quem eu sou". Aliás, "eu sou a minha poesia" foi uma frase várias vezes repetida pela autora, que deu título a um poema e a uma antologia pessoal publicada em 2019.

Produziu vasta obra poética e de ficção, que lhe granjeou inúmeros prémios.

Em 2011 foi distinguida com o Prémio D. Dinis 2011 da Fundação Casa de Mateus pela sua obra "As Luzes de Leonor", que aceitou, recusando-se contudo a recebê-lo das mãos do então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, por considerar que este estava "a destruir o país". Pela mesma obra recebeu o Prémio Máxima de Literatura.

Em 2017, recusou o quarto lugar 'ex-aequo' do Prémio Oceanos, por considerar que lhe tirava a dignidade. O mesmo livro, "Anunciações", valeu-lhe o Prémio Autores de 2017 na categoria melhor livro de Poesia.

Em 2020, o Ministério da Cultura distinguiu-a com a Medalha de Mérito Cultural, e no ano seguinte foi distinguida com o Prémio Literário Casino da Póvoa, no festival literário Correntes d'Escritas, pela obra "Estranhezas".

Em 2022, foi agraciada com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade. Em 2004, já tinha sido agraciada com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio.

Entre as suas obras poéticas, contam-se títulos como "Educação sentimental", "As mulheres de Abril", "Rosa sangrenta", "Inquietude", "Poemas para Leonor" e "Paixão", este último, uma homenagem ao amor pelo marido, que morreu em 2019, causando-lhe um enorme desgosto.

Na ficção, destacam-se títulos, além de 'Novas Cartas Portuguesas', como 'Ema', 'A Paixão Segundo Constança H.', 'As Luzes de Leonor' ou 'Meninas', além de um livro que compila as crónicas publicadas no suplemento Literatura e Arte do jornal A Capital, entre 1968 e 1972, intitulado "Quotidiano Instável".

Maria Teresa Horta afirmava que não conseguia viver sem escrever, que quando parasse era porque tinha morrido.

Leia Também: Morreu Maria Teresa Horta, a última das 'Três Marias', aos 87 anos

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