A resistência da cultura à banalidade domina mensagens do Dia do Teatro
O encenador português João Brites apela à resistência à banalidade, e ao papel dos políticos nesse esforço, e a atriz francesa Isabelle Huppert elogia a força do teatro nas sociedades, nas mensagens que hoje assinalam o Dia Mundial do Teatro.
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"O teatro é muito forte", "resiste e sobrevive a tudo, à guerra, à censura, à penúria", escreve a protagonista de "Ela", de Paul Verhoeven, na mensagem oficial do Instituto Internacional do Teatro, criado no âmbito da UNESCO.
João Brites, fundador de O Bando, na mensagem da Sociedade Portuguesa de Autores, escreve que temos de continuar "a acreditar que existem políticos que foram eleitos para contrariar a submissão da atividade cultural e artística ao negócio e às leis do mercado, e que, acima de tudo, dignificam a vasta comunidade a que pertencem, ao não sujeitar as leis e as normas ao senso comum das maiorias e da sua natural apetência pelo que é mais banal e vulgar".
Num texto em que também recorda o Teatro da Cornucópia, a companhia fundada por Luís Miguel Cintra, que deu por terminada a atividade na viragem para 2017, o encenador sustenta a importância do teatro no combate às ditaduras, aos fascismos e outros fundamentalismos, recordando a sua génese, e a importância da existência de narrativas e de representações de conflitos, para a reflexão das sociedades e das suas sombras.
"Não conseguimos deixar de pensar que, se queremos combater as ditaduras, os fascismos e outros fundamentalismos, é também ao Teatro que precisamos de dar apoio", para garantir que a ele acede a maior parte das pessoas, "ampliando o seu espírito crítico, emancipando-se na prática de uma cidadania mais ativa", escreve João Brites.
O encenador recusa por isso a ideia de que, com menos companhias, possa haver mais recursos pelas existentes: "De nada vale sermos menos". "Se cada criança do meu país tivesse a possibilidade de assistir pelo menos a um espetáculo de teatro por ano, se se conseguisse rendibilizar o investimento que o [próprio] Estado fez", no ensino, na recuperação de teatros, de redes de articulação e de divulgação de espetáculos, "poderíamos verificar que não somos suficientes".
Dirigindo-se ao público, João Brites conclui: "Mesmo nos períodos mais horríveis, sujeitos a bombardeamentos ou a perseguições, poder-nos-ás encontrar, como sempre tem acontecido, nas catacumbas das cidades, nas caves dos prédios destruídos ou refugiados nas montanhas mais inóspitas (...). Mesmo isolados ou prisioneiros continuaremos a observar a nossa sombra e com ela aprender a ler e a compreender o que ela tem para nos ensinar".
Isabelle Huppert sublinha igualmente a capacidade de resitência do teatro. "Renasce sempre das cinzas" e continua vivo, pois o teatro "é a capacidade de representar outro", é a "ausência de ódio", a possibilidade de criar cidadãos do mundo.
A afirmação da atriz surge a pouco mais de um mês das eleições presidenciais francesas, num contexto de recusa de "caça às bruxas" e num apelo, a quem assumir o poder, do reconhecimento dos "benefícios inimagináveis" que o teatro transporta.
Na sua mensagem, a atriz francesa, que em 2003 trabalhou em Lisboa com Luís Miguel Cintra e a Cornucópia, em "Jeanne d'Arc au Bucher", de Arthur Honnegger e Paul Claudel, salienta que é apenas a oitava mulher a ser convidada para redigir a mensagem do Dia Mundial do Teatro, instituído há 55 anos, em 1962.
A primeira foi a atriz alemã Helene Weigel, companheira de Bertolt Brecht, que, em 1967, usou as palavras do dramaturgo para afirmar a impossível neutralidade da cultura: "A arte tem de tomar uma decisão nesta era de decisões. Ela pode ser instrumento dos que decidem destinos (...) ou estar ao lado do povo e colocar o destino nas suas mãos (...). Pode aumentar a ignorância ou o conhecimento (...), afirmar a sua força, ou atrair as forças que a conduzem à destruição".
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