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"Do Governo não há resposta porque Ministério da Cultura é um grãozinho"

Para aqueles que são mais desatentos, provavelmente só terão começado a reparar nas notas musicais de António Zambujo após as rádios terem virado os holofotes para o seu tema ‘Pica do Sete’. Contudo, pelo resto do mundo, a “miscelânia” que compõe já provou o seu valor e ele próprio já deu provas de que veio para ficar. Numa entrevista exclusiva ao Notícias ao Minuto, revelou que aquilo que mais lhe é interessa “é cantar” e não escondeu as saudades da sua avó.

"Do Governo não há resposta porque Ministério da Cultura é um grãozinho"
Notícias ao Minuto

08:50 - 15/01/17 por Inês Esparteiro Araújo

Cultura António Zambujo

Caetano Veloso descreveu-o como “o jovem cantor de fado que faz pensar em João Gilberto” e que o “prendeu à necessidade de ouvir de novo, de novo e de novo”. Com muitos anos de música para trás, António Zambujo parece ter finalmente obtido o seu reconhecimento nacional.

O álbum 'Quinto' convenceu o público luso e agora o músico alentejano só quer continuar “a cantar”. Depositando esperança nos novos talentos que surgem por Portugal, o mesmo não se aplica quando questionado sobre o estado atual do país onde nasceu. Contudo, deixou claro que para si “os políticos não são os culpados de tudo”.

De onde vieram as primeiras notas?

De Beja. Foi a ouvir as músicas tradicionais e a querer ter uma presença mais assídua nos sítios onde se cantava música tradicional. A ter uma cúmplice em casa, a minha avó, que me ajudava muito a cantar porque me ensinava as letras e eu depois ouvia os homens a cantar e cantava com eles. Ter uma casa que tinha a sorte de ter vários instrumentos musicais onde podia praticar e podia recriar essas tais melodias que eu ouvia. Foi um bocado por isso tudo que eu achei - obviamente que quando se é criança não se sabe o que é que se vai ser - que independentemente do que fosse, no futuro a música teria sempre um papel importante.

O que cantava nessa altura?

Eram as músicas alentejanas.

A sua avó teve sempre um papel muito importante?

Sim, eu cresci com ela. Ela estimulava-me a fazer, ela dizia que gostava de me ouvir e achava piada porque o meu avó que eu não conheci, que já tinha morrido quando eu nasci, também cantava e organizava grupos de música tradicional e coisas assim do género. E ela provavelmente por eu lhe fazer lembrar o marido, estimulava-me e fazia essas coisas. Estimulava-me para que cantasse, ensinava-me as letras e tudo isso.

Do que sente mais falta no Alentejo?

Da minha avó. Não sou assim muito saudosista. Eu vivo as coisas, está vivido e é um bocadinho como o Eugénio Andrade diz: “O passado é inútil como um trapo”. Temos é sempre de olhar mais para a frente e para o que estamos a viver no momento. O Alentejo é um sítio onde eu gosto muito de voltar, porque tenho lá muitos amigos, mas também eles vêm muito a Lisboa. 

Vi uma entrevista sua no Brasil, no programa do Jô Soares, onde o Ivan Lis lhe perguntou se era um fadista. Considera-se um?

Acho que a música que nós fazemos não é fado, isso é um ponto assente. Mas também acho que tudo o que nós fazemos, tudo o que eu faço, assenta em dois pilares, é importante ter uma base sólida. Foi uma coisa que sempre procurei ter. E essa base sólida obviamente é o fado e a música tradicional da minha região, porque são as minhas primeiras memórias musicais e foi dentro dessas bases que desenvolvi o meu conhecimento, não só enquanto intérprete, músico, mas também como compositor. Mas se eu sou fadista… Deixo a resposta para aqueles que me ouvem. Havia um autor a quem perguntaram porque tinha feito um disco assim meio louco, com vários géneros musicais e influências e, caso fosse dono de uma loja de discos, em que prateleira é que colocaria o seu. E ele respondeu que no colocaria o disco na que dissesse ‘miscelânia’. A minha resposta é parecida a esta [risos].

Como é que se cruzaram no seu caminho as melodias brasileiras?

Foi a ouvir os discos do João Gilberto e depois o que veio a partir dele. Na obra que ele faz acabam por estar presentes quase todos os autores de música brasileira, os principais. Para já ele é só um intérprete, começou a cantar as músicas pelas quais ficou mais conhecido como as do Tom Jobim e do Vinicius. Ele faz uma coisa muito interessante que é recuperar temas muito antigos, de pré bossa nova. A partir daí comecei a conhecer também esses autores de movimentos anteriores ao movimento bossa nova. A par do João Gilberto, aparece o Cateano Veloso que é um progressista, que olha mais para a frente, que cria movimentos mais vanguardistas, que está mais em contacto com aquilo que vai ser feito no futuro do que com aquilo que foi feito antes. 

É um desejo continuar a manter essa ligação?

É. Não só a música brasileira, mas sobretudo a música brasileira com o João Gilberto, com o Chico e com o Caetano. A par disso há o jazz com alguns intérpretes, nomeadamente o Chet Baker, Tom Waits, Nina Simone, Billi Holliday… A música de Cabo Verde também é uma grande influência como a Cesária Évora, a Maira Andrade, que eu adoro. A Aline Frazão também.

Tirando João Gilberto e Chet Baker, quais são as grandes vozes que o inspiram?

Se tirarmos esses…. [risos] mas há muitos. O Caetano Veloso, o próprio Chico, a Elis Regina - apesar de eu gostar sempre muito mais de homens do que mulheres a cantar. É uma questão de gosto pessoal. Mas há muitas mulheres que eu gosto muito. Assim das novas, Norah Jones. Há uma cantora espanhola que é a Silvia Perez Cruz que eu adoro.

Se pudesse, entre as mulheres, escolher uma para cantar no seu próximo álbum, qual escolheria?

A Norah Jones. Se bem que já me disseram que ela é muito baixinha e não sei se vamos ficar bem um ao lado do outro [risos].

"O jovem cantor de fado que faz pensar em João Gilberto e em tudo o que veio à música brasileira (…) Prendeu à necessidade de ouvir de novo de novo e de novo" – Como foi ouvir estas palavras de Caetano Veloso sobre si?

Não sei… Fico muito feliz obviamente por saber que uma pessoa que eu idolatro conhece a música que eu faço e, além disso, também gosta daquilo que nós apresentamos. Mas sinto que isso vai ter mais repercussão nas pessoas do que propriamente em mim, porque sei como é que as coisas funcionam. É logo uma notícia, sai em todos os sítios e sei que isso depois mais tarde vai acabar por alterar alguma coisa na minha vida, mas em mim deixa-me feliz só.

E à sua avó?

Também há de deixar com certeza.

Falando ainda nessa parte do reconhecimento internacional, também jornais como o El País e o Le Monde não lhe pouparam elogios. Como é receber este carinho internacional?

Veio primeiro de fora do que de cá, na verdade. As reações ao que eu ia fazendo foram sempre primeiro de fora de Portugal, do que de Portugal. Cá é uma coisa muito recente, foi quando eu gravei o ‘Quinto’ que comecei a ter mais reconhecimento. Os primeiros concertos que eu fiz em França foram em 2007, depois no Brasil em 2009, quando saiu esse texto do Caetano, quando o jornal O Globo considerou o nosso concerto como um dos dez melhores do ano. O disco foi considerado ‘Top Of The Wold’ pela revista Sound Lines. Depois fizemos uma tournée no Japão, onde vamos voltar novamente este ano. Houve uma série de coisas antes.

Fica com algum sentimento de tristeza de não ter sido logo reconhecido pelo seu povo?

Não não, nada. Nós queremos é cantar, não importa onde. O importante é termos alguém que nos queira ouvir.

Falou-me do 'Quinto', a partir do qual ganhou mais projeção em Portugal. Mas como é que se deu a construção dos álbuns?

Todos os discos foram mudando o bocadinho. O primeiro eu excluo, porque é um disco só de música de fados mais tradicionais e tinha alguma música tradicional, com os tais dois pilares. A partir do segundo disco foi sempre mudando, foram sempre discos meio camaleónicos, mas tentando manter uma linha, mantendo a mesma banda. Acrescentando algumas pessoas. Acho que é aquela coisa como dizem no futebol, que as equipas precisam de criar rotinas. Acho que isso é muito importante. Nós enquanto banda é importante criarmos rotinas e eu, pessoalmente, notei quer em disco quer ao vivo, que o facto de nós tocarmos cada vez mais juntos permitiu que tenhamos um conhecimento maior uns dos outros.

Qual foi sempre o elemento essencial que achava que nunca devia perder em nenhum dos álbuns?

Silêncio e caos. É muito importante. O caos é dado um bocadinho por essa tal coisa de que eu falava, que é o tal conhecimento e o facto de todos nós termos uma formação de músicos de improvisação. Esse caos é dado por essa improvisação, por ideias que vão surgindo no momento depois de as coisas estarem feitas, depois de estar tudo preparado. O trabalho de pré-produção é um trabalho mais longo no nosso caso, o trabalho de estúdio é chegar e gravar. Fica tudo preparado.

Neste último álbum, noto músicas com um registo mais diferente. Estilos mais alegres, mais rítmicos. É só perceção minha?

Tem a ver com o processo evolutivo e com essa tal ideia de caos, de experimentar coisas novas e de tentar fazer novas experiências.

Disse numa entrevista que o cante alentejano estava estagnado. Faz intenções de o recuperar, com uma música aqui e acolá? 

Nada disso. A minha intenção é fazer o meu papel e tocá-lo à minha maneira. Acho que há lá gente mais qualificada e competente para poder fazer esso tipo de trabalho. O cante alentejano poderia chegar a outros sítios, não faço ideia porque não chega. Há muitos festivais de música principalmente na região do Mediterrâneo porque há uma tradição do cante polifónico em quase todos os países, desde França, Itália, Grécia, Bulgária. Alguns países no norte de África também têm e há muitos encontros de cante polifónico onde o cante alentejano poderia estar presente e não está. Não sei porquê.

Qual a solução para esse problema?

Não sei qual seria... Sei que há muita coisa que poderia ser feita e não está a ser feita. Agora começou a ser. Acho que é um bocadinho também por ter sido elevado a Património Mundial da Humanidade. De repente toda a gente quer cantar e quer fazer. A cultura é uma coisa que se cultiva. A palavra cultura vem daí. Tem de se passar, tem de se transmitir e é importante haver essa transmissão e que quem a receba, queira fazer alguma coisa com ela.

Qual foi a música que cantou até agora que mais o emocionou? Que deixou mais marcas?

Em termos comerciais é o ‘Pica do Sete’ naturalmente, é a música de maior sucesso. Todas têm. Há assim umas fases… Eu, por exemplo, quando faço um disco, oiço-o depois para ver como está o resultado final, as misturas. Mas depois é raro voltar a ouvir os meus discos. Mas enquanto estamos em estúdio a gravar, passo sempre por várias fases. Há uma altura em que penso mais numa música, outras em que penso mais noutra. Por exemplo, neste último álbum há uma música que se chama ‘Cecília’ e que eu não conhecia. Foi sugerida pelo Chico para que eu a cantasse e foi uma música que me ficou no ouvido e que durante a gravação foi das tais que ficou logo selecionada.

Porquê este desejo de fazer um disco dedicado exclusivamente ao Chico Buarque?

Porque o Chico é o maior! [risos]. Foi uma ideia que surgiu do nada, era uma coisa que eu sei que inevitavelmente iria ter de passar por ela. A dada altura da minha vida eu iria ter de fazer um disco dedicado ao Chico, outro dedicado ao Caetano. Ainda há muito para fazer. Este do Chico surgiu porque houve uma série de factores que fizeram com que tudo fizesse sentido naquela altura e, por isso, decidimos avançar com o processo.

Sendo português e um homem viajado, como é que olha atualmente para Portugal?

Acho que estamos num caminho demorado, mas estamos num bom caminho, acho. É preciso ter assim alguma paciência. O que falta de vez em quando nas pessoas é paciência, porque as coisas não mudam de um dia para o outro. Há erros que foram cometidos, há coisas horríveis que foram feitas e que não vão mudar nos próximos tempos. Não adianta estar a pensar que as coisas mudam se votarmos numa pessoa diferente, porque não vão mudar.

Não acredita que exista essa possibilidade de mudança com partidos diferentes?

Não, tenho a certeza absoluta de que não existe essa possibilidade de mudar. As coisas hoje em dia não dependem só de nós. Estamos numa União Europeia que determina as regras e que, apesar de termos alguma autonomia e poder para gerir e fazer a gestão daquilo que eles determinam para nós, as coisas têm de ser feitas, tudo tem de ser cumprido. E porque não acontece, não adianta. É preciso tempo.

O que considera ser o pior que existe agora no mundo?

O pior no mundo inteiro é a incompetência, é aquilo que mais irrita. Pessoas incompetentes, pessoas que não se interessam por aquilo que fazem. Pessoas que não valorizam o facto de terem um trabalho, não valorizam a sua formação enquanto profissionais seja do que for. Isso é o que mais me irrita, o desleixo, o não interessa.

E pensa ser isso que acontece se puxarmos essa realidade para a nossa política?

Completamente. Mas não só para a política, não são eles que são os culpados de tudo, é o país todo, é a população toda. São as pessoas que não querem saber, são as pessoas que só gostam de estar a ver o que é que os outros estão a fazer para poderem dizer mal. Julgam-se superiores para julgar o outro, mas não têm espelhos em casa. Não se olham ao espelho, não veem os erros que cometem, as parvoíces que andam a fazer.

Pessoas infelizes?

Completamente.

Com este Governo voltámos a recuperar o Ministério da Cultura. Com o anterior não tínhamos.

[Este Ministério] Ainda não chegou a 1%. Está quase [risos].

Deixou de haver esta aposta em Portugal na cultura?

Eu sinto que é uma coisa que não é prioritária. Hoje em dia as pessoas estão mais interessadas na economia, nas finanças e em salvar bancos do que propriamente nisto. Mas depois é uma coisa engraçada que os concertos, não só os meus - pois também vou a concertos de outros grupos - a maior parte deles tem as salas esgotadas e esta é a resposta das pessoas, da população, do indivíduo, que é fantástica. Da parte do Governo também não pode haver grande resposta porque o Ministério da Cultura é um grãozinho.

E nos nossos talentos?

Acho que os talentos andam um bocadinho por si. Os talentos sobrevivem graças à sua própria ambição e à vontade de querer mostrar outras coisas. Não depende de ninguém.

E a nova geração de músicos fadistas, tem dado provas do seu valor?

Há muita gente. Este ano tive a oportunidade de cantar num festival de fado que existe, o Caixa Ribeira, e há de facto um movimento e há cada vez mais malta nova. Houve uma altura em que eu frequentava mais as casas de fado do que agora, mas sei que há cada vez mais malta nova a tocar e a tocar bem, quer a guitarra portuguesa, quer a viola. Há cantores também. Fico feliz.

Gostava que os seus filhos seguissem as suas pisadas?

Eu quero que eles façam o que quiserem. Acho que sou a pior pessoa para aconselhar quem quer que seja porque não me sinto no direito de influenciar o futuro de ninguém, muito menos dos meus filhos, mas se for isso que eles quiserem fazer… Provavelmente, a única coisa que eu lhes diria é que trabalhassem. As coisas não caem do céu, é importante trabalhar. Não só na música, mas há outras coisas à volta que são importantes, como a gestão de carreira.

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