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O êxito no Vietname e o regresso a Portugal. "Só num projeto sustentável"

Com 35 anos, Mauro Jerónimo já leva 12 anos de carreira de treinador e um nível de sucesso assinalável no Vietname, onde está mais perto de fazer história com a subida do Pho Hien à primeira divisão. Em entrevista ao Desporto ao Minuto, o jovem técnico abordou o eventual regresso a Portugal e relatou as superstições no futebol vietnamita.

O êxito no Vietname e o regresso a Portugal. "Só num projeto sustentável"
Notícias ao Minuto

07:51 - 14/10/22 por Miguel Simões

Desporto Exclusivo

Mauro Jerónimo é um dos poucos treinadores estrangeiros a trabalhar no Vietname, país onde se priorizam técnicos asiáticos, mas nem isso o impede de ter um percurso altamente assinalável ao longo dos últimos anos.

Em entrevista ao Desporto ao Minuto, o jovem treinador de 35 anos recordou alguns dos momentos da sua carreira de uma dúzia de anos a treinar equipas, sendo que grande parte das experiências aconteceu fora de Portugal, de onde saiu em 2015.

Após ter dado os primeiros passos nas escolas do Benfica e ter ainda passado por Vitória FC e Pinhalnovense, Mauro Jerónimo acabou por rumar à China e, atualmente, encontra-se a comandar o Pho Hien, da segunda divisão do Vietname, na continuação de um projeto de onde têm emergido vários talentos jovens - a PFV Academy (Promotion Fund of Vietnamese Football Talents).

O treinador de 35 anos já deixou a sua marca vincada no sudeste asiático, mas há a possibilidade de assinalar novo marco histórico, uma vez que comanda uma equipa que é cada vez mais candidata a subir ao principal escalão do futebol do Vietname, embora esse não fosse o objetivo no início da temporada.

Além das expectativas para a reta final de campeonato, Mauro Jerónimo enumerou algumas das curiosas superstições do país onde já está desde 2018 e falou ainda da possibilidade de voltar a trabalhar em Portugal.

Nunca me passou pela cabeça ser treinador, sou sincero. Não vou dizer que sonhava porque não é verdade.Jogou nas camadas jovens do Santa Clara e ainda passou pelo Vitória FC. A carreira de jogador terminou tão cedo por que razão?

Foi uma decisão em que eu, na altura, achei que não ia conseguir atingir o nível que pensava que podia alcançar. Tive duas cirurgias aos ligamentos cruzados. Agora está tudo bem e consigo correr normalmente, mas na altura tinha 22 anos e estava numa fase transitória de juniores para seniores já no Vitória FC. Creio que nenhum jogador foi chamado à equipa principal e tinha de procurar diversos caminhos. O ideal era uma segunda divisão. Fui à experiência para o Odivelas, mas depois tive uma rotura de ligamentos num jogo-treino, antes do início de época. Estive dez meses parado e anda passei pela equipa B do Odivelas para voltar a treinar. Lembro-me que me sentia bem e a pensar que, com motivação, podia resultar. Só que depois num exercício de aceleração, um estalar no joelho levou-me para o hospital com um problema no menisco. A família quer sempre o nosso melhor e começou a insistir um pouco mais comigo para me dedicar aos estudos, até porque quando acabei o secundário com 18 anos tentei ir para a universidade e não consegui.

O que o levou a abraçar a profissão de treinador?

Posso dizer que nunca me passou pela cabeça ser treinador, sou sincero. Não vou dizer que sonhava porque não é verdade. Queria ser jogador de futebol, mas sabia que tinha de estar ligado ao desporto. O futebol sempre foi a minha paixão. Decidi ir para a faculdade tirar desporto em Setúbal, uma cidade onde joguei e tenho alguma afinidade, apesar de ser dos Açores. Depois as coisas foram aparecendo. Através de um colega de faculdade, que trabalhava na formação do Benfica, fui convidado a estagiar e treinar miúdos nos sub-10 e sub-12 [em 2010]. Foi algo que adorei e não estava à espera. Comecei a ver o futebol com outros olhos, a aliar a teoria à prática, e antes de acabar a faculdade estive a trabalhar nos sub-19 do Vitória FC [2012] como adjunto do mister Quim, uma lenda do clube na I Liga. O Vitória FC, naquela altura, foi até à final do campeonato nacional de juniores, com jogadores como Ricardo Horta e Rúben Vezo e ainda outros dispensados por clubes como o Benfica, por exemplo. Tive a sorte de começar logo a aprender num bom nível como treinador adjunto. Só depois segui para o Pinhalnovense, onde trabalhei com o mister Francisco Barão, que seguiu para o Sporting  [em 2013]. A partir da minha segunda época, saí de Portugal [em 2015] e nunca mais voltei a trabalhar no país.

Que ensinamentos retirou dessas experiências como adjunto do Quim [Vitória FC] e do Francisco Barão [Pinhalnovense] ?

Com toda a gente temos sempre coisas a aprender. Com a experiência do Francisco Barão, aprendi muito a nível de liderança, organização da equipa e, claro, a nível tático. O mister Quim era mais jovem na altura, estava mais virado para a ciência, fruto da faculdade. Naquela altura eu era uma 'esponja' e só depois com o passar do tempo é que consegui ir separando aquilo que era e não era válido para mim, com mais autonomia. Tiramos sempre coisas de alguém para aquilo que usamos no nosso trabalho, até porque as pessoas com quem trabalhamos influenciam-nos de alguma forma. Como jogador, tenho como referência o mister Ricardo Formosinho, até porque foi ele que assinou a carta para ir dos Açores para Portugal Continental, bem como o José Rocha, antiga lenda do Vitória FC, como principais referências.

Quando comecei a trabalhar [na Ásia] e percebi que as condições eram excelentes, com o trabalho a ser valorizado e sem estar com a corda ao pescoço para sair, havia uma forte possibilidade de me desenvolver como treinador. Em 2014/15, o Mauro passa pela Academia do Figo e rapidamente passa a treinar na segunda liga chinesa. Foi aí que sentiu que  futuro deveria passar por fora de Portugal?

A Academia do Figo durou quase um ano e contou com outros treinadores portugueses, com um projeto espetacular para o desenvolvimento do futebol jovem na China, até para preparar jogadores para a seleção. Só depois é que fui trabalhar para o Fujian Chaoyue, um clube recente da segunda liga. Já tinha sentido [que o futuro passava por fora de Portugal] um bocadinho antes, mas foi nessa altura que se deu o clique. Quando comecei a trabalhar e percebi que as condições eram excelentes, com o trabalho a ser valorizado e sem estar com a corda ao pescoço para sair, havia uma forte possibilidade de me desenvolver como treinador. Fora meia dúzia de clubes, não há condições para trabalhar em Portugal. E depois a tal questão do dirigismo. Não há nada a prazo. É tudo para hoje e amanhã, em função dos resultados.

Como é que aconteceu a mudança para o Vietname em 2018?

Tudo começou com a PFV Academy (Promotion Fund of Vietnamese Football Talents), algo parecido com a conhecida Aspire do Qatar. Estamos a falar de infraestruturas com sete campos de futebol, hotel, piscina, contando com um trabalho de cooperação com a Federação de Futebol do Vietname, desde os sub-10 aos juniores. Foi nessa altura que conheci o Phillipe Troussier, que gostou imenso do meu trabalho na China, onde trabalhei com uma média de idades baixa, tendo lançado o convite para integrar este projeto no Vietname. Ele basicamente veio para ser o coordenador técnico e, assim, montar uma estratégia com o objetivo de haver uma inédita qualificação para o Mundial de 2026, já desde 2018. Eu fiquei responsável pelos sub-19, com funções de scouting para recrutar jogadores e prepará-los de seguida. Tínhamos um staff de 16 estrangeiros, sendo que eu era o único português e a maioria eram franceses, desde analistas a fisioterapeutas e médicos, ou seja, vários profissionais com diferentes características para alavancar o projeto com base no objetivo do Mundial.

Sente, por isso, que incorporou muitos elementos de aprendizagem com a experiência do Phillipe Troussier?

Posso dizer que ainda estou a tirá-los. Ainda está tudo a assimilar. Estamos a falar de um treinador com 66 anos, que passou por África, Ásia, Europa, com contextos difíceis de alto nível e tem uma enorme bagagem. É uma pessoa carismática e com um conhecimento muito aprofundado de como gerir uma equipa de futebol. Pelo Japão, foi à final do Mundial de sub-20 e conquistou a Taça Asiática [2000]. Tem muita experiência a nível de seleções, apesar de ter treinado equipas como o Olympique de Marseille. Quando ele estava numa seleção A, fazia questão de trabalhar com muitos jovens de outros escalões também porque achava que era importante haver essa 'ponte'. Teria de estar aqui a falar uma hora para abordar as ideias vincadas do trabalho dele. Não nos podemos esquecer que não se consegue trabalhar da mesma forma aqui do que em Portugal. É preciso saber muito sobre o futebol, mesmo pela forma como aborda os media ou os agentes do futebol. Apesar de já se ter ido embora, continuamos a trocar ideias.

Notícias ao MinutoA integração na PFV Academy possibilitou o crescimento de Mauro Jerónimo no futebol asiático.© DR  

As duas conquistas do campeonato de sub-19 pela PVF Academy foram cruciais para seguir para o Pho Hien da Segunda Liga do Vietname?

Sim, basicamente foi a continuação de um bom trabalho, com uma média de idades de 19,8 anos, até para preparar jogadores para o Mundial de sub-20. Esse meu projeto nos sub-19 seguiu para o Pho Hien, que é o nosso clube parceiro na Segunda Liga do Vietname para dar oportunidades aos talentos mais jovens, com expectativas de virem a jogar na divisão mais acima. É como aquilo que o Benfica faz com a equipa B, não exatamente igual, mas parecido. É tudo sequência desse trabalho.

Trabalhar com jovens tem sido preponderante para o crescimento como técnico?

Sem dúvida. Os jovens requerem um nível de atenção em torno de todas as componentes no mundo do futebol, a nível técnico. Há que ajudá-los nas qualidades que eles têm. Creio que no futebol sénior já não é tanto assim, dado que há muitas mais pessoas a trabalhar e basta haver um 'expert' por cada área. Por exemplo, tenho um guarda-redes com 33 anos e um médio com 30. De resto, está tudo à volta dos 19 e 20 anos. Sinto-me privilegiado por ter treinado equipas dos sub-10 até aos seniores. Não foi algo que eu escolhi, apenas foi acontecendo, já desde Portugal. Foi algo que me deu alguma estabilidade a nível daquilo que um treinador tem de fazer e melhorar, mas também já treinei jogadores mais velhos que eu.

Como avalia a crescente procura por parte dos clubes europeus em contratar futebolistas do continente asiático?

Tem crescido e vai crescer cada vez mais. Estamos a falar de milhões e milhões de jogadores, com densidades populacionais muito elevadas e que estão em desenvolvimento. A FIFA tem investido muito dinheiro nas Federações na Ásia, mesmo onde há mais pobreza. O Japão e a Coreia do Sul são países que já exportam jogadores para o campeonato europeu há muitos anos. Também temos agora aqui um projeto de jogadores que segue para a Bélgica, sendo que até vão cinco jogadores dos nossos sub-16 para treinar lá e ficar lá a jogar para se desenvolverem na Europa, ajudando a seleção nacional. Só que no Vietname ainda estão um pouco atrasados em termos de projeção. No ranking da Ásia, o Vietname subiu inúmeros lugares e é a número 1 no sudeste asiático, mas tem de se aproximar de países como Coreia do Sul, Japão, Austrália e Irão, até para ter mais possibilidades de ir a um Mundial num futuro próximo. Não tenho dúvidas de que esta geração de jogadores com que estou a trabalhar agora, nascida entre 2001 e 2004, com este projeto de acelerar o processo de maturidade ao jogar futebol senior, irá ser muito melhor do que a geração atual da seleção A. Estes miúdos vão ter outro impacto na equipa e isso vai levar a outros resultados na qualificação para o Mundial. 

Subir à primeira divisão do Vietname? O meu discurso para a comunicação social passou sempre por deixar claro que, se a subida acontecer, será sempre uma consequência do trabalho e da acumulação de pontos, mas eu não coloco essa pressão nos meus jogadores, que têm 18 ou 19 anos.No Pho Hien, há muita fé em subir à primeira divisão do Vietname?

Fé da minha parte há [risos] e dos jogadores também. Mas não é o objetivo traçado desde início, há que dizê-lo. Quando iniciámos este projeto, rapidamente o traçámos a três anos. No primeiro, passava por não descer e dar oportunidades aos jogadores para ter tempo de jogo, sobretudo os mais talentosos para poderem ajudar a seleção do Vietname. No segundo já seria atacar o top-5 e, se houvesse a possibilidade de atacar a subida, perfeito. Mas no terceiro, sim, o objetivo passaria já por subir à Primeira Liga, até para levar todos os jogadores da academia para o topo, um pouco como aconteceu com clubes como o Ajax. Só que este ano [o primeiro], as coisas têm corrido acima das expectativas. Já estivemos em primeiro lugar por várias jornadas, algo que criou expectativas um pouco desmedidas. O meu discurso para a comunicação social passou sempre por deixar claro que, se a subida acontecer, será sempre uma consequência do trabalho e da acumulação de pontos, mas eu não coloco essa pressão nos meus jogadores, que têm 18 ou 19 anos e estão a jogar pela primeira vez futebol senior. A possibilidade matematicamente está em aberto.

Ao fim da primeira volta, o Pho Hien estava no terceiro lugar a um ponto da liderança. Nesta altura em que faltam poucos jogos para o final, estar na segunda posição a um ponto do líder cria que tipo de expectativa no balneário?

O nosso calendário é um pouco mais difícil que o dos restantes porque vamos jogar com adversários mais complicados. Fazemos jogos contra os que estão no top-4, dois deles fora de casa. Quando se joga fora de casa no Vietname não é fácil ganhar. Não lhe vou chamar corrupção porque é muito forte. Mas há uma envolvência dos clubes que lutam para subir em torno da arbitragem. Além de que somos uma equipa muito jovem. Não é impossível, matematicamente é possível, mas para fora a nossa comunicação não indicia esse objetivo. Se conseguíssemos, teríamos jogadores muito jovens a ir para a primeira divisão, com melhores salários e oportunidades na principal seleção nacional. Contudo, há a cultura do 'resultadismo', o que dificulta a afirmação dos miúdos. O nosso projeto é pioneiro, aposta praticamente só em jovens. Mas no que nos compete a nós, é tentar ganhar os jogos que faltam e ver o que os adversários diretos fazem.

Regressar ao campeonato português? Claro. Portugal é o meu país, mas só volto se tiver um projeto com cabeça, tronco e membros. Só mesmo com um projeto sustentável, com pessoas que acreditam e percebem o meu trabalho (...) Não é só chegar, treinar e ganhar jogos. Isso, para mim, não é suficiente.Pondera regressar ao futebol português?

Claro. Portugal é o meu país, mas só volto se tiver um projeto com cabeça, tronco e membros, em que eu veja que é algo a longo prazo. Só mesmo num projeto sustentável, com pessoas que acreditam e percebem o meu trabalho, além da possibilidade de também eu poder pensar na estrutura do clube. Não é só chegar, treinar e ganhar jogos. Isso, para mim, não é suficiente. Creio que tem de haver conexão entre o management e o treinador. Ainda me lembro do [Arsène] Wenger dizer uma coisa importante. Quando o questionaram qual era a pessoa mais importante do clube, ele respondeu que era o treinador e questionaram se essa resposta não era arrogante. Foi aí que o Wenger esclareceu que, quando há insucesso, só há uma pessoa responsável, que é logo a primeira pessoa a ser admitida. Ou seja, o treinador não pode servir só para treinar jogadores. Deve estar a trabalhar diretamente com o diretor desportivo ou o presidente do clube com vista ao desenvolvimento da equipa. Os melhores clubes do mundo já estão a trabalhar dessa forma.

Qual o seu maior sonho enquanto treinador?

Tenho vários. Acima de tudo, quero sentir que estou a progredir como treinador a cada ano que passa. Se eu sentir que passou um ano e estou igual, se calhar tenho de mudar para outro sítio qualquer. Para já, não sinto isso. Mas o sonho de qualquer treinador é um dia poder treinar uma seleção nacional num Mundial, disputar uma Liga dos Campeões na Europa ou até mesmo se for na Ásia, basicamente, é estar nas melhores competições. A carreira de treinador é muito difícil e, acima de tudo, quero viver desta profissão o máximo possível, porque não há muita longevidade. Todos devemos ter sonhos, mas estamos a falar de um mercado muito competitivo, onde há muitos treinadores e poucas oportunidades de trabalho. O meu grande foco é desenvolver-me e poder trabalhar. Poder fazê-lo constantemente abre-nos a porta para esses mesmos sonhos. Raramente falo nessas coisas porque o meu foco é no dia a dia. Posso estar deitado na praia um dia e imaginar-me a ganhar uma Liga dos Campeões. Esse é o nível mínimo da ambição. Quero competir e é isso que me motiva todos os dias. Se ajudar a desenvolver o jogador, há maior probabilidade de ganhar porque o jogador estará a jogar melhor. As coisas devem estar alinhadas.

Queria marcar o dia do primeiro treino para 2 de agosto, tendo em conta as férias e os calendários, mas não pude fazer isso. Tive de consultá-los primeiro para perguntar qual é o melhor dia para começar, consoante o dia da sorte, segundo o calendário deles. Este ano, tive de começar uma semana mais tarde à custa disso, algo que deu 'briga' naturalmente.

O futebol no Vietname é rico em curiosidades. Quais são as mais marcantes para si?

Eles são muito supersticiosos, no geral, até mesmo no que diz respeito aos uniformes. Nós quando fomos campeões nacionais em 2020, tínhamos um equipamento com t-shirt azul e calção preto, sendo que os treinadores podiam usar outras cores. Mas eles aqui no Vietname diziam que também tínhamos de usar sempre azul porque era a cor da sorte daquele ano no calendário. Uma outra situação até aconteceu recentemente. Queria marcar o dia do primeiro treino para 2 de agosto, tendo em conta as férias e os calendários, mas não pude fazer isso. Tive de consultá-los primeiro para perguntar qual é o melhor dia para começar, consoante o dia da sorte, segundo o calendário deles. Este ano, tive de começar uma semana mais tarde à custa disso, algo que deu 'briga' naturalmente.

O que pensa o Mauro acerca disso?

Eu, por exemplo, não sou uma pessoa muito supersticiosa e, apesar da minha adaptação aqui, tento passar aos jogadores que a sorte aparece se estiverem bem preparados e forem bons profissionais, não tanto por jogar de azul ou pela questão da mulher não poder entrar no autocarro, que foi algo que nós 'batalhámos' com sucesso porque agora a nossa nutricionista, se tiver que viajar, viaja. Mas cortar isto no balneário pode gerar desconforto, até porque depois os jogadores já nem jogam bem a pensar nisso. Temos de fechar os olhos a algumas coisas e arranjar forma para que essas superstições não afetem o nosso trabalho, com um input pessoal para os jogadores. É muito bom quando ganhamos e jogamos bem porque quebramos qualquer superstição.

O ovo simboliza um zero e, no Vietname, dizem que dá azar em dias de jogo. Os jogadores do Pho Hien descartam esse tipo de alimentação?

No ano passado, a história do ovo ainda perdurava. Mas este ano já começámos a introduzir ovos cozidos nas refeições, embora às vezes acabemos de comer e aquilo está tudo cheio na mesma porque há jogadores que continuam a não querer comer. Se a nutricionista acha que vale a pena, quem quer comer, come. O ideal é não lutar contra as superstições, mas há outras como a idade que é difícil. Eles aqui vão muito pelos mais velhos. Eu sou o treinador mais jovem no Vietname, de todas as divisões. Num regime comunista, olham para a idade como algo fundamental. Em Portugal, um jovem a falar para uma pessoa mais velha quase parecem irmãos. Aqui, tem de haver um respeito e uma hierarquia, na lógica de que a pessoa mais velha e experiente sabe sempre mais do que a nova. Mesmo numa diferença de 10 anos, isso acontece. Na primeira divisão do Vietname é praticamente tudo de 50 anos para cima, sendo que todos os treinadores são ex-jogadores e até terão passado pela seleção.

Notícias ao Minuto Mauro Jerónimo chegou a ser comparado a Henrique Calisto, um nome incontornável na história do futebol do Vietname.© DR  

Recordando um treinador com um histórico assinalável, o Henrique Calisto foi um dos poucos técnicos portugueses a passar pelo Vietname, onde se priorizam os asiáticos. O facto de o Mauro também ser uma exceção à regra torna-o especial de alguma forma no futebol do Vietname?

Não sei se me isso me torna especial ou se eu é que tive sorte no contexto onde estou inserido, até porque eu vim trabalhar para um realidade no Vietname onde já há uma maior mistura entre Ásia e Europa. Por exemplo, o nosso diretor técnico da PFV Academy é da Bélgica. Já há uma maior influência da Europa, mesmo a nível educacional daquilo que se vai vendo na organização do futebol. Tudo isso facilita o meu trabalho, além do facto de ter tido sucesso com os campeonatos nacionais, mesmo sendo de sub-17 ou sub-19 porque há um impacto da visibilidade do futebol entre os milhões que aqui assistem. Haver uma equipa a ganhar duas vezes seguidas o campeonato é algo que nunca tinha acontecido. O facto de ter acontecido com um treinador estrangeiro deu alento para o passo para o Pho Hien. Creio que no futebol do Vietname existem atualmente quatro treinadores estrangeiros. Mas não, não sou especial. Isto está relacionado com a competência que tenho desenvolvido. No desporto é preciso haver sucesso, é preciso haver resultados. Claro que há determinados contextos em que não temos resultados, mas avalia-se a competência pela performance de ver uma equipa jogar bem, mas o foco está sempre nos resultados e em superar os adversários. Há certas coisas que se calhar eu já não faço porque fui conhecendo melhor a cultura do futebol, mas não mudo as ideias principais. Apenas apelo à flexibilidade para poder continuar a trabalhar. Tenho recebido contactos da Federação e pode haver a possibilidade de no futuro integrar a seleção nacional. Creio que, se eu quiser continuar cá, terei boas hipóteses, seja de sub-23 ou até mesmo a seleção A. Do meu onze inicial, seis jogadores estiveram na primeira fase de qualificações da seleção, o que dá para mostrar a valorização do projeto que estamos a desenvolver. Jamais imaginei que podia estar a lutar para subir à Primeira Liga e isso vem da aposta nos jovens. Creio que no dia em que deixar de ter resultados, se calhar, mandam-me embora [risos].

O Henrique Calisto é uma inspiração para si por tudo aquilo que conquistou?

Eu conheci o mister Henrique Calisto em Portugal, até porque ele integrou vários seminários da ANTF (Associação Nacional dos Treinadores de Futebol) Obviamente que soube muito mais sobre ele quando cheguei aqui, até pelas nossas diferenças de idade. Ele é o treinador estrangeiro de maior sucesso no Vietname, já não é só português, até pelo primeiro título de sempre na seleção [AFF]. O que ele fez aqui, na altura, foi muito bom. Já fui à televisão daqui dar várias entrevistas e brincam comigo a dizer que sou o filho do Calisto, por ser português. Perguntam ainda se eu também digo muitas asneiras [risos] ou se eu gosto de gritar muito, mas é giro ver esse apreço por ele, depois de terem passado tantos anos. Aliás, conheço pessoas na PFV Academy que sabem algumas palavras em português graças a ele.

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