Reagindo à morte, hoje, de Maria Teresa Horta, aos 87 anos, Lídia Jorge considerou que "fisicamente desaparece, e isso é motivo para lamentar", mas é também "um momento de alegria, porque é a possibilidade de recomeçar uma nova etapa da apreciação da obra que a Maria Teresa deixa e do seu significado enquanto feminista que foi".
"Moderna, digamos assim, uma feminista dos nossos dias, porque ela começou numa época em que o feminismo era agressivo, excluindo os homens e contrapondo-se ao poder masculino, e ela foi capaz de ser uma lutadora acérrima, mas ao mesmo tempo fazer do seu feminismo um humanismo, em que integrava os outros de pleno direito e entendendo que só caminhando a par é que se conseguiria a mudança", afirmou à Lusa.
Nesse aspeto, toda a obra de Maria Teresa Horta, no "sentido da intervenção como mulher política, como mulher de causas, mantém-se com uma modernidade absolutamente singular e, a partir de hoje, eu estou convencida que muita gente irá rever aquilo que foi a vida da Maria Teresa Horta e os seus princípios fundamentais", considerou.
Lídia Jorge recorda também o contacto que teve com Maria Teresa Horta, desde os anos 1980, quando a conheceu, acompanhando um percurso que, no seu entender, foi "absolutamente coerente, porque se ideologicamente ela tinha esta defesa, que era a defesa da afirmação das mulheres, ela, na poesia, partiu daquilo que era a conceção do corpo como a parte densa do espírito e teceu uma obra em torno disso, em torno de uma paixão, de uma paixão forte pela existência e pela sua singularidade".
Recordando um episódio em que, nos anos 1970, quando foi publicado o livro 'Ambas as Mãos sobre o Corpo', "João Gaspar Simões troçou e escreveu sobre ela, dizendo que se Maria Teresa Horta tirasse as mãos sobre o corpo, não ficaria nada", Lídia Jorge contrapôs que "ele enganou-se completamente, Maria Teresa Horta tirou as mãos do corpo e elevou-o, cantou-o, a obra que fez é imensa, é o contrário de nada, é tudo aquilo que é o percurso de uma escritora".
"Olhamos agora para trás e percebe-se perfeitamente que o que Maria Teresa Horta fez foi, desde o princípio, ter a noção de que a vida era uma batalha e ela armou-se para essa batalha. Ela não fez concessões, ela armou-se por inteiro para essa batalha. O tema fundamental da obra dela é o amor".
Numa perspetiva mais pessoal, Lídia Jorge confessou que "o dia de hoje é um dia de perda de uma grande companheira" de "toda a vida", a quem deve imenso, e recordou que Maria Teresa Horta foi "das primeiras pessoas que compreendeu o que era 'O Dia dos Prodígios' e escreveu sobre esse livro quando ainda ninguém estava a escrever".
A escritora, poeta e jornalista Maria Teresa Horta, a última das 'Três Marias', que afrontou o Estado Novo e se afirmou como expoente do feminismo em Portugal, na vida e na literatura, morreu hoje aos 87 anos.
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