A partir das 20h00, a bola começa a rolar num dos jogos mais importantes da carreira de Jorge Jesus. O treinador português pode conduzir o Flamengo à conquista da Taça Libertadores, troféu que o clube venceu apenas em 1981, e para isso tem de derrotar o River Plate, atual detentor do título da maior competição de clubes da América do Sul.

Para fazer uma antevisão da partida, chegámos à fala com Dorival Jr., treinador que conduziu o Flamengo ao segundo lugar do campeonato em 2018, antes de dar lugar a Abel Braga - o técnico que antecedeu Jesus no comando do Mengão.

O experiente treinador, que além do Flamengo treinou clubes como o Santos, o São Paulo ou o Palmeiras, falou sobre todo o processo que permitiu a Jorge Jesus ter condições para fazer um bom trabalho, enalteceu as qualidades do português e quis também sublinhar que muitas das coisas que foram dita sobre Jesus foram mal interpretadas.

Dorival Jr. recuperou recentemente de um cancro, doença que o obrigou a parar de treinar em 2018, mas quer regressar em força ao ativo e não descarta vir para Portugal. Aliás, esse passo esteve perto em 2011, quando foi contactado por… Pinto da Costa.

Este fim de semana é decisivo para o Flamengo. Na sua opinião, acha que os rubro-negro vão conquistar Brasileirão e Taça Libertadores?

O Flamengo joga, neste momento, um melhor futebol que o River. Porém, é uma decisão de um jogo único e toda a gente sabe da rivalidade que se vive entre clubes argentinos e brasileiros. Com isso, tudo pode ficar equilibrado e é natural que tenhamos um jogo muito difícil e complicado. É difícil dizer se há uma equipa que esteja muito superior à outra. O River é campeão e vai defender o seu título. É uma equipa experiente, calejada e preparada para grandes decisões.

Sendo que conhece tão bem o plantel do Flamengo, como tem visto o trabalho de Jorge Jesus à frente da equipa?

Acho que é preciso analisar com muita tranquilidade. Está a ser um ótimo trabalho digno de todos os elogios. O Flamengo fez uma reformulação completa dentro do clube nos últimos seis, sete anos. Desde a estrutura, parte técnica, logística… Para mim, o Flamengo será, dentro de um curto espaço de tempo, uma das grandes potências mundiais. Aponto isso com muita naturalidade e sem qualquer desrespeito para os outros clubes brasileiros. Acho que o Flamengo se estruturou de uma tal maneira e teve a felicidade de receber um profissional como Jorge Jesus neste momento. Todos os fatores, do trabalho realizados há anos atrás, começam a gerar resultados. O Flamengo foi vice-campeão, terceiro colocado, vice-campeão do Brasil… Era uma equipa que já se estava a preparar para este tipo de conquistas. Estive no clube em 2012 e tive a felicidade de finalizar o campeonato no comando da equipa o ano passado, onde chegámos ao lugar de vice-campeão, só superado pelo Palmeiras. Acho que o Jesus chegou num momento muito bom.

Foi o momento certo, então?

O Jesus acrescenta, e muito, com a qualidade dos seus conceitos e do seu trabalho. Quando ele chegou, nós tivemos uma reunião no Maracanã e o Jesus participou com o seu auxiliar técnico. Ele disse que estava muito entusiasmado porque via muitas qualidades na equipa do Flamengo. Ainda não tinham chegado o Rafinha, o Felipe Luís e o Gerson, que vieram acrescentar muito, e já lhe tinha dito para estar calmo porque ele teria um grupo extremamente habilidoso e muito qualificado. Era essa também a percepção inicial dele. Tem uma grande capacidade de trabalho. É um trabalho que tem vindo a completar-se. O Flamengo preparou-se, não só para ganhar uma competição, mas para estar na disputa por vários títulos durante largos anos. Nada é conquistado do dia para a noite. A chegada do Jesus veio fazer com que todo o trabalho feito até aqui fosse unificado.

Dorival Jr. treinou o Flamengo em 2012 e 2018© Getty Images

Em Portugal existe um pouco a sensação de que o Jorge Jesus não foi muito bem recebido no Brasil. Acha que esta ideia está correta?

Não acho que isso tenha acontecido. Eu ouvi até uma declaração do Jesus na semana passada em resposta aos treinadores do Brasil, talvez por tudo o que ele tenha ouvido… O que aconteceu é que nós estamos a lutar para que a nossa licença [de treinador] seja aceite pela UEFA há alguns anos. Sempre estivemos abertos a profissionais de fora e nos últimos 10 anos vieram vários. Inclusive o Paulo Bento, que esteve aqui no Cruzeiro. Foram vários os profissionais, que foram bem recebidos e que trabalharam tranquilamente. Acho que essa troca é muito saudável e precisa de existir. A única coisa que o treinador brasileiro gostaria de ter é a possibilidade de ter a licença reconhecida pela UEFA e que pudéssemos ter, assim como o Jesus teve aqui no Brasil, a oportunidade de estar em Portugal, Espanha ou Inglaterra.

Enfim… Porque nós também nos estamos a qualificar, estamos a estudar para que as coisas melhorem e, de repente, estamos a deparar-nos com essa dificuldade de ver a nossa licença reconhecida. Automaticamente, a imprensa brasileira fez uma ligação com a presença do Jesus e também do Sampaoli [treinador argentino do Santos], trazendo uma falsa impressão de que não estavam a ser aceites pelo mercado. Aconteceu uma ou outra declaração de treinadores brasileiros, mas a leitura que foi feita não foi a correta. Nós todos reconhecemos a capacidade deles. Assim como já tivemos brasileiros em Portugal, como Marinho Peres ou José Alberto Silva, todos eles a trabalhar muito bem inseridos. Não há motivos para que essa discriminação aconteça. Foi um grande mal-entendido tudo o que aconteceu. Todos os treinadores acrescentam e, na minha opinião, todos são respeitados.

Treinou o Gabigol no Santos e recentemente Jorge Jesus disse que ele era o melhor jogador do campeonato. Concorda com ele?

Acho que o Gabriel é um dos grandes jogadores neste momento. O Everton Ribeiro e o Bruno Henrique vivem também um momento diferenciado, tal como o Dudu, do Palmeiras. O Gabriel foi muito cedo para a Europa. Eu disse-lhe isso na altura, quando estávamos juntos no Santos. Ele tinha acabado de completar pouco mais de 100 jogos pelo Santos e falei para ele: ‘Gabriel fica mais um pouco, fica mais um ano pelo menos. Depois sim, tu vais para o Inter de Milão e a partir daí vais dar um salto de qualidade’. Acabou por não ser assim. Ele foi logo naquele momento e é o próprio ímpeto do ser humano. Ele resolveu fazer essa opção e temos de respeitar. Mas é um grande jogador e ele encontra os caminhos do golo como ninguém.

Em 2011 tive um contacto com o presidente do FC Porto, mas eu já tinha assinado e não podia voltar atrás

O Flamengo, em 2018, foi o último clube que treinou. Neste momento sem trabalho e totalmente recuperado do cancro, pode revelar-nos quando pensa voltar ao ativo?

Estou a aguardar o momento. Deus sabe a hora certa e o momento certo. Mas espero voltar já no início do ano, apesar de nunca ter precipitado nada na minha carreira. Espero ter condições para fazer o melhor trabalho possível, até porque nos últimos quatro anos foram dois vice-campeonatos com o Santos e outro com o Flamengo, vice na Taça do Brasil, um título do campeonato paulista. Estou num momento em que preciso de aproveitar tudo isto que aconteceu para continuar a alcançar grandes feitos.

Já treinou Flamengo, Santos, São Paulo, Palmeiras, Vasco… Inúmeros clubes de renome no Brasil. Apesar das dificuldades que falou em vir para a Europa, não tem vontade de treinar pela primeira vez um clube europeu?

Não só eu, mas todos os treinadores brasileiros temos tido desde há 10 anos a preocupação em qualificarmo-nos para um dia voltarmos a ter espaço no futebol mundial. E isso vai acontecer. O treinador brasileiro não ficou parado, procurou conhecimentos e tenho a certeza que vamos voltar a ocupar um lugar importante no futebol mundial. Ficaria feliz demais se tivesse essa oportunidade. Já estive em vários grandes clubes brasileiros e procurei preparar-me para essa oportunidade. Tudo é uma questão de tempo e oportunidade. Sinto-me muito mais preparado agora do que há uns anos atrás.

E se surgisse a oportunidade de treinar em Portugal? Quem sabe no Benfica, FC Porto ou Sporting...

Quando eu estava no Atlético Mineiro, em 2011, tive até um contacto com o presidente do FC Porto. Eu tinha feito um grande trabalho em 2010 com o Santos, tínhamos uma equipa fantástica com Robinho, Neymar, Paulo Henrique Ganso, enfim… foi uma equipa que encantou e acabei por ir para o Atlético Mineiro. Foi aí que tive um contacto com o presidente do FC Porto, mas eu já tinha assinado e não podia voltar atrás. E não faria isso. Foi o único contacto que tive, mas um dia quem sabe! Mesmo que não seja para uma das grandes equipas, mesmo para uma equipa mais intermédia, tenho a certeza que estaria pronto para fazer um grande trabalho. Tudo é uma questão de oportunidade.