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"Esgaio? Punem-se comportamentos nos estádios, mas nas redes sociais..."

Defesa do Sporting entrou na reta final do jogo de Braga (3-3), no arranque do campeonato, mas acabou por ser alvo de fortes críticas pela abordagem ao lance que penalizou os leões com um empate.

Notícia

© Getty Images

Miguel Simões
11/08/2022 08:01 ‧ 11/08/2022 por Miguel Simões

Desporto

Exclusivo

As críticas após o empate do Sporting em Braga (3-3) subiram de tom e levaram Ricardo Esgaio a desativar as contas das redes sociais. O defesa do Sporting entrou aos 84 minutos, logo depois de ver a equipa recolocar-se em vantagem, mas acabaria por ficar mal na fotografia ao abordar o lance que penalizou os leões e os adeptos não pouparam nas críticas.

As reprimendas foram além da prestação enquanto futebolista e acabaram por 'invadir' a vertente mais pessoal da vida de Ricardo Esgaio, com base em insultos que já não eram propriamente novos nas caixas de comentários das suas redes sociais

O Desporto ao Minuto procurou conhecer os contornos que tais situações podem ter no rendimento dos jogadores e na forma como conseguem ou não reagir às adversidades a que estão expostos constantemente, seja a nível virtual ou até mesmo a nível presencial, quando as críticas surgem no decorrer de um jogo.

Não são muitos os atletas que optam por tomar a mesma decisão que Ricardo Esgaio tomou ao apagar, por completo, as redes sociais. Ainda assim, Jorge Silvério, psicólogo de desporto, não hesita em classificar a decisão do defesa do Sporting como "excelente".

"Acho que foi uma excelente decisão. Isto salvaguarda não só o seu bem-estar em termos de saúde mental, mas também os possíveis impactos que possa ter no rendimento desportivo. Se o [Ricardo] Esgaio entendeu que esta era a melhor solução, acho muito bem", começa por dizer, acrescentando logo de seguida as diferenças e as estratégias que combina com os seus pacientes: "Há alguns atletas e jogadores com que trabalho que optam por fechar as redes sociais de vez em determinada altura, ou então há quem opte por fazê-lo em períodos curtos. Recordo-me, por exemplo, nos Jogos Olímpicos, o caso do Fernando Pimenta, quando esteve lá e disse isso publicamente. Foi uma estratégia que nós tínhamos combinado", acrescenta.

João Martins, antigo jogador de futebol, formado no Sporting, que acabaria a carreira para se dedicar ao Mental Coach, realça a importância de "respeitar a decisão" do futebolista de 29 anos.

"Temos que entender que cada pessoa é diferente e naturalmente reage de forma diferente a cada situação. Penso que não é importante saber o que levou o Esgaio a apagar as suas redes sociais, e sim respeitar a sua decisão. Certamente fez o que achava ser melhor nesse momento de acordo com os recursos que tinha à sua disposição", frisa.

 O contexto para reagir no Sporting

Jorge Silvério acredita que "com todos os meios na estrutura do Sporting", Ricardo Esgaio "poderá defender-se e lidar bem" com a situação e considera que se tudo "for bem trabalhado, não haverá grandes impactos daqui em diante", além de realçar a importância da retórica de Rúben Amorim no processo de recuperar os níveis psicológicos do atleta.

"O Rúben Amorim tem tido um papel fundamental, sobretudo com as demonstrações de confiança no valor dos seus atletas. Pode eventualmente ter uma conversa, ou individual, ou até mesmo coletiva, no sentido de os jogadores perceberem que não é este tipo de críticas que vai ter impacto na decisão do treinador", vinca.

Dentro da mesma lógica, João Martins realça igualmente a questão da confiança do técnico para continuar a "colocá-lo a jogar" e enaltece ainda a importância do "acolhimento de todo o grupo de trabalho" para que Ricardo Esgaio continue a acreditar nas suas capacidades.

"Acredito que o Ruben Amorim tem capacidades suficientes para ajudá-lo a ultrapassar esta situação. O ponto mais determinante é o [Ricardo] Esgaio confiar nele próprio, reconhecendo naquilo que é bom a fazer e treinar diariamente para se tornar ainda melhor. Ninguém o pode tornar confiante. Pode ser ajudado, mas só ele próprio o pode fazer", atira, acrescentando ainda que o mediatismo do clube que se representa pode acentuar a dimensão da polémica: "Quem está dentro deste meio, ainda para mais numa clube com a dimensão do Sporting, tem que estar preparado para lidar com a críticaa a qualquer momento. É algo que todos os jogadores, inclusive os melhores do mundo, passam", esclarece.

O agora mental coach defende ainda que o lateral-direito pode mesmo utilizar a situação para benefício próprio, "como uma forma de trabalhar ainda mais para elevar o seu jogo e focar-se em melhorar as suas capacidades físicas, técnicas e mentais", tratando-se de uma "escolha" do próprio atleta: "O que determina a nossa vida não é o que nos acontece, mas sim a forma como reagimos àquilo que nos acontece. Quando um jogador confia em si próprio e no seu valor, não há ninguém que o consiga derrubar", refere.

Ouvir no estádio vs ler na Internet

Além das críticas e insultos que podem ser lidos nas redes sociais, os atletas também podem ser alvo da 'fúria' dos adeptos no estádio, durante os jogos. O antigo médio de clubes como Gil Vicente, Penafiel, Vizela ou Mafra, que curiosamente passou pela formação do Sporting, desvaloriza o timing das injúrias e destaca a "única diferença" entre os dois contextos.

"Crítica é crítica, não importa de onde vem. No estádio o jogador está mais exposto, não pode fugir, não pode sair do jogo, tapar os ouvidos ou os olhos para não lidar com o que está a ser dito acerca dele. Se estiver em casa pode escolher não lidar com isso, apagando as redes sociais ou mudar de canal se assim o pretender. A única diferença é essa", refere João Martins.

Nesse capítulo, Jorge Silvério realça a questão da "durabilidade" das palavras na mente do jogador quando é confrontado com a adversidade: "No estádio, é enquanto dura o jogo e acaba. Nas redes sociais, [as críticas] ficam permanentemente disponíveis, mesmo com algumas denúncias. É curioso que já se começa a punir alguns comportamentos no estádio, nomeadamente de cariz mais racista ou discriminatório, mas nas redes sociais não há punição e até é tudo mais fácil de acontecer", frisa.

A realidade 'filtrada' nas redes sociais

Entrosado com estudos relacionados com a psicologia do desporto, Jorge Silvério recorre a um estudo da FIFPro em torno da reação dos 160 atletas alvo do estudo (80 futebolistas a jogar na Europa e na América de Sul e 80 jogadores de basquetebol) às "mensagens abusivas" de que são alvo nas redes sociais, sendo que os 160 atletas reuniam um total de 200 milhões de seguidores.

"Chegou-se à conclusão que, muitas vezes, há uma série de mensagens abusivas em que, se os jogadores não tiverem cuidado, as críticas acabam por impactar a sua saúde mental e o seu rendimento no desporto", vinca o psicólogo de desporto, que acrescenta ainda "os cenários complicados" possíveis de se concretizarem, tais como "ansiedade, depressão, algumas tentativas de suicídio e perturbações de sono".

É precisamente nesse sentido que surge a possibilidade de filtrar determinadas ações que atenuem o 'role' de observações negativas nas páginas dos atletas, sobretudo quando optam por restringir a opção de comentar, seja bem ou mal, aos seus seguidores.

"As redes sociais, apesar dos esforços que têm feito para filtrar, ainda falham muito tendo em conta o que fica ou não disponível. Claramente tem de se tomar alguma decisão no sentido de haver uma maior seleção ou uma melhoria no filtro para que se possa proteger os atletas de comportamentos abusivos", explica Jorge Silvério, que realça que a "proteção" acaba por ter de ser feita de forma autónoma "Olhando para o global, há mais pessoas a optar por impedir comentários nas publicações do que a solução de apagar logo tudo. Mas são duas soluções que vão no sentido da proteção, feita pela própria pessoa, para se salvaguardar", frisa. 

Notícias ao Minuto Depois de ter crescido no Sporting, o defesa português rumou a Braga entre 2019 e 2021, tendo regressado ao emblema de Alvalade na última temporada.© Getty Images  

Nesse sentido, João Martins acrescenta ainda a tendência dos jogadores em ter as redes sociais abertas ao público, em vez de selarem as contas como "privadas", algo que acaba por ter impacto na dimensão da situação: "Qualquer jogador que tenha uma rede social pública, será sempre alvo do julgamento do público. Quando as coisas não correm bem, o adepto procura sempre um alvo a atingir, infelizmente a maior parte das pessoas que estão ligadas ao futebol português agem dessa forma, vão para as redes sociais ou para o estádio despejar as sua frustrações pessoais", atira.

As opiniões que realmente importam

"Os atletas são das profissões mais avaliadas, todas as semanas. Se houver jogos, uma vez por semana ou duas vezes por semana. Mas são avaliados todos os dias nos treinos pelos treinadores. Há poucas profissões que acabem por estar sempre a ser escrutinadas publicamente como a dos atletas", defende Jorge Silvério.

O psicólogo de desporto vinca ainda que os jogadores têm de saber identificar "quais são as críticas que são importantes e incorporá-las", sobretudo quando vêm de pessoas próximas, de modo a desvalorizar todas as restantes.

"Uma das estratégias que me parece mais importante é perceber que, estando sob o foco da opinião pública, eles têm de aprender a distinguir aquilo que são críticas que devem valorizar, nomeadamente as que são mais próximas como a família e os amigos, e as críticas das outras pessoas, que muitas vezes tão depressa dizem que o atleta é bestial e passa a ser besta. Há que filtrar e saber quais são as críticas que são importantes e incorporá-las. Em relação às outras, há que desvalorizá-las", atenta.

Aliás, exprimindo-se com base em questões familiares, Jorge Silvério defende ainda existir uma diferença de "gravidade" entre as críticas que são dirigidas a um jogador em termos exibicionais e pessoais, uma vez que as família podem acabar por ser envolvidas no mesmo contexto: "Claramente há uma grande diferença entre aquilo que é dirigir a crítica à prestação de um atleta ou aquilo que é dirigido em termos pessoais, seja à própria pessoa ou a membros da família. Até do ponto de vista da gravidade, há diferença, assim como no impacto que isso tem", esclarece.

Já João Martins acrescenta que "o jogador não pode sentir que o valor dele depende de quando é elogiado ou quando é criticado", pelo que deve "confiar plenamente na sua qualidade física e mental, mesmo quando as coisas não estão a correr da forma esperada" e não consiga evitar as críticas: "Um jogador nada pode fazer para impedir isso, só precisa de não valorizar tanto a opinião dos outros, tanto para o bem como para o mal, além de que deve confiar sempre nas suas capacidades, independentemente dos resultados desportivos que estiver a ter", remata.

Certo é que Ricardo Esgaio eliminou as redes sociais após as críticas de que foi alvo e prepara-se agora para reagir dentro de campo, um pouco mais longe dos holofotes virtuais. Contudo, como qualquer outro jogador, não estará imune aos impropérios que possam surgir a partir das bancadas dos estádios.

Leia Também: Ugarte sai em defesa de Esgaio: "Fácil criticar sem mostrar a cara..."

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