O Vietname é um país que, no plano desportivo, prioriza treinadores asiáticos, mas a verdade é que o português Mauro Jerónimo - quase como uma exceção à regra - tem dado que falar, de tal forma que entrou para a história do país ao levar uma equipa da segunda divisão até às 'meias' da Taça do país, 18 anos depois da última vez. E a final ainda é possível.

Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o jovem treinador de 35 anos abordou os recordes que tem vindo a bater num país onde já se encontra desde 2018 e projetou o duelo frente ao Thanh Hóa, agendado para esta quarta-feira (às 12h00, horário de Portugal Continental).

"A última vez que uma equipa da segunda divisão do Vietname chegou às 'meias' foi há 18 anos e a última a ir à final aconteceu há cerca de 35 anos. Nós conseguimos esse feito histórico no nosso clube, com grande satisfação. Nem sabia disso antes. Soube quando vencemos o jogo [dos 'quartos'] e até foi um jornalista que o disse. Começaram a aparecer esses dados estatísticos", sublinhou Mauro Jerónimo, que procura alcançar uma inédita final contra Viettel ou Binh Dinh.

"Quando são competições a eliminar temos de acreditar que é possível. Apesar de estarmos numa divisão inferior e de jogarmos contra uma das equipas que tem estado sempre no top4, é um jogo a eliminar e temos mais hipóteses, como costumo dizer. Não temos nada a perder", vincou ainda antes de enaltecer a medalha já conquistada por chegar às 'meias' da prova: "Eles aqui dão medalhas de ouro, prata e bronze. Pelo menos a de bronze já conseguimos, o que é um feito histórico para os nossos jovens. Os semi-finalistas, mesmo que percam, recebem medalha. Temos de acreditar que é possível, ganhar este jogo [das 'meias'], chegar à final e vencer. Mas primeiro temos de ir passo a passo".

Esperança cresce no campeonato

Na primeira vez que Mauro Jerónimo falou com o Desporto ao Minuto, em outubro de 2022, a oportunidade de crescer a treinar jogadores jovens oriundos da PFV Academy (Promotion Fund of Vietnamese Football Talents) foi um dos temas centrais e demonstrativos da forma como o técnico açoriano estava a deixar a sua marca no futebol do sudeste asiático. Além disso, a subida ao principal escalão não era um objetivo assumido na época passada e a equipa ficou bem perto de festejar, algo que ainda poderá acontecer esta temporada.

"A nossa equipa continua a ser a mais jovem no futebol profissional do Vietname - alguns jogos com média de idade de 21.5, outros 20.8 e ainda outros com 22 devido a um central com 30 anos - e tem sido muito mais consistente do que o ano passado", vincou sobre o tema, comandando o 'antigo' Pho Hien, uma vez que "na Ásia gostam de trocar o nome dos clubes quando são adquiridos por donos".

"Estamos no top2 desde a primeira jornada, nunca saímos de lá e isso mostra a evolução por comparação à época passada. Perdemos frente ao concorrente direto [Quang Nam] e não dependemos só de nós. Temos de ganhar os nossos jogos e esperar que percam pontos. Não temos o controlo total, mas enquanto for possível matematicamente temos de acreditar", frisou, antes de explicar o motivo de ser só o campeão a subir de divisão: "Normalmente os primeiros dois classificados sobem de divisão, mas esta época, devido à nova calendarização da FIFA, apenas subirá um e descerá outro. O segundo lugar já não dá acesso à subida, infelizmente".

Mauro Jerónimo deixou a carreira de futebolista aos 22 anos e rapidamente iniciou o percurso de treinador, tendo saído de Portugal em 2015.© Reprodução PVF-CAND  

O "tempo" e o futuro... "num projeto sustentado"

Questionado sobre os ingredientes do sucesso para continuar a deixar a sua marca no futebol do Vietname, Mauro Jerónimo não resistiu em sublinhar dois termos - longevidade e continuidade - para além de toda a "confiança" que é necessária depositar num projeto com "excelentes condições".

"[O sucesso] Passa por ter continuidade naquilo que fazemos, além de longevidade na metodologia de trabalho, na filosofia de jogo, na organização do clube e na confiança da direção no staff e nos jogadores. No futebol e no desporto em geral, tudo isto é fundamental, apesar de nem todos perceberem isso. Não se consegue colocar 30 ou 40 pessoas a pensar todas da mesma maneira num curto período. É preciso tempo", atirou.

"Os treinadores muitas vezes não têm esse tempo para poder desenvolver isso. Têm dado confiança ao nosso trabalho, que nos permite mostrar a nossa forma de jogar e de treinar, sabendo que não vamos ganhar sempre e que perder faz parte da evolução da equipa. As pessoas que vêm ao estádio desfrutam do tipo de jogo que apresentamos, o que nos dá uma alavanca. No futebol já sabemos que isto é até à última jornada e depois logo se vê o que acontece", completou de seguida.

As nossas infraestruturas estão ao nível das de Benfica, FC Porto e Sporting. Estão entre as melhores de toda a Ásia"O destaque conduz a uma inevitável procura e, perante esse cenário, Mauro Jerónimo revela estar focado no seu projeto, ainda que não esconda as suas ambições para o futuro, perante a possibilidade crescente de ver o seu nome associado a novos desafios.

"Sou treinador e tenho as minhas ambições. Obviamente que quero sempre progredir para campeonatos que sejam ainda mais competitivos e para clubes com ainda melhores condições, independentemente de ser em Portugal, França ou outro país. Qualquer treinador com ambição tem de ter esse objetivo. Ainda assim, tenho de referir que disponho de condições de trabalho de alto nível", sublinhou antes da comparação aos três 'grandes' de Portugal. "As nossas infraestruturas estão ao nível das de Benfica, FC Porto e Sporting. Estão entre as melhores de toda a Ásia. É um projeto embrionário, com poucos anos e com margem de progressão, em que o objetivo passa por levar o clube à Liga dos Campeões asiática com jogadores da formação, um pouco como o que aconteceu no Ajax e no Barcelona".

"A distância desta zona onde estou para a minha família e amigos [em Portugal] também complica e gostaria de estar a trabalhar mais perto de casa. Se aparecer um projeto sustentado com qualidade, ambição e 'cabeça, tronco e membros', e assente na longevidade, então será algo que ambiciono. Enquanto as pessoas gostarem que aqui continue, com condições excelentes, irei continuar", rematou.

Num país recheado de superstições - desde o o azul como indicador de sorte à proibição de mulheres viajarem no autocarro ou de comer ovos em dias de jogo como sinal de azar - Mauro Jerónimo 'quebrou' muitas ideias pré-estabelecidas e 'provou' do sucesso com base no seu trabalho crescente. 

As passagens por clubes como Pinhalnovense e Vitória FC, em Portugal, bem como por Evagoras Paphos (Chipre) e Fujian Chaouye (China) também o ajudaram a alcançar um trajeto irrepreensível no Vietname. Não deu como jogador em função de duas cirurgias em fase precoce da carreira, mas não há dúvidas que as coisas têm funcionado na condição de treinador, já desde os 22 anos.

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