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A opinião de Gonçalo Almeida: Direito e Futebol Feminino

O espaço de opinião de Gonçalo Almeida no Desporto ao Minuto, no qual o ex-advogado FIFA analisa os temas que marcam a atualidade do ponto de vista do direito desportivo.

Notícia

© DR

Gonçalo Almeida
08/01/2021 18:21 ‧ 08/01/2021 por Gonçalo Almeida

Desporto

Gonçalo Almeida

Inicio o ano, debruçando-me sobre um fenómeno desportivo que julgo ser merecedor da nossa melhor atenção: o Futebol Feminino e, numa perspetiva legal, a sua mais recente evolução legislativa a nível internacional.

Na verdade, desde há bastante tempo a esta parte que é perfeitamente notório o crescimento mundial desta modalidade na sua vertente feminina. Seja ao nível do número cada vez mais expressivo de praticantes, com destaque, neste capítulo, para um entusiasmante aumento de jogadoras profissionais, seja ao nível do número de adeptos.

Em paralelo, tal como sucede com qualquer outra indústria saudável, também o Futebol Feminino tem vindo a merecer um maior interesse por parte de patrocinadores, realidade a que não é alheia uma melhor e mais abrangente cobertura dos respetivos eventos desportivos por parte dos meios de comunicação social, nomeadamente, televisiva. Causa ou consequência, a verdade é que para tal crescimento, muito tem igualmente contribuído um visível e crescente interesse participativo por parte dos clubes de futebol tradicionalmente com maior expressão e que durante décadas descuraram, por ignorância ou meras limitações culturais, a vertente feminina do futebol. Realidade aliás também extensível às modalidades ditas amadoras.

Prova do atual “sucesso” da modalidade foi o recente Campeonato Mundial de Futebol Feminino FIFA 2019, realizado em França, com os bilhetes das meias-finais e final a esgotarem em menos de 48 horas e as estatísticas a apontarem para que mais de 1 bilião (!) de telespectadores em todo o mundo tenham assistido a esta competição. A título de curiosidade, a própria estratégia de crescimento da UEFA para o Futebol Feminino é bastante elucidativa quanto ao seu potencial, tendo como meta aumentar o atual número de 1,3 milhões de praticantes para 2,5 milhões, já em 2024.

E é precisamente nesse contexto, que o crescimento do Futebol Feminino tem também servido como meio, aliás bastante visível no caso de países como a República Islâmica do Irão ou do Reino da Arábia Saudita (Nota: será necessário, para o feito, saltar fronteiras?), no combate à discriminação em função do género, a que de forma algo medieval, infelizmente, ainda assistimos em pleno século XXI. Concomitantemente, tal crescimento contribuiu, diga-se, a bem da verdade, de forma plenamente justa, para uma reivindicação mais acérrima e visível de direitos já há muito reclamados, nomeadamente em função da maternidade.

A este respeito, a FIFA procedeu, em linha com as propostas regulamentares apresentadas em Novembro passado e aprovadas pelo respetivo Conselho no mês seguinte, à alteração do seu Regulamento sobre o Estatuto e Transferência de Jogadores (doravante “RSTP”), com o objetivo de estabelecer as garantias mínimas necessárias para efeitos de proteção das condições de trabalho das praticantes femininas de futebol, adotando um quadro regulamentar mais adequado às suas necessidades concretas.

Desde logo, foi introduzida a definição de “licença de maternidade” com a concessão de um período mínimo de catorze semanas de ausência remunerada em virtude da gravidez da jogadora profissional, do qual, um mínimo de oito semanas, deverá ocorrer após o parto.

Nesta senda, de acordo com o novo artigo 18, Par. 7 do RSTP (Edição Jan. 2021), as jogadoras têm direito ao gozo de licença de maternidade durante a vigência do seu contrato laboral, devendo ser remuneradas no equivalente a dois terços do salário base contratualmente estipulado. Poderão, inclusivamente, ser aplicáveis condições mais vantajosas, caso a legislação nacional a que o clube (Nota: noção, para o efeito, abrangente às sociedades desportivas) está sujeito ou um acordo coletivo de trabalho assim o preveja.

De forma mais exaustiva no que concerne a alterações-chave recentemente introduzidas no RSTP ao nível das regras aplicáveis ao Futebol Feminino, sublinho as constantes do respetivo artigo 18quater:

A validade de um contrato laboral não poder ser condicionada ao facto de uma jogadora estar/ficar grávida durante o respetivo período de vigência, encontrar-se em gozo da licença de maternidade ou estar a usufruir de algum direito relacionado com a maternidade;
Considera-se como rescisão sem justa causa, sempre que um clube proceda à resolução do contrato de trabalho desportivo com uma jogadora, durante o período de gravidez. Nesse contexto, o clube será considerado responsável pelo pagamento de uma indemnização correspondente à remuneração contratual vincenda, acrescida de uma compensação extra correspondente a seis meses de salários do contrato rescindido e, por último, ainda sujeito às sanções desportivas previstas no famoso artigo 17;
Consagra-se o direito à continuidade de prestação de serviços, nomeadamente à participação em jogos e sessões de treinos, mediante aprovação médica. Deverá igualmente ser assegurada a prestação de serviços alternativos ao clube, por parte das jogadoras, durante tal período, devendo o clube acordar com estas os termos para a prestação dos referidos serviços alternativos;
O direito de regresso à atividade futebolística após o término da licença de maternidade também é assegurado. Aqui, o clube ficará obrigado a reintegrar as jogadoras e a proporcionar-lhes todo o suporte médico que necessitem;
Passa também a ser uma realidade a possibilidade de uma autorização excecional de registo de uma jogadora por um clube fora do período legalmente estipulado para o efeito, nomeadamente quanto à substituição temporária de uma jogadora que esteja a gozar da licença de maternidade. Nos termos do artigo 6, Par. 1 é, entre outros, permitido o registo fora do período de inscrições, às jogadoras que tenham, entretanto, terminado o gozo da sua licença de maternidade;
E, não menos importante, os clubes deverão assegurar que as suas instalações possuam as condições necessárias (leia-se, de higiene e segurança) para as jogadoras poderem amamentar, aquando do seu regresso.
A título conclusivo, parece-me claro que esta nova Administração da FIFA, ao introduzir tais alterações legislativas, não só cimenta a sua clara posição na defesa intransigente do princípio da igualdade e da não discriminação, como responde a necessidades práticas de uma realidade/modalidade incompreensivelmente ignorada ao longo de décadas e que muitas vezes culminava numa triste escolha entre prosseguir-se uma carreira profissional ou constituir-se uma família. Encontramo-nos, portanto, nesse capítulo e s.m.o., no bom caminho.

Termino, endereçando a todos, os votos de um excelente 2021!

Leia Também: A opinião de Gonçalo Almeida: A FIFA e respetiva evolução legislativa

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