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"Tenho um amargo de boca por nunca ter jogado na Premier League"

João Silva mudou-se no verão para a China após duas temporadas ao serviço do Feirense. Em entrevista ao Desporto ao Minuto, o avançado português recorda as várias aventuras na carreira e revela alguma mágoa por não ter tido uma oportunidade no Everton.

Notícia

© Reprodução Twitter João Silva

Francisco Amaral Santos
17/10/2019 09:02 ‧ 17/10/2019 por Francisco Amaral Santos

Desporto

Entrevista exclusiva

João Silva conta com um vasto currículo internacional e, este verão, aceitou uma nova experiência: rumar ao futebol chinês. O avançado português natural de Santo Tirso assinou pelo Nantong Zhiyun até final de 2020, e revela-se satisfeito pelos primeiros meses na sua nova aventura. 

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, João Silva faz o balanço da experiência em solo asiático e recorda todas as experiências que viveu longe de Portugal. 

Também as últimas duas temporadas ao serviço do Feirense foram motivo de conversa com o jogador de 29 anos, que confessa ainda ter alguma mágoa por não ter tido a oportunidade de jogar pela equipa principal do Everton

 Dybala, o Vázquez e o Belotti explodiram naquele ano. Até nesse sentido tive azar

Quais as primeiras impressões desta experiência na China? 

Estes três primeiros meses têm sido bastante positivos. Encontrei uma realidade completamente diferente daquilo a que estava habituado, em termos de alimentação, pensamento e cultura. Praticamente tudo é diferente na China. Encontrei um clube organizado e com boas condições de trabalho. Sinto-me bem e sei que posso fazer coisas interessantes. Quando cheguei, as coisas começaram logo da melhor forma, com golos e a jogar. A equipa encontra-se numa posição um pouco desconfortável mas vamos continuar a lutar para o que falta do campeonato.

Está a ser uma experiência muito desafiante. Arrisquei ao vir para este mundo asiático para abrir novas portas. Este mercado está a evoluir bastante e proporciona aos jogadores coisas boas. Foi uma oportunidade que chegou, e no final do ano vou ver se fiz ou não a escolha certa. Ainda assim, acredito que sim, até porque tenho mais um ano de contrato. Está a ser desafiante, embora eu esteja preparado porque já passei por outras realidades. Já estive na Bulgária, Inglaterra e Itália. Quero estar neste projeto e, quem sabe, continuar aqui alguns anos.

Como surgiu o convite do Nantong Zhiyun?

Surgiram várias opções no verão. Descartei umas e, do leque que tinha aparecido, achei que a melhor opção era vir para a China. Já estávamos a entrar em agosto e os plantéis começavam a fechar. Queria resolver a minha vida e surgiu esta oportunidade. Todos sabemos que é difícil entrar no mercado da China, porque só podem jogar dois estrangeiros. Eu não tenho empresário, mas um amigo falou-me e fomos em frente.

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Como está a ser a relação com a língua? 

Língua, comida… São esses os principais problemas que encontro aqui. O mandarim é tramado (risos). Eu falo duas ou três línguas, mas aqui só falam mandarim. E carregado! É complicado falar e quase ninguém fala inglês. Mas no clube é tranquilo, porque existem dois ou três tradutores. Dentro do clube não tenho qualquer problema, mas quando vou fora é sempre complicado. Claro que posso ir ao supermercado e fazer a minha comida, mas nos restaurantes só mesmo com tradutor. Estou sempre no telemóvel com o tradutor ligado. Para ir a um banco, para ir cortar o cabelo, ou ir ao mercado… Está tudo em chinês. Eu não sei distinguir o champô do condicionador.

É uma experiência stressante e engraçada ao mesmo tempo. Sabia para o que vinha, mas foi um pouco pior do que esperava. Estou a duas horas de Xangai. Em Xangai encontra-se tudo. Esta província em que estou, que eles dizem que é pequena mas que tem sete milhões de habitantes, é diferente de Xangai e não encontro tão facilmente um restaurante para quem gosta de comida estrangeira. Eles comem coisas que uma pessoa nem faz ideia. Ao pequeno almoço vai de patas de galinhas a rãs. Vi aqui verduras que nunca tinha visto na vida. Em termos de alimentação é uma coisa de outro mundo. Às vezes só o cheiro tira-me a vontade de provar (risos).

Aqui não existe aquela cultura de balneárioMas a nível de tecnologia são bastante avançados…

Isso sim! Aqui eles fazem tudo com o telemóvel. Não precisas de carteira nem de dinheiro. Pagas tudo com o telemóvel. Pedir comida, compras… Eles vivem com o telemóvel na mão. Vai ser o futuro na Europa. Aqui há uma aplicação que se chama WeChat que basicamente é um WhatsApp com contas bancárias e tudo misturado. Podes até comprar bilhetes de avião. Isso é uma das coisas positivas.

E em termos de futebol, como descreve?

Aqui não existe aquela cultura de balneário. Não chego de manhã e fico lá na conversa. Aqui não há isso. Aqui cada um tem o seu quarto no clube e chega à hora do treino, descemos e vamos treinar. Há balneários, mas a cultura deles não é essa. Por exemplo, quando vamos jogar fora saímos do hotel já meio equipados. Achei isso muito estranho. Chegamos ao estádio, acabamos de equipar, ouvimos o treinador e já estamos dentro do relvado a aquecer. Acabamos o jogo, pegamos numa roupa lavada e só no hotel é que tomamos banho e fazemos essas coisas. Em Portugal não é nada assim. Há mais convívio no balneário. Aqui é tudo mais fechado e cada um tem o seu quarto. É diferente.

Os estádios costumam ter muitos adeptos?

Os estádios são grandes e compostos. Falando pelo meu clube, há sempre 15 mil pessoas nas bancadas. Dá gosto jogar assim. É sempre bom. Também cheguei com uma certa reputação e fui muito bem recebido pelos adeptos. É pena que o campeonato esteja a chegar ao fim [termina em novembro]. As pessoas gostam de mim e as coisas estão a correr bem nesse sentido. O clube também está satisfeito comigo.Feirense era um dos clubes que menos merecia descer de divisão

Passou pela Bulgária, Itália, Inglaterra. Este é o maior desafio da sua carreira?

Creio que sim. Eu escolhi este desafio também pela idade. Tenho 29 anos. Não sou velho, mas também já não vou para novo (risos). Todos sabemos que, em termos monetários, este mercado é vantajoso. Achei que estava preparado para este desafio. Estou longe da família e da minha cultura. Mas estava na hora de tentar e experimentar este tipo de mercado para ver como era. Para sentir na pele o que é estar na Ásia e a mais de 16 horas de casa. Todos os dias vejo coisas novas. Para mim são absurdas e para as outras pessoas são normais. Mas eu respeito e sei que tenho de respeitar. Sou eu que tenho de me adaptar à cultura, ao futebol e aos meus companheiros de equipa.

O atual treinador é inglês. Isso também ajuda?

Quando eu cheguei o treinador era chinês e passadas três semanas trocaram. Claro que para mim foi mais fácil. Agora quem precisa de tradutor são os jogadores chineses (risos). Tornou-se mais fácil no dia-a-dia do clube. A própria alimentação foi adaptada, e claro que nos treinos e nos jogos tudo mais fácil. Aproximou-se da realidade que vivi na Europa.

Que balanço faz dos dois anos no Feirense

Tenho a dizer que o Feirense é um grande clube. Deu-me oportunidade de voltar a jogar na I Liga e fazê-lo de forma regular. Na primeira época correu bem e na segunda esperava-se um ano ainda melhor, até pelo nosso arranque. Infelizmente, as coisas começaram a correr mal a meio, principalmente devido às várias lesões musculares. Quando as coisas entram num certo caminho é difícil reverter. Acredito que, em termos de plantel, estávamos melhor do que o ano anterior, mas dentro de campo isso não se refletia. Acabámos por descer e talvez fosse dos clubes que menos merecia. Pagamentos em dia e condições de trabalho muito boas. Era um clube que não merecia aquele desfecho, mas estou confiante que eles vão regressar muito em breve à I Liga. Pelo tipo de pessoas que trabalham naquele clube e pelos argumentos que têm, acredito que vão voltar a curto prazo.

Notícias ao MinutoJoão Silva contabilizou 14 golos em 64 jogos oficiais pelo Feirense© Global Imagens

Na I Liga jogou também no Paços, U. Leiria, V. Setúbal…

Isso foram todas situações de empréstimo. Fui para o Everton e, em janeiro, o [Pedro] Caixinha pediu o meu empréstimo. Fui para o União de Leiria e foi uma experiência boa, até fiz golos ao Benfica. Estava no início de carreira e estava bem. Marcava também presença na seleção de sub-20 e sub-21.

Regressei ao Everton, que continuava a apostar em estrelas como Louis Saha ou Yakubu, e eu via que o meu espaço era reduzido. Surgiu o V. Setúbal e eu precisava de jogar. Fui para lá e as coisas começaram muito bem. Fiz quatro golos logo no início, mas em janeiro regressei a Inglaterra devido aos problemas financeiros do clube. Havia falta de pagamentos. Entretanto, o Levski Sofia comprou 50% do meu passe ao Everton. Fui jogar a Liga Europa e lutar pelo título búlgaro. Fiz 12 golos, mas as últimas duas semanas foram decisivas no mau sentido. Perdemos a final da Taça e o campeonato na última jornada. Foi uma infelicidade muito grande para os adeptos e para nós. No final, culpou-se os jogadores estrangeiros.

Tenho a certeza que ainda vou fazer grandes coisas no futebol

Segue-se a passagem por Itália…

Precisamente! Comecei no Bari, tive um ano muito bom e o Palermo compra-me na época seguinte. Consegui jogar na Serie A e partilhei o balneário com grandes craques atuais como o Dybala, o Vázquez ou o Belotti.

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#onceuponatime #5 #years Momento que faço minha estreia na @seriea com a camisola do @palermocalcioit contra o @officialsscnapoli (3-3) um orgulho ter feito parte desta família!#seriea #napoli #palermo #esordio #estreia #calcio #soccer #football

Uma publicação partilhada por JOAO SILVA (@joaosilva_90) a 26 de Set, 2019 às 8:56 PDT

Na sua estreia na Seria A foi lançado na segunda parte para o lugar de Dybala

Exatamente! (risos) Foi nesse ano que o Dybala, o Vázquez e o Belotti explodiram. Até nesse sentido tive azar. O Vázquez foi vendido por 20 milhões de euros ao Sevilla, o Dybala por 40 à Juventus e o Belotti por oito ao Torino. A concorrência era grande, mas em termos de aprendizagem foi gratificante. Estava a jogar pouco e fui para o Paços de Ferreira. Regressei a Portugal passados muitos anos e foi estranho porque já não estava habituado ao futebol português. Foi uma experiência um pouco apagada.

Voltei a Itália e passados mais dois anos fui para o Feirense. Foi importante estar dois anos em Santa Maria da Feira por uma questão de estabilidade emocional e para a família. Em termos individuais foi produtivo. Fiz golos e joguei regularmente.

Notícias ao MinutoJoão Silva foi contratado pelo Palermo e recebeu a camisola 10© Getty Images

Foi muito cedo para o Everton. Como é que um miúdo lida com aquela pressão?

Tinha feito o meu primeiro ano de sénior no Aves. Fui o segundo melhor marcador da II Liga e fui para o Everton em 2010 com apenas 19 anos. Foi muito bom, foi espetacular... Era jovem e naquela altura havia Benfica, FC Porto, Vitória SC, PAOK… Foi um salto e acredito que fiz a escolha certa naquela altura, mas não deixo de admitir que tenho um amargo de boca porque acredito que a Premier League é talvez o campeonato que se adequa mais às minhas características. Mas a verdade é que David Moyes, que na altura era o treinador, nunca me deu a oportunidade que tanto esperei. Tenho pena de nunca me ter estreado naquele campeonato. Mas não me arrependo de ter ido para lá. Foi realmente bom. Depois fiz as minhas escolhas, boas ou más. Fiz aquilo que na altura considerei ser o melhor para mim. As coisas no futebol são assim mesmo. Uma pessoa nunca sabe. No futebol, um jogo pode mudar a tua carreira. Tenho a certeza que ainda vou fazer grandes coisas no futebol. Ainda tenho muitos anos de futebol pela frente. Por onde passei, deixei a minha marca pelo empenho, sinceridade e trabalho.

Notícias ao MinutoJoão Silva em ação no Everton© Getty Images

A passagem pelo Everton deu-lhe estofo para o que veio a seguir?

Como jogador evolui muito. Aquela experiência fez de mim um jogador melhor e mais bem preparado. Até pela maneira como treinam. Mas, de facto, fiquei com pena de não ter jogado. Foi assim que aconteceu e nunca se sabe se um dia não voltarei.

Que treinadores o marcaram ao longo do seu percurso? 

Há uns dias vi umas declarações do Rui Jorge. É um treinador que me impressionou muito pela exigência dele e o rigor tático que impõe nos treinos. Apanhei-o na seleção de sub-21. Eu gosto de rigor no trabalho e de facto ele impressionou-me positivamente nesse sentido. Mas tive muitos outros que foram importantes. O Nuno Manta Santos, que é um treinador muito genuíno. Ajudou-me e deu-me oportunidade para jogar. Estou muito agradecido a ele e desejo-lhe a maior sorte no Marítimo.

Com 29 anos, tem traçados alguns objetivos até final da carreira?

O meu objetivo passa sempre por voltar a Inglaterra. O ano passado estive muito perto. Não aconteceu porque tinha contrato com o Feirense e não chegaram a acordo. Claro que gostaria de voltar. Tenho a consciência que não é fácil, mas vou trabalhar para isso. Também desejo dar o salto para a I Liga chinesa. Quando vim para cá, o objetivo foi esse. Chegar ao principal campeonato, sem descartar os campeonatos vizinhos do Japão ou da Coreia. A China está a ganhar maior dimensão no futebol e foi isso que me motivou a vir para cá. Espero que esse salto aconteça rapidamente. Mas não abandono o sonho de jogar em Inglaterra. O futebol ditará o que vai acontecer no futuro. Tentarei fazer as melhores escolhas para garantir um bom futuro para mim e para a minha família.

Notícias ao MinutoJoão Silva já apontou dois golos com a camisola do Nantong Zhiyun© Reprodução Twitter João Silva

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