'A noite da iguana' é uma peça surpreendente, mesmo sem grande intriga
Uma peça "surpreendente", ainda que sem "grande intriga dramática", é como o encenador Jorge Silva Melo classifica "A noite da iguana", de Tennessee Williams, que, no dia 18, é estreada no Teatro Municipal S. Luiz, em Lisboa.
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"A peça é surpreendente, mas foi muito difícil fixar este texto, porque já que há imensas versões do autor", disse Jorge Silva Melo à agência Lusa, acrescentando ser impressionante como um dramaturgo tão conceituado "era, afinal, tão inseguro".
Nesta peça, cuja ação Jorge Silva Melo situou nos anos 1940, tal como no texto, logo após a queda de Paris e os bombardeamentos de Londres, na II Guerra Mundial, o encenador confrontou-se com o verdadeiro Tennessee Williams.
"Porque o Tennessee das peças não é o que conhecemos dos filmes. Os filmes são versões das peças e o dramaturgo não se conhece pelos filmes", afirmou.
Sem centrar a ação nas pulsões sexuais do ex-pastor Lawrence Shannon (Nuno Lopes), como o fizera John Houston no filme homónimo de 1964, Jorge Silva Melo acabou por centrar a trama no "contraditório do ser humano", a que não será alheia a "ascensão da besta [o nazismo] na Europa de então", disse o encenador à Lusa.
"O próprio Tennessee tinha passado uns dias difíceis na pensão do México, onde se centra a ação da peça, depois de ter estado em Paris e se ter confrontado com a devastação da Europa", acrescentou.
'A noite da iguana' é a peça com que os Artistas Unidos, aqui em coprodução com o S. Luiz e o Teatro Nacional S. João, fecham o ciclo Tennessee, depois de terem levado à cena 'Doce pássaro da juventude' e 'Jardim zoológico de vidro'.
"Voltar a autores que nos fizeram felizes, até porque um autor não se esgota num texto", explica o encenador, sublinhando que este texto do dramaturgo norte-americano tem uma estrutura um pouco diferente das outras peças do autor.
"Nesta peça estamos perante duas mulheres de força e perante um homem febril que não sabe quem é, perante duas mulheres que encontraram a paz e perante um homem que parte em busca de si próprio ou da sua paz interior, à boa maneira oriental, e que estava muito na moda nos anos 1960 sem que contudo pareça que a consegue encontrar", frisa.
O que esta peça tem também de extraordinário, segundo Silva Melo, é o facto de fazer com que nos confrontemos com o "blue devil" ("lado negro") de cada ser humano, daí que acabe por nos chocar, porque acaba também por fazer com que nos olhemos ao espelho e nos sintamos refletidos naquilo que o ser humano às vezes tem de mais abjeto, indica.
"Poder-se-ia mesmo dizer, citando Baudelaire, 'espetador hipócrita, meu semelhante, meu irmão'", cita, a propósito, Jorge Silva Melo.
Quando 'A noite da iguana' subir ao palco do S. Luiz, na próxima quarta-feira, Silva Melo voltará a recordar a noite da década de 1960 em que assistiu ao filme com o mesmo nome, no mesmo local, numa realização de John Houston, com Richard Burton, Ava Gardner e Deborah Kerr por protagonistas.
No final de duas cenas corridas, apresentadas hoje à imprensa, Jorge Silva Melo destaca o desempenho do Nuno Lopes, ator com quem trabalha pela primeira vez, no papel do ex-pastor Shannon ('Vai fazer uma personagem com que ele próprio se vai espantar'), de Maria João Luís, que encarna a viúva Maxine Faulk, e também de Joana Bárcia, que faz Hannah Jelkes.
Sem menosprezar o trabalho de todo o elenco, Jorge Silva Melo diz que estas são as três personagens centrais da peça e aquelas que nos "passam" mais a trama do texto.
Com tradução de Dulce Fernandes, 'A noite da iguana' tem interpretação de Isabel Muñoz Cardoso (Judith Fellowes), Pedro Carraca (Hank Prosner), Tiago Matias (JakeLatta), João Meireles (Herr Fahrenkopf), Vânia Rodrigues (Frau Fahrenkopf), Pedro Gabriel Marques (Pancho), Catarina Wallenstein (Charlotte Goodall), Américo Silva (Nonno), João Delgado (Pedro), Bruno Xavier (Wolfgang) e Ana Amaral (Hilda).
A cenografia e o figurino são de Rita Lopes Alves, a luz de Pedro Domingos, o som de André Pires e a coordenação técnica de João Chicó. Tem produção de João Meireles e Nuno Gonçalo Rodrigues e Bernardo Alves, como assistentes de encenação.
No S. Luiz, em Lisboa, a peça pode ser vista até 05 de fevereiro, de quarta-feira a sábado, às 21:00, e aos domingos, às 17:30.
"A noite da iguana" vai estar igualmente em cena no Teatro Nacional S. João, no Porto, de 09 a 26 de fevereiro.
No S. Luiz, no dia 25 de janeiro, após a peça, haverá uma conversa com a equipa artística e, no dia 29, uma sessão com interpretação em língua gestual portuguesa e com áudio descrição.
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