"Estamos a promover isto como o concerto das nossas vidas. E será"
'Altar'. É este o nome do álbum dos The Gift que marca a vida da banda e que será apresentado esta sexta-feira, dia 2, no Coliseu do Porto e, amanhã, dia 3, no Coliseu de Lisboa. O Notícias ao Minuto esteve à conversa com dois elementos da banda, num momento em que é preciso fazer "história".
© The Gift / Hans Peter
Cultura The Gift
Com 23 anos de existência, os The Gift acreditam estar na melhor fase da sua vida e o lançamento do álbum ‘Altar’ é a prova disso. “O melhor álbum dos The Gift”. É assim que é descrito pela banda, sendo ainda mais especial pela participação de Brian Eno.
Depois de um concerto na Union Chapel, em Londres, o grupo de Alcobaça irá apresentar o álbum nos Coliseus de Lisboa e Porto, em espetáculos onde vai ser feita “história”. Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Sónia Tavares e John Gonçalves deixaram transparecer a felicidade (e o nervosismo) que um momento destes implica, mas também o orgulho no que foi alcançado.
Da ‘Terra de Paixão’ para as mãos de Brian Eno, a conversa num hotel de Lisboa estendeu-se desde as raízes do grupo, à relação entre elementos da banda, até ao ‘Altar’, mas houve ainda tempo para falar sobre a posição dos The Gift face a temas como a homofobia, o assédio sexual e a emancipação da mulher.
Como única mulher na banda, Sónia Tavares garantiu que nunca foi alvo de assédio sexual, talvez por “andar rodeada de homens” que a respeitam, mas também admitiu que já foi alvo de homofobia quando a confundiram com um transexual.
De Alcobaça para o país e para o mundo. Ao fim 23 anos de carreira, continuam a ser conhecidos como a banda de Alcobaça, há uma necessidade de recordar as origens ou aconteceu naturalmente?
John Gonçalves - É muito importante para nós termos uma cidade. Eu gosto sempre das bandas de Manchester, de Bristol, de Nova Iorque, Brooklyn e da parte de perceber de onde é que as bandas são e os The Gift, além de serem de Alcobaça, não renegam Alcobaça. Ou seja, a Sónia morou em Sintra, o Nuno em Madrid, eu em Nova Iorque, mas Alcobaça é a cidade onde trabalhamos, onde temos o estúdio, onde ensaiamos, onde temos o nosso armazém de discos… E agora, é onde a Sónia vive outra vez, onde o Nuno vive outra vez.
Sónia Tavares - Onde o meu filho vai crescer…
John Gonçalves – Temos uma ligação a Alcobaça umbilical, é a nossa cidade. E acho muito interessante que as pessoas nos respeitem como uma banda de Alcobaça em Portugal, tentamos sempre colocar a nossa cidade no mundo. No Texas é engraçado porque fomos ao festival em Houston, apareciam lá as cidades das bandas e aparecia Alcobaça. É um orgulho para nós que as pessoas vejam sempre essa ligação.
The Gift apresentam álbum nos Coliseus este fim de semana© The Gift / Hans Peter
Na altura em que tudo começou eram quatro jovens, cresceram pessoal e profissionalmente, mas permanecem juntos. É fácil manter relações saudáveis neste contexto?
Sónia Tavares – Não tem sido fácil, mas também não tem sido assim tão difícil que nos faça repensar a nossa união. Quaisquer obstáculos que tenham vindo fazer do nosso caminho mais tumultuoso, não foi nada que não se pudesse contornar ou ultrapassar. Até porque estamos unidos por uma causa maior que é a música e saber que com os quatro juntos as coisas funcionam em todos os aspetos: esteticamente, profissionalmente, ‘marketingmente’, estrategicamente…
Cada um tem um lugar muito definido na banda, não temos problemas de ego uns com os outros, que é uma das razões pelas quais as bandas costumam terminar e até porque há sempre alguém que quer fazer uma carreira e experimentar coisas novas. Mas aqui não, eu identifico-me com o Nuno, o Nuno comigo, nós com o John, o John com o Miguel e as coisas funcionam assim muito bem e na realidade nem pensamos que já passaram 23 anos de união.
Não temos problemas de ego uns com os outros, que é uma das razões pelas quais as bandas costumam terminar Nesses tempos, ainda muito novos, alguma vez ambicionavam chegar onde estão hoje ou nunca vos passou pela cabeça?
Sónia Tavares – Nunca nos passou pela cabeça. Nós, nesse sentido, sempre fomos pessoas práticas e percebíamos bem, na medida que íamos crescendo mais um bocadinho, percebíamos bem com que linhas é que nos íamos cosendo, nunca demos passos maiores do que as pernas, fomos sempre pessoas informadas e com os pés bem assentes na terra no que diz respeito àquilo que podíamos ou não fazer e na realidade com o que podíamos ou não sonhar.
É chato sonhar com coisas que sabemos que não vão acontecer, ainda que nada nos impeça de sonhar, mas a desilusão depois é maior. Estamos habituados a usufruir das coisas do momento e que conseguimos proporcionar a curto prazo e, objetivamente, vamos traçando os nossos planos e cumprindo e chegando às nossas metas.
Nessa altura não fazíamos ideia e também não sabíamos que a música e o universo musical ia mudar tanto e ia ser completamente diferente daquele com que começámos, em 1994, e nós cá estamos.
Esse vosso percurso trouxe-vos ao sétimo álbum, sendo especial pela presença de Brian Eno, de que forma descreveriam este ‘Altar’?
John Gonçalves – Tenho de descrevê-lo de uma forma muito simples e talvez um pouco presunçosa. Eu acho que é realmente o melhor álbum dos The Gift. Se eu tivesse de dizer a alguém o que é o ‘Altar’, diria: ‘Vais ouvir o maior álbum dos The Gift’. Mas é 2018, se calhar daqui a 20 anos, com a distância de todos os álbuns, diria outra coisa, não sei, mas agora tenho consciência de que é um dos nossos melhores discos ou se calhar o melhor.
Em termos estéticos, acho que é um disco apurado, um disco com uma elegância que caracteriza os The Gift ao longo dos anos, independentemente de ser uma estética mais ruidosa, menos ruidosa, mais calma ou menos calma, acho que a elegância está presente no álbum.
Há um cruzamento muito interessante entre aquilo que são as eletrónicas subtis que sempre usámos com alguma componente pop e, no fim, a capacidade da Sónia de se transformar de um ‘Big Fish’ para um ‘What If...’, de um ‘You Will Be Queen’ para um ‘Malifest’ e acho que isso tem a ver com ela, a capacidade que tem de ser versátil e independentemente do timbre, ter capacidade de se adaptar a vários estilos.
Isso é aquilo que caracteriza os The Gift ao longo dos anos e este ‘Altar’ conseguiu tudo isso. É uma espécie de tudo o que os The Gift fizeram também está aqui, mas um pouco mais à frente.
Banda de Alcobaça já conta com 23 anos de carreira© The Gift / Hans Peter
O concerto em Londres, num local especial e com a presença do Brian, pode ser considerado um dos passos que faltava para uma afirmação ainda maior dos The Gift?
John Gonçalves – Lá fora, eventualmente, sim. Nós tocámos dois espetáculos em Londres, um no Bush Hall e e outro no Union Chapel, que são salas de prestígio, ou seja, tentámos dar um posicionamento da banda interessante e isso nota-se porque, além do Brian, no Union Chapel tivemos pessoas da BBC, do Independent, agentes que tiveram contacto com a banda… Isto é um espetáculo que tenta abrir portas lá fora, mas temos clara noção de que nem o espetáculo do Coliseu muda a vida dos The Gift em Portugal, nem um espetáculo só muda a vida dos The Gift em Inglaterra, ou Amesterdão, ou em Nova Iorque. É um trabalho constante e o que está a ser feito com este ‘Altar’ é dar passos para que a música seja ouvida em mais sítios.
Cada vez que vejo os relatórios do Spotify, vejo que os The Gift estão a ser ouvidos literalmente em todo o mundo e isso está ganho. Os The Gift conseguem ser ouvidos da Coreia, à Rússia, à Austrália.
O digital trouxe-vos essa parte positiva de poderem ser ouvidos em qualquer lado com muita facilidade?
John Gonçalves – Trouxe, mas nós fomos ultrapassados pela tecnologia. Ou seja, durante muitos anos não aproveitámos isso, os miúdos novos têm uma capacidade mais rápida de perceber isso e aí perdemos um bocado. Em 2006, 2007, 2008 acho que podíamos ter aproveitado mais essa transição. Mas mais vale tarde que nunca, agora temos a música distribuída por todo o mundo, em todas as plataformas.
As pessoas em Portugal acham muito que só existe uma carreira musical internacional se formos lá tocar e não é verdade, temos a felicidade de ser ouvidos em todo o mundo. E o Brian e os ecos da imprensa ajudaram muito.
Estamos a promover isto como um grande concerto, o concerto das nossas vidas e provavelmente será… ainda há mais nervosismo do que o normal
Depois desse concerto memorável em Londres, os The Gift estão de volta a casa para apresentar o álbum nos Coliseus. O nervoso miudinho continua a aparecer nestes dias?
Sónia Tavares – Claro que sim e não é só antes de entrarmos no palco, nós estamos ansiosos, positivamente ansiosos, semanas antes. O nosso trabalho não é só chegar ali e tocar duas horas, o nosso trabalho começa meses antes.
O nervosismo e aquela angústia boa de … ‘ai, ai, ai, que medo’. Apesar de tudo é uma grande responsabilidade porque é uma sala emblemática e estamos a promover isto como um grande concerto, o concerto das nossas vidas e provavelmente será… e é lógico que ainda há mais nervosismo do que o normal.
Temos sempre o nervosismo e a borboleta no estômago antes de subirmos a qualquer palco, uns menos, outros mais, a descontração também vai sendo diferente de palco para palco, mas este é um espetáculo de grande responsabilidade.
John Gonçalves – Achamos mesmo que podem ser os espetáculos de uma vida. Se no MEO Arena estávamos a fazer os 20 anos da banda e não havia praticamente nenhum disco novo, este não, vamos apresentar um disco que tem de ser apresentado da melhor forma possível, estamos a tocar músicas antigas remisturadas e rearranjadas para 2018, estamos nas melhores salas acho que do mundo, porque há salas tão bonitas como os coliseus mas estes são nossos e foi lá que vimos os melhores espetáculos das nossas vidas.
Temos uma relação emocional com os coliseus, já lá fizemos bons espetáculos, no Vinyl, no Film, voltamos a fazer lá o Primavera Explode… Temos uma relação emblemática com a sala e não queremos falhar, pelo contrário, queremos ainda melhor que todos os outros.
A parte cénica, cenográfica, no vídeo, a luz, está tudo a ser preparado ao mínimo pormenor e para que sejam espetáculos de uma vida, para que as pessoas hoje com 20, 30, 40 50 ou 60 anos, nos digam ‘eu vi os The Gift no melhor momento’. É isso que nós queremos, independentemente do que vai acontecer no futuro.
O que é que as pessoas podem esperar?
História, mesmo. Daqui a 20 ou 30 anos, quando se falar da história dos The Gift, estes coliseus vão lá estar porque são os coliseus do ‘Altar’, do Brian Eno.
Mais de duas décadas depois, como continua a haver criatividade e capacidade de estar sempre a inovar?
Sónia Tavares – Às vezes não há [risos]. Mas felizmente tem havido. Creio que há e quando uma pessoa é dotada de qualquer coisa, normalmente isso acompanha-nos até ao fim das nossas vidas, com mais ou menos dificuldades.
Confiando no Nuno como nós confiamos, é um dos factos que nos mantém juntos. Eu sei que o próximo disco será igual ou tão bom como este ou melhor ainda, mesmo que ele, hoje em dia, ache que não vai conseguir fazer nada para o próximo disco, mas isso não é verdade, faz parte. Qualquer artista é assim, ele não é exceção e nós confiamos muito nele e cá estaremos em 2019 para o ajudar a fazer um disco novo.
Banda foi fotografada por Hans Peter no Mosteiro de Alcobaça© The Gift / Hans Peter
Enquanto banda, vocês têm tarefas muito bem definidas, mas a voz da Sónia é um marco dos The Gift. Como é ser a mulher num grupo de homens?
Sónia Tavares – Se calhar se os conhecesse agora as coisas eram diferentes, mas na realidade nós estamos juntos desde miúdos. Eu conheço o Nuno desde pequenino, da escola primária, o Miguel era um dos meus melhores amigos na adolescência, o John, sendo irmão do Nuno, esteve sempre presente na minha vida. Portanto, mais do que homens e mulheres somos amigos, somos uma banda e essas coisas não se colocam.
Eles são pessoas inteligentes e se não fossem também não estaria com eles. Se de alguma forma me sentisse mal, como também tenho uma personalidade forte, não estaria aqui. Mas sinto-me otimamente bem, não sou nenhuma princesa, mas também não sou vista como um homem, ou seja, as tarefas duras e de força e cansaço não me são atribuídas, mas nem vejo isso como um assunto.
Ao longo da história dos The Gift, foram reconhecidos com o prémio Arco-Íris por causa de um videoclipe onde o protagonista era um transexual e a Sónia chegou a posar para uma revista gay. Como figuras reconhecidas da sociedade portuguesa sentem-se responsáveis por ser parte da luta contra a homofobia?
Sónia Tavares – Era uma drag queen, não um transexual, mas é normal que quem não o conhece não saiba. E sim, tudo o que a nossa música e o nosso tempo de antena enquanto artistas permitir ajudar qualquer das causas que nós achamos que seja nobre, seja ela contra a homofobia ou contra o que quer que seja que não concordemos, claro que nos sentimos muito orgulhosos em fazer parte do 'zum zum' para que as coisas tenham um caminho melhor.
Neste caso, no que diz respeito à homofobia, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, à adoção por casais gays e por aí fora, sempre achámos que o amor é transversal e essas questões.
Nos últimos tempos, o mundo das artes tem sido inundado por casos de assédios sexuais, depois do caso Weinstein que se tornou uma bola de neve. Enquanto mulher no mundo das artes, alguma vez sentiu algum tipo de assédio?
Sónia Tavares – Não, felizmente nunca senti. Por acaso, por nenhum motivo especial. Felizmente, não sei se por andar rodeada de homens que me têm outro tipo de respeito, não sei, talvez. Se calhar se fosse uma cantora a solo, as coisas… não sei, não faço a mínima ideia. Mas sei que existe frequentemente. Eu já fui assediada no mau sentido da palavra por me terem confundido com um travesti. Fui maltratada na rua por um homofóbico, mas assédio nessas questões que andam por aí, felizmente nunca tive essa experiência. Mas sou completamente solidária com qualquer mulher ou homem que sofram de assédio ou mesmo de abuso.
Apesar da emancipação da mulher no último século, ainda nos deparamos com machismo?
Sónia Tavares – São, são, são. São alvo de machismo e, inclusivamente, ainda a escrita da imprensa mais mediática, na minha opinião, continua a ser muito machista, em relação ao sítio em que se põe as mulheres. Acho que não é um sítio honesto, nem que abona a favor daquilo que são as mulheres.
The Gift lançaram o álbum 'Altar' com a participação de Brian Eno© The Gift / Hans Peter
Da realidade para o futuro. E do ‘Altar’ para as quase bodas de prata, com os 25 anos de carreira cada vez mais próximos, o que se espera do futuro?
[Risos]
John Gonçalves – Bodas de prata ainda nem falámos.
Sónia Tavares – São 25 anos não é? É já para o ano. É provável que apareça um disco novo, não porque fazemos 25 anos, mas porque queremos fazer um disco novo.
Ao fim de 23 anos de música ainda há sonhos por realizar?
John Gonçalves – Eu digo sempre o mesmo. É um sonho muito fácil de sonhar e muito difícil de cumprir. Eu tenho o sonho de os The Gift poderem ter digressões onde coloquem mil pessoas em cada sala. Só isto.
As pessoas não sabem, todas as pessoas a quem digo isso acham que é facílimo, mas é dificílimo e há poucas bandas no mundo que o fazem. É o sonho que eu tenho. Sonho mais jogo a jogo e esse é o sonho grande dos The Gift. Partir numa digressão com 30 datas em que todas tenham mil pessoas.
Depois de tudo o que já foi vivido, o que é que estes senhores diriam aos miúdos que começaram com os The Gift há mais de 20 anos?
Sónia Tavares – Estudem. Estudassem. Estudassem para serem doutores que era mais fácil [risos].
John Gonçalves – Acho que esta ideia é muito importante. A ideia de ‘Drogas, Sexo e Rock and Roll’ que havia nos músicos dos anos 60… as pessoas saiam das escolas, não tinham educação escolar. A Sónia estava a brincar com o ‘estudassem’, mas a educação é fundamental e terá sempre de ser uma paixão. Às vezes a paixão dá em profissão e outras vezes dá em hobbie, mas não há problema nenhum.
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