Numa sessão por videoconferência promovida pela academia da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF), o árbitro Rui Marcelo Rodrigues deu o exemplo da final da Liga das Nações de 2021, entre França e Espanha, para dar conta de que o golo que valeu o 2-1 e o título aos gauleses, apontado por Mbappé em posição de fora de jogo, após corte incompleto de Eric Garcia, seria hoje invalidado, apesar de ter sido bem validado segundo as leis então em vigor.
"Se o jogador [adversário que toca para o autor do golo] não teve tempo suficiente, está em desequilíbrio ou em esforço, o contacto na bola foi de raspão ou a direção da bola não se alterou. A bola não mudou a trajetória. Este lance foi validado, mas agora seria invalidado", esclareceu.
Segundo o formador, o corte incompleto de Eric Garcia enquadra-se num caso de "tocar a bola" para o adversário que marca o golo, algo que acontece quando o atleta "não tem o controlo total do corpo".
Os golos que resultam de assistências adversárias quando o jogador que serve o marcador tem "total controlo do corpo e da bola", realizando uma "ação deliberada".
Numa sessão que contou também com o presidente da APAF, Luciano Gonçalves, e o ex-árbitro de primeira categoria Bruno Paixão, Rui Rodrigues frisou ainda que, ao longo da época 2022/23, os árbitros vão "dar especial enfoque ao jogo violento", punindo infratores com cartão vermelho consoante "a velocidade, a intensidade, a forma como o pé é projetado" e a zona do corpo atingida.
"Quando um jogador se projeta e atinge uma zona perigosa com a sola da bota, o árbitro não poderá ter outra decisão que não [mostrar] o cartão vermelho. Coloca em risco a integridade física do adversário", disse, esclarecendo que tornozelo, tendão de Aquiles e joelho são "zonas perigosas", pelo tempo prolongado de paragem das lesões que lhes estão associadas.
A APAF também se afirmou empenhada em melhorar o tempo útil de jogo, de 52 minutos na época passada, face às perdas de tempo com revisão dos lances pelo videoárbitro (três minutos, em média), com substituições (três minutos), com cantos (quatro minutos), pontapés de baliza (cinco minutos), lançamentos laterais (nove) e os pontapés livres, responsáveis por 14 minutos de interrupção, em média.
"Foi feito um estudo com cinco jogos do campeonato. Perdeu-se cerca de 14 minutos na gestão de pontapés livres. Percebemos que os árbitros após assinalarem as infrações baixam os níveis de concentração e de atenção. Levam muito tempo a gerirem os pontapés livres", referiu.
Para diminuir as pausas, os árbitros têm orientações para reduzirem o tempo na formação de barreiras, para falarem com os guarda-redes assim que se apercebam de demora nos pontapés de baliza, agindo disciplinarmente à terceira situação, se não respeitarem os dois avisos prévios, e para acrescentarem 45 segundos ao tempo de compensação por cada substituição realizada, quando antes era 30 segundos.
Quanto aos casos de simulações e de conflitos, Rui Miguel Rodrigues esclareceu que o pedaço de terreno em redor das áreas técnicas é visto pelos árbitros como uma "terceira área de penálti" pela maior frequência de "situações de agressão" e de confusão, que devem, pelo menos, valer sempre um cartão amarelo.
O facto de os jogadores "usarem muito os braços" no futebol português levou a arbitragem a punir esse comportamento, o que, por sua vez, levou certos jogadores a exagerarem em casos de "mão na cara" para "conseguirem amarelos pelo adversário", algo que vai passar a ser punido com cartão amarelo.
O árbitro salientou ainda que os 'juízes' portugueses têm de olhar para "a importância dos relacionamentos", mostrando capacidade para "convencer os jogadores" das suas decisões, mas também sentido de "liderança e de humildade".
"Os árbitros são vendedores de decisões e devem trazer os jogadores para o seu lado. Os jogadores não dizem que o melhor árbitro é aquele que acerta em mais penáltis ou cartões vermelhos, mas o que fala com eles", assinalou.