Primeiro livro sobre António Maria Lisboa lançado amanhã
O primeiro livro sobre o poeta António Maria Lisboa, o "timoneiro" dos dissidentes surrealistas, que sabendo que ia morrer novo quis viver plenamente e transformar o mundo, vai ser lançado no sábado, em Lisboa.
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Cultura Poeta
O livro baseia-se na tese de mestrado da investigadora Joana Lima e partiu da sua "completa incompreensão" da obra deste poeta português, que fazia parte do grupo dissidente surrealista, juntamente com escritores como Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas e Mário-Henrique Leiria.
"Durante a minha licenciatura, li António Maria Lisboa, porque gostava muito dos surrealistas e gostava muito de Mário Cesariny, e não o percebia, parecia que estava a ler magia", contou à Lusa Joana Lima.
Anos mais tarde, numa conversa com uma professora, recordou-se de António Maria Lisboa e "do sentimento de completa incompreensão e do facto de outros surrealistas dizerem que ele era o timoneiro, era quem alegrava o surrealismo da época, e foi quando decidi fazer a tese sobre ele, foi acima de tudo para o compreender", explicou.
O livro que agora publica, "António Maria Lisboa: Eterno Amoroso", foi escrito a partir da única obra que existe do autor, uma coletânea dos seus textos -- todos os que não foram destruídos -, publicada pela Assírio e Alvim.
"A obra que existe, em termos de quantidade, não é muito grande, mas, em termos de qualidade, em termos teóricos, é muito importante: são pequenos tratados filosóficos sobre a arte, muito combatentes contra o regime salazarista -- sem nunca fazer referência direta ao nome de Salazar".
Segundo a investigadora, apesar de António Maria Lisboa ser essencialmente poeta, a maior parte do que sobrou do seu trabalho não é poesia, são ensaios, manifestos e cartas, sobre o panorama artístico, sobre a poesia enquanto meio de transformar o mundo, sobre o poeta enquanto "mago e alquimista, o único filósofo que pode transformar o mundo".
A destruição de parte da sua obra tem estado envolvida numa polémica, que até hoje não foi possível desvendar na totalidade, mas orientou desde o princípio o estudo de Joana Lima.
Por altura da morte do poeta, aos 25 anos, grande parte da sua obra fora queimada e rasgada, mas permanece a incógnita sobre quem realmente a destruiu.
A família diz que foi o próprio António Maria Lisboa quem a queimou, mas Mário Cesariny conta que foi a família quem a destruiu e que ele, juntamente com Luiz Pacheco, foi ao caixote do lixo, recolheu o que sobrou e colou com fita-cola, segundo Joana Lima.
Mais tarde, Cesariny juntou todos os escritos de António Maria Lisboa e fez a única coletânea que existe publicada.
Apesar de contestada pela família, a afirmação de Mário Cesariny de que terá sido o pai de António Maria Lisboa a destruir a obra do filho é corroborada por Luiz Pacheco, nos "Textos de Guerrilha" e no livro "Pacheco versus Cesariny".
Joana Lima faz nota do que se passou, segundo estes testemunhos, que dão conta de que António Maria Lisboa foi muito jovem para Paris, com tuberculose e sem meios, saído de uma família desestruturada.
"O pai não era uma pessoa presente na vida do poeta e ele morreu sozinho, numa casa arrendada pela mãe, que foi para África para poder ganhar dinheiro para ele poder viver ali até morrer", contou.
Apesar da sua morte precoce, muitos dos seus companheiros e estudiosos da sua obra acreditam que hoje quem marca o surrealismo é Alexandre O'Neill e Mário Cesariny, mas que, se António Maria Lisboa não tivesse morrido naquela altura, seria hoje muitíssimo importante, diz Joana Lima.
A investigadora sublinha até que o próprio Mário Cesariny acreditava, e afirmava, que, se António Maria Lisboa tivesse vivido mais anos, teria sido o segundo poeta mais importante, a seguir a Fernando Pessoa.
António Maria Lisboa era um surrealista que fugia ao caráter pessimista dos seus colegas, era "muito mais positivo e luminoso, muito interessado pelo esoterismo, pela magia, no sentido filosófico, e por religiões antigas", disse.
"Cruzeiro Seixas costumava dizer que ele era o rapaz que toda a gente reverenciava", acrescentou.
Existem outras três teses de mestrado sobre António Maria Lisboa, mas que não estão publicadas, uma delas sobre a singularidade da sua poesia, outra sobre a ideia do feminino na sua obra e uma terceira sobre a sua ligação com o surrealista francês André Breton.
A de Joana Lima é sobre a "perspetiva filosófica de António Maria Lisboa, sobre como uma pessoa que está a morrer consegue viver uma vida verdadeira enquanto filósofo e alquimista, que se transforma, transforma a sua vida e, dessa forma, transforma o mundo".
"É sobre um rapaz que vai morrer com 25 anos, sabe que vai morrer e quer viver plenamente", sublinha.
O lançamento de "António Maria Lisboa: Eterno Amoroso" (Edições Colibri) vai decorrer na Galeria Zé dos Bois, com apresentação da investigadora Tania Martuscelli (autora de uma das teses sobre este poeta), com leituras das escritoras Maria Archer, Matilde Campilho e Raquel Nobre Guerra.
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