Nuno Santos garante sentir-se realizado após acumular os primeiros meses ao serviço do Charlotte FC, equipa da MLS à qual chegou no último dia da última janela de transferências. O jovem de 23 anos colocou um ponto final da ligação contratual de 11 anos com o Benfica para ter a primeira aventura além-fronteiras, e logo do outro lado do Atlântico.
Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, Nuno Santos faz o balanço da (ainda) curta experiência nos Estados Unidos da América e revela os motivos pelos quais decidiu aceitar o convite do Charlotte FC.
Pelo meio, o jogador natural do Porto recorda a chegada ao Seixal com apenas 12 anos, e garante não guardar qualquer rancor às águias, ainda que lamente não ter tido uma oportunidade com Roger Schmidt, na pré-temporada, isto depois de ter estado em destaque ao serviço do Paços de Ferreira, na época transata.
Estou feliz e realizado pela minha opção de vir para aqui
Chegou com a época da MLS em andamento e, entretanto, a fase regular chegou mesmo ao fim no último fim de semana. Que balanço faz destes primeiros meses nos EUA?
Pessoalmente, acho que foi uma adaptação um pouco fácil. É certo que é outra Liga, outro país e outra cultura, mas o facto de eu conseguir falar bem inglês e espanhol ajudou-me imenso a comunicar com todas as pessoas, tanto no balneário como fora. Isso tornou a adaptação mais fácil. O grupo recebeu-me muito bem. Em termos profissionais, jogo após jogo, estava a tentar adaptar-me, mas, agora, terminou a fase regular. Creio que estava a correr bastante bem, tendo em conta que não fiz muitos jogos esta época. A próxima época há de ser melhor.
Sente a necessidade de fazer a pré-época para ficar mais entrosado com os seus colegas de equipa e mais identificado com a ideia de jogo do treinador?
Sim, eu até costumo brincar com os meus dois colegas que também chegaram na mesma altura que eu. Na prática, tínhamos acabado de sair de férias e, quando estávamos a tentar voltar ao ritmo ideal, a época termina. Felizmente ou infelizmente, o campeonato é um bocadinho diferente, mas, sim, vai ser bom para entrar na melhor maneira da próxima temporada. O grupo estará mais forte.
Algumas pessoas podem achar estranho um jovem de 23 anos sair de Portugal para ir jogar para os EUA
A sua mudança para o Charlotte aconteceu no último dia de mercado. Como é que se gere a ansiedade naquelas horas mais decisivas?
Não foi fácil para mim. Depois de uma época [no Paços de Ferreira] que foi bem conseguida da minha parte, estar tanto tempo de férias sem competir à espera que chegasse a melhor oferta e de tomar a melhor decisão... Não foi um período fácil. Ainda que tenha tido outras coisas em vista, o facto de os diretores e treinadores do clube terem falado comigo pesou. Senti a vontade deles em poderem contar comigo. Algumas pessoas podem achar estranho um jovem de 23 anos sair de Portugal para ir jogar para os EUA, mas a verdade é que a MLS está a crescer muito e há cada vez mais jovens com muita qualidade a ingressar nesta Liga e, depois, consequentemente, a saltarem para patamares maiores. Não é uma Liga fácil e tem cada vez maior visibilidade.
Sentiu que era a altura certa para deixar o futebol português?
Senti, porque estava na I Liga desde os meus 20 anos e tinha acabado de completar o meu terceiro empréstimo consecutivo. Não queria que se transformasse em algo repetitivo. Decidi que o melhor era seguir o meu caminho e construir a minha própria história, e, de preferência, fora de Portugal. Ainda bem que tomei essa decisão. Estou feliz e realizado pela minha opção de vir para aqui.
Ficou alguma mágoa por não ter tido a oportunidade de fazer a pré-época no Benfica? Isto, depois de ter estado a um bom nível no Paços...
Sim, um pouco. Quando fui emprestado, o feedback que me passaram, naquela altura, é que saía para regressar mais forte. E foi isso que aconteceu, mas lá está, nós, os jogadores, não controlamos esses pequenos detalhes e essas pequenas decisões. Só temos de respeitar. Provavelmente, a estrutura do Benfica decidiu que era melhor isso não acontecer. Não tenho nada contra a decisão. Gostava de ter feito parte, mas não guardo rancor. Cada um seguiu o seu caminho e eu só desejo o melhor ao Benfica.
Como geriu essa decisão em termos emocionais?
Como já disse, não foi fácil. Embora estivesse a tentar resolver a minha vida e a tentar encontrar a melhor opção para mim, estava parado. Quer dizer, não estava parado, porque tinha um personal trainer e treinava com ele todos os dias, mas todos sabemos que é diferente estar dentro de campo com uma equipa. Até mesmo a nível da minha sanidade mental. Sempre que se entra dentro de campo, o jogador esquece tudo o que se passa à volta. Depois, a certa altura, tive de me apresentar nos trabalhos do Benfica, porque tinha contrato e era jogador do clube. Treinei com a equipa B, durante alguns dias, antes de a minha decisão ser tomada.
E o que é que encontrou nos EUA?
Diria que é um mundo completamente diferente. A América é um mundo e o resto dos países é outro. Mas fui muito bem recebido, as pessoas são muito simpáticas, tanto dentro como fora do clube. Alguma coisa que precise, estão sempre disponíveis para me ajudar. Sendo a minha primeira experiência fora de Portugal e estando longe da minha família, acaba por ser reconfortante saber que não estou sozinho. Isto está muito bem estruturado aqui no clube. Há sempre alguém pronto para nos ajudar.
Nuno Santos, que veste a camisola 6 no Charlotte FC, num momento de celebração.© Charlotte FC
Como gere as saudades de casa e da família?
Bom, eu já estou fora de casa desde os meus 12 anos (risos). Quando fui para o Benfica com essa idade, fui sozinho e é óbvio que sentimos sempre saudades. Hoje, consigo gerir isso de maneira diferente. Como desde cedo tive de lidar com essa pressão emocional, hoje sinto-me muito mais preparado. Não é que não tenha saudades, mas a maneira como se gere a distância é diferente. Agora, consigo estar mais tranquilo e focado no meu trabalho. Foi uma coisa que fui ganhando com a experiência da minha curta vida.
No balneário, conta com alguns colegas brasileiros e um ex-Feirense, o Vargas. Isso também ajudou na adaptação?
Ajudou e ajuda, claro. Apesar de não ter problemas em comunicar em inglês ou em espanhol, é sempre bom ter alguém que fala a nossa língua. Também na estrutura, há pessoas que são portuguesas. Todas elas me ajudaram um pouco na minha adaptação.
Em termos de objetivos do Charlotte, esta época não alcançaram os playoffs. É essa a meta para a próxima época?
Este ano era esse o objetivo, embora fosse a primeira época do clube. Todos tínhamos esse sonho e até estivemos perto de o conseguir. Claro que será um objetivo, na próxima época, fazer coisas bonitas. Na MLS, nunca se sabe quem vai ser campeão ou quem vai ter mais sucesso. As equipas estão muito equilibradas e isso traz outra emoção ao campeonato.
Aqui, não há equipas grandes ou equipas pequenas. Isso faz com que o último possa ganhar ao primeiro
Por falar em emoção, o que é que sentiu ao marcar o primeiro golo pelo Charlotte?
Foi importante, para mim, mas, naquele preciso momento, foi ainda mais importante para a equipa. Estávamos a perder por 0-2, eu fiz o 2-2 e, nos minutos finais, conseguimos a vitória. Isto numa altura em que ainda estávamos na luta pelo playoff. Claro que foi muito especial para mim.
In case y'all missed it pic.twitter.com/CdjctB1WEr
— Charlotte FC (@CharlotteFC) September 18, 2022
Falando de futebol jogado, quais as maiores diferenças que encontra entre o futebol português e a MLS?
Eu acho que as equipas em Portugal jogam mais para o resultado. Sem querer dizer que está bem ou mal, quando uma equipa dita mais pequena vai jogar na casa de um grande, é provável que se feche mais atrás, que baixe as linhas e que jogue mais compacta. Aqui, com aquelas regras de tetos salariais, as equipas estão equilibradas. Não há equipas grandes ou equipas pequenas. Isso faz com que o último possa ganhar ao primeiro. Ou seja, os jogos são abertos, com muitas transições, muito espaços entrelinhas e muitas oportunidades de golo. No fim de contas, acabamos por ver jogadores com 18 golos e 11 assistências. O Mukhtar acabou de ser o jogador com mais golos, com 23 golos e 11 assistências. Isso é algo que não se vê em muitos campeonatos. Isso diferencia a MLS do resto do mundo. É um futebol atrativo e que faz com os jogadores possam brilhar.
Desde que cheguei aqui, não houve um momento em que um jogador errasse e os adeptos assobiassem
Como é a relação com os adeptos?
É espetacular. Quando jogamos em casa, temos uma média de 30 e tal mil adeptos por jogo. Passam os 90 minutos a cantar e são o nosso 12.º jogador. São muito fervorosos e prezam sempre pelo espetáculo. A ganhar ou a perder, apoiam sempre a equipa. Desde que cheguei aqui, não houve um momento em que um jogador errasse e eles assobiassem. Isso explica bem a mentalidade daqui.
Sente que há maior tolerância ao erro?
Sim, sinto. Sinto, acima de tudo, que independentemente daquilo que acontecer, o objetivo deles é apoiar. É estarem ali para nós estarmos motivados e a lutar mais. Não são aquele tipo de adeptos que, quando jogas bem, és o maior, e, quando não jogas, vamos assobiar-te. Totalmente o contrário. Estão os 90 minutos a cantar pela equipa.
Que objetivos individuais traçou para esta sua aventura no Charlotte?
Eu vim à procura de crescer ainda mais como jogador noutro tipo de futebol. Queria experienciar o futebol fora do nosso país. Quero realizar uma boa época, com bons números entre golos e assistências, e ajudar a equipa a alcançar os objetivos traçados. Depois, no futuro, nunca se sabe o que pode acontecer. O objetivo é tentar fazer o melhor todos os dias e crescer. Como jogador e como pessoa.
Época no Paços foi a minha afirmação na I Liga
Considera que a passagem pelo Paços de Ferreira foi a sua melhor época até agora?
Acho que sim. Já falei disso no passado. Tive duas épocas e meia na I Liga, porque quando cheguei ao Moreirense foi no mercado de inverno, e acho que cresci como jogador e que fiz boas épocas nos três clubes, mas, hoje em dia, no futebol, felizmente ou infelizmente, olha-se muito para os números. A época no Paços foi, sem dúvida, a época em que eu consegui colocar mais aquilo que fiz em números. Foi a época em que me senti mais jogador, com mais importância dentro de uma equipa e, claro, com toda a ajuda dos meus companheiros e com a equipa técnica. E, sim, foi a época de afirmação na I Liga.
Como é que tem acompanhado esta fase menos positiva do Paços?
É óbvio que fico triste. É um clube que merece tudo de bom, pelas pessoas que trabalham lá. Só tenho a agradecer pela forma como me receberam no ano passado. Deixei muitos amigos lá e só desejo o melhor. Infelizmente, a equipa técnica acabou por sair e a posição no campeonato não é a melhor, mas tenho a certeza de que vão dar a volta. É um grupo com jogadores diferentes, mas sei que não desiste facilmente. Têm mais do que qualidade para dar a volta. No final da época, os adeptos do Paços vão estar contentes com o desfecho.
Marcar na Luz foi um momento muito especial
A sua passagem pelo Paços também fica marcada por aquele golo na Luz frente ao Benfica. O que é que sentiu naquela altura?
Bom (risos)... Seja contra quem for, claro que o respeito existe sempre, mas o jogador quer sempre fazer o seu melhor. Foi o que eu tentei fazer naquele jogo, como em todos os outros. Felizmente, consegui marcar um golo e não festejei por respeito ao clube, mas o sentimento foi de realização por poder marcar naquele estádio, que é especial para mim. Foi um momento muito especial, sim.
Nuno Santos marcou no Estádio da Luz com a camisola do Paços, mas não festejou. © Getty Images
E guarda boas memórias do Benfica, apesar de não ter a desejada oportunidade?
Sim, claro que sim! Fui para o Benfica com 12 anos. Ajudaram-me a crescer como pessoa e jogador como nenhum outro clube me ajudou. Vai ser um clube que vou guardar no coração. Vivi muitas coisas lá desde muito novo. Entrei lá um menino, sai de lá um homem. Só tenho a agradecer tudo o que o clube fez por mim.
Fez muitas amizades naquele tempo de formação no Seixal?
Sim, guardo muitas amizades daquele tempo. Os meus melhores amigos de hoje jogavam comigo no Benfica naquela altura. Tínhamos todos o mesmo objetivo. Guardo amizades para o resto da vida.
Consegue lembrar-se do momento em que deixa a cidade do Porto para ir para o Benfica, aos 12 anos?
Lembro-me do dia em que cheguei ao centro de estágios... Só queria ir lá para dentro e queria explorar tudo. Os meus pais, coitados, estavam tristes no portão e eu só queria era ir e conhecer. Estava muito entusiasmado. E assim foi, durante umas semanas. Passados uns tempos, quando começou aquela vida de treinos e escola, aí sim, começou a bater aquela saudade normal de um menino de 12 anos que precisava do carinho dos pais e de estar perto da família. Não desisti, comecei a habituar-me e a tentar gerir, embora seja difícil com aquela idade. Mas, se o meu objetivo era ser jogador de futebol, tinha de passar por esses sacrifícios. Foi isso que fiz e, felizmente, hoje posso dizer que foi a melhor decisão.
Como é que surgiu o convite para ir para a academia do Benfica?
Estava no Boavista, fui para o FC Porto e voltei ao Boavista. Fiz dois treinos de captação, um na Póvoa do Varzim e outro já em Lisboa, para o treinador conseguir avaliar-me. No fim dessa época... Lembro-me que era o Pedro Ferreira, hoje chief scout da equipa principal, que estava a tratar da minha situação, e estava ali num impasse porque não tinham vagas nos quartos para eu ir. À última hora, conseguiram, e eu fui com todo o gosto. Foi assim que se passou. O Pedro Ferreira e o Flávio tinham visto muitos jogos meus quando estava no Boavista. Felizmente, correu tudo bem.
Tomar essa decisão aos 12 anos teve um grande impacto na sua carreira?
Eu acho que sim... Se formos a pensar na situação, nunca se sabe. Se tivesse recusado o Benfica e ficado no Boavista... Não sabemos o que teria acontecido. Poderia surgir uma proposta mais tarde. Mas olhando para trás, acredito que tenha sido a melhor decisão. Estar e crescer no Benfica, um clube ganhador na formação e na equipa principal, foi a melhor decisão.
Nuno Santos ao serviço da equipa sub-19 do Benfica, na UEFA Youth League. © Global Imagens
O Nuno de agora, maduro e um jogador feito, ainda se recorda do Nuno de 12 anos?
Sim. Quando vejo fotografias na casa minha família. Sempre tive muita paixão pelo jogo e lembro-me de andar em casa da minha avó com a bolas nos pés, e a bola não podia bater em nenhum móvel, se não era uma grande confusão (risos). Sempre tive essa paixão pelo jogo e por ter sempre a bola comigo. Com aquela idade, não se pensa 'Eu quero ser isto ou aquilo'. Apenas aproveitamos aquilo que estávamos a fazer. É o mesmo que se sente quando se brinca com os amigos na escola. É igual. É óbvio que era diferente, porque estávamos no Benfica, porque a exigência era maior. Era mais um sonho do que um objetivo. Queria ir atrás de algo.
Tem conseguido acompanhar o futebol português mesmo à distância?
Agora já consigo. Há dois ou três dias ,consegui meter aqui os canais portugueses em casa e vou estar mais atento. Consigo ver que o Benfica está a fazer uma grande época, algo que é totalmente merecido.
Clássico? Acho que vai ser um grande jogo, mas espero que o Benfica ganhe
O que acha que vai acontecer no Clássico com o FC Porto?
Acho que vai ser um grande jogo de futebol. O que se costuma ver nos Clássicos e nos dérbis, é que as equipas jogam um pouco para o resultado. Esperemos que não seja assim. Esperemos que seja um jogo cheio de golos e com um futebol bonito e bem jogado das duas partes. E que o Benfica possa ganhar (risos).
Quais as metas que tem em mente para os próximos 10 anos?
Boa pergunta... Eu quero chegar ao final da minha carreira e dizer para mim próprio 'Fiz tudo o que estava ao meu alcance para ter a melhor carreira possível'. É esse o meu objetivo.
Mas tem algum sonho em particular?
Tenho o sonho de jogar na La Liga, que se enquadra mais no meu estilo de jogo. Claro que também tenho o sonho jogar na Liga dos Campeões e de jogar na seleção principal, mas é como digo. Tenho de fazer o que estiver ao meu alcance para ter a melhor carreira possível. Quero chegar ao fim e estar de consciência tranquila, e que dei tudo e não deixei nada por fazer.
Para fechar, aconselha os jogadores portugueses a optarem pela MLS?
Cada vez mais ,vai olhar-se para a MLS. Não é fácil para um jogador português da minha idade tomar essa decisão, ainda para mais se for a primeira experiência fora de Portugal. O fuso horário é diferente e o mundo também. Mas, sim, aconselho sim. Não tem nada a ver com o futebol português e é uma experiência para o futuro. Acho que um jogador que passe a carreira toda em Portugal, a nível financeiro, não será o melhor cenário. Se tomarmos a decisão com consciência, é uma boa decisão. Há clubes da MLS com parcerias com outros clubes das melhores Ligas europeias. Há jogadores a serem comprados muitos jovens por clubes da MLS e a saírem, anos depois, para as melhores Ligas do mundo.
What a fantastic experience! I've just moved to Charlotte and I can already see that it was the right choice. Although we didn’t make playoffs, we showed that the future will be bright! Watch us make it happen next season... Thank you all #CharlotteFC #MLS #ForTheCrown pic.twitter.com/EfSke4hOBx
— Nuno Santos (@nunosantos_77) October 14, 2022
Leia Também: Lágrimas na despedida. Higuaín colocou ponto final na carreira