Zeca Rodrigues é uma das figuras incontornáveis do futebol grego. Apesar de ter nascido, crescido e começado a jogar futebol em Portugal, o jogador, agora de 34 anos, tornou-se internacional pela seleção helénica.
Formado no Casa Pia, o experiente jogador começou por se destacar ao serviço do Vitória FC, em 2010/11, com a ajuda do treinador Manuel Fernandes e do seu filho, Tiago Fernandes. Porém, a estadia em Portugal foi curta.
Uma época depois de vestir as cores dos sadinos, na I Liga, Zeca pegou nas malas e mudou-se para os gregos do Panathinaikos, naquela que seria a sua primeira aventura no estrangeiro. Foram seis anos de muitas histórias em solo helénico, que culminaram com um convite para representar a seleção da Grécia, onde hoje é quase visto com um ídolo.
Em 2017, Zeca trocou o Panathinaikos pelo Copenhaga, onde conquistou o seu primeiro título de campeão, em 2019, ao qual se seguiram mais dois nas últimas duas temporadas, também elas marcadas por duas graves lesões nos joelhos quase de forma consecutiva.
Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, o médio, de 34 anos, recorda a sua já longa carreira e explica-nos as razões que o levaram a voltar ao seu amor grego, o Panathinaikos, já neste verão. A seleção da Grécia não ficou esquecida, nem mesmo Fernando Santos ou Jesualdo Ferreira.
Sempre disse que gostava de acabar a carreira no Panathinaikos e surgiu essa oportunidade
Está de regresso ao Panathinaikos após seis temporadas no Copenhaga. O que o levou a tomar esta decisão? Até era capitão, na Dinamarca...
Foram várias situações. Uma delas passou pelas minhas lesões, outra é o facto de já estar no clube há muito tempo. Além disso, o clube queria tomar outro rumo e eu também. Sempre disse que gostava de acabar a carreira no Panathinaikos e surgiu essa oportunidade. Não pensei duas vezes e vim para a Grécia. O Panathinaikos foi o clube que me deu muito e abriu as portas da Europa. Como tinha esse desejo de voltar, juntou-se o útil ao agradável. Estou feliz por estar de volta.
E ficou de alguma forma chateado pela atitude que o clube tomou de não renovar contrato com o capitão e uma das figuras da equipa?
Entendo a situação do clube. Vou fazer 35 anos, depois de duas lesões nos joelhos. No final de contas, nós cada vez que vamos estando mais tempo no futebol sabemos que é um negócio. Às vezes, as equipas têm de ir por outros caminhos e os jogadores também. Percebemos que tínhamos de seguir outros caminhos e tanto o clube como eu chegámos à conclusão de que era o melhor para ambas as partes. Não guardo mágoa nenhuma de nada. Não saio chateado, até pelo contrário. Tive uma despedida que nunca imaginaria que poderia ter no futebol. Estou muito agradecido a tudo o que passei lá. Estava pronto para um 'novo-velho' desafio.
A homenagem dos adeptos a Zeca Rodrigues© Getty Images
O que lhe passou pela cabeça ao longo processo de recuperação? Pensou colocar um ponto final na carreira?
Passou pela cabeça, claro. Nessa altura, tudo nos passa pela cabeça. Como já não vou para novo, pensei que seria a melhor solução. Depois da primeira lesão, joguei a Liga dos Campeões e estava a sentir-me bem. Saí como o melhor jogador na Liga dos Campeões, contra o Sevilla. Na segunda vez que me lesionei, lembrei-me que consegui voltar a um bom nível para jogar na Liga dos Campeões e deu-me força para a recuperação. Mas foi muito difícil, foi uma lesão atrás da outra. A cabeça fazia muitas perguntas: 'Será que vale a pena passar por tudo outra vez?' e 'Estou longe do meu país e da minha família'. Foi muito complicado. Quando já podia começar a treinar e a fazer algumas coisas no ginásio, o chip muda e acreditamos que podemos voltar e temos força para estar bem. Devo a mim próprio o facto de voltar a tentar. Graças a Deus é aqui, na Grécia. Mas fosse onde fosse, tinha de dar oportunidade a mim mesmo de voltar a tentar e provar que posso ser útil e acabar da forma que eu quero e não que as lesões querem.
A imagem que resta do dia em que Zeca sofreu uma das lesões© Getty Images
Voltando ao seu início na Dinamarca, como foi a adaptação no Copenhaga? O futebol nórdico é bastante diferente, o país também...
Sim, é diferente. Na altura [em 2017], não tinha ideia do que era o futebol na Escandinávia, não estava familiarizado com essa situação. Foi uma adaptação fácil ao clube e à Liga, tudo muito rápido. Marquei no meu primeiro jogo [frente ao Midtjylland, vitória por 4-3], o que ajuda a ter uma confiança e a criar uma conexão com os meus colegas e adeptos do clube. Para mim, o mais difícil foi o dia-a-dia de viver num país que era tão frio e muito escuro no inverno. Não estava habituado a isso. O futebol e a Liga surpreenderam-me muito. As equipas usam muito o físico, mas com a ideia de jogar um futebol apoiado, de formar muitos jogadores. A qualidade da organização era muito boa. Na altura, fiquei muito contente com a minha decisão de ir para a Dinamarca. Fui muito feliz lá e as coisas correram bem. É um campeonato que está a crescer.
O Copenhaga é um clube vencedor, mas quando chegou à Dinamarca estava um pouco longe dos títulos, algo que parece agora estar a mudar. A mentalidade de conquistar títulos foi também o que o fez trocar a Grécia pelo frio nórdico?
Foi uma decisão difícil. Estava muito bem na Grécia. Saí devido a uma situação económica mais difícil aqui no Panathinaikos. Fui para lá e isso [a mentalidade vencedora] fez-me escolher o Copenhaga. É uma equipa que jogava competições europeias todos os anos e lutava por títulos. Felizmente, conseguimos ganhar títulos nos seis anos em que estive lá, foi a isso que eu me propus quando me mudei. Tudo correu bem porque era uma equipa vencedora e eu também queria ser vencedor e ganhar troféus. E consegui isso. Era o mais importante para mim.
Pelo meio da passagem pelo Copenhaga, houve um momento num jogo diante do Manchester United que ficou viral com o Solskjaer e com o Bruno Fernandes. O que nos pode contar sobre isso?
Não escondo que sempre fui adepto do Sporting. O Manchester United sempre foi a equipa de sonho que tive. Na altura, eu disse ao Solskjaer que ele tinha demorado muito tempo ir buscar o Bruno. Ele veio acrescentar à equipa liderança e qualidade, o que o Manchester estava a precisar. O Bruno veio dar muita ajuda ao Manchester. E claro que estava muito contente por ter defrontado a equipa que sempre sonhei ver jogar e um dia poder representar.
A conversa entre Zeca, Solskjaer e Bruno Fernandes© Getty Images
Os anos prosseguiram, e o Copenhaga é agora bicampeão dinamarquês. Como foi conquistar o título na época passada, depois de uma época menos positiva a nível pessoal?
Independentemente das lesões, sempre estive perto da equipa. Viajava muitas vezes com a equipa para os jogos fora e nos jogos em casa estava sempre no balneário com eles. Sentia-me muito parte do plantel e que tínhamos de ganhar. Independentemente de quem está ou não lá dentro, o Copenhaga é um clube vencedor e tinha de continuar a ganhar. Claro que é diferente estar lá dentro e cá fora, mas, no final, fiquei muito feliz por ter ajudado a equipa de outra forma. Estava super feliz por terminar a minha jornada no Copenhaga com dois títulos, que era o que queríamos. Para mim, era o mais importante.
O Diogo Gonçalves celebrou consigo esse título. Como vê a adaptação dele à Dinamarca? Acredita que já é visto quase como um ídolo por lá tal como o Zeca também era?
Não sei se é visto da mesma forma que eu [risos]. O que posso dizer é que estou muito feliz por ele estar a fazer o que está a fazer no clube. Foi muito importante para nós, na época passada. Chegou ao clube, impôs-se e mostrou toda a sua qualidade. Precisávamos muito dele. Este ano, está muito melhor, continuo a segui-lo e falo com ele muitas vezes. Vejo que está em grande e só espero que continue assim para ajudar o clube. Se possível, que seja um ídolo maior do que eu, que é o que lhe desejo. É uma pessoa e um jogador incrível e tem-se adaptado super bem.
Diogo Gonçalves ao lado de Zeca Rodrigues© Getty Images
Voltemos aos tempos no Panathinaikos. Falemos da primeira passagem por lá. Como surgiu essa oportunidade de ir para a Grécia, em 2011?
Foi através do Jesualdo Ferreira, quando eu estava no Vitória FC. O mister acreditou em mim, deu-me essa oportunidade. Até fui a última contratação do clube nessa época. Ele ajudou-me muito. Na altura, não falava nem grego, nem inglês. Ter um treinador português foi bastante bom. Tudo o que conquistei até hoje no futebol, estou grato ao mister Jesualdo, porque, sem ele, não conseguiria, nem mesmo sem o mister Manuel Fernandes, que na altura me levou para o Vitória FC e me abriu as portas do futebol profissional. Aconteceu tudo muito rápido. Já sabia que o meu empresário andava em conversações, mas ele não me tinha dito nada. Soube disso quando já estava na pré-época a preparar a segunda temporada em Setúbal. No jogo de apresentação, disseram-me que não ia jogar, porque estava na iminência de me transferir para o Panathinaikos.
Karagounis e Katsouranis no balneário? Senti-me muito pequenino no meio deles
Como foi ser treinado por Jesualdo Ferreira?
Tanto o mister Jesualdo Ferreira como o Stale Solbakken, que tive agora no Copenhaga, foram treinadores que me marcaram. Gostava de ter estado mais tempo a trabalhar com o mister Jesualdo. Em ano e meio [cruzaram-se no Panathinaikos], aprendi com ele muito mais do que tinha aprendido até ali na minha carreira. É uma pessoa que vê o futebol de forma diferente. Dá-te coisas no campo que consegues ver que te vão ajudar muito, ensina-te a ver o jogo de forma diferente e a posicionar o corpo também. Foram coisas que nunca me tinham ensinado e ele perdeu muito tempo comigo. É um treinador e uma pessoa incrível.
O balneário tinha jogadores de renome. Campeões europeus como o Katsouranis e o Karagounis, que tinham estado em Portugal, e o Seitaridis, também ex-FC Porto. Como foi para um jovem chegar a esse balneário?
Era chegar ao balneário, não falar muito, estar calado e ouvir [risos]. Foram jogadores que ganharam um Europeu [de 2004] e com grande carreira. Senti-me muito pequenino no meio deles. Ajudaram-me muito e brincaram muito comigo sobre o Europeu. Isso libertou-me muito para ter uma boa relação com eles e que mantenho até hoje. Ao início, foi impactante ter esses jogadores no balneário. Mas receberam-me da melhor forma, ajudaram-me em tudo e sempre estiveram ao meu lado. O que levo deles é o apoio e suporte que tive.
Zeca foi capitão de equipa no Panathinaikos© Getty Images
Como é o ambiente do futebol na Grécia? Há a imagem de viverem o futebol de forma muito intensa...
Era completamente diferente daquilo que estava habituado a viver. Foi um choque de cultura que tive logo no início. São muito apaixonados pelo futebol e pelas suas equipas. Isso por vezes é bom, outra vezes é mau. Tive de aprender a viver com essa situação. Quando estive na Dinamarca, por vezes, senti falta desse calor humano e dessa parte boa do futebol, nomeadamente do apoio à equipa e estarem sempre a gritar, e não da parte quando se perde. Mas era uma pressão que me fazia sentir bem, tinhas de estar sempre no teu melhor e fazer com que desses sempre mais.
Agora que está de regresso à Grécia, o que o levou a tomar esta decisão? Não tinha propostas para regressar a Portugal?
Não tive tempo para ouvir outras propostas, e também não queria ouvir outras propostas a partir do momento em que chegou a do Panathinaikos. A primeira vez que tive o contacto foi quando estava com seis meses de lesão. E quando tens o contacto de um presidente de um clube a dizer que te quer sem saber como vais estar fisicamente após as duas lesões graves no joelho, quando ele está disposto a dar-te essa oportunidade que provavelmente mais ninguém te daria, para mim, demonstrou o quanto me queria. Quis-me no clube sem os exames médicos. Também voltava para o clube que amo, que aprendi a amar e meu deu muito no futebol. De certa forma, queria retribuir.
Nacionalidade grega? Surgiu através do presidente do Panathinaikos. Pensei que ele estava a brincar, mas não estava
E quais são os objetivos esta temporada?
No ano passado, o Panathinaikos esteve muito perto, foi por detalhes que perderam o campeonato. Estiveram o ano todo em primeiro até à parte dos playoffs. O clube está cada vez mais perto de ganhar o campeonato, tem-se vindo a reforçar para isso. O Panathinaikos tem sempre em mente ganhar a Liga, a Taça da Grécia e entrar nas competições europeias. E este ano não foge à regra, sabendo que a concorrência está cada vez mais difícil. Mas nunca vamos parar de procurar e pensar que um clube como o nosso não vá lutar por títulos esta temporada.
Falemos sobre a seleção da Grécia. Pediu a nacionalidade grega já com a intenção de representar a seleção grega?
Não, foi através do presidente do Panathinaikos. Ele falou comigo e disse-me que devia ser grego porque ia ficar no clube durante vários anos e que ia acabar por ficar a viver na Grécia. Eu pensava que estava a brincar comigo e na brincadeira disse-lhe que, se me ajudasse, pedia o passaporte. E assim foi. Mas não estava a brincar [risos]. De um dia para o outro, começou a pedir os meus documentos para tratar dessa situação. Começou a andar com o processo através dos advogados dele. Entretanto, o selecionador, Michael Skibbe, ouviu falar deste processo para ser grego e perguntou-me se estaria disponível para representar a seleção grega caso fosse chamado. Eu disse que gostaria muito.
Zeca conta com 33 internacionalizações pela Grécia© Getty Images
Esse passo que deu esteve relacionado com o facto de sentir que não ia ter oportunidade na seleção portuguesa?
Claro, também passou pela minha cabeça e ajuda a tomar a decisão. Nunca estive perto da seleção portuguesa, nunca foi algo que esteve na iminência de acontecer. Tive uma proposta da Grécia que era muito vantajosa para mim, representar um país que me diz muito já que a minha filha nasceu aqui também. Tenho uma conexão muito grande com a Grécia. Hoje estou 100% feliz com a minha decisão de representar a seleção grega.
Como foi a estreia pela seleção grega, em 23 de março de 2017, num jogo de qualificação para o Mundial?
Foi um dia cheio de emoções e complicado. Nunca tinha vivido tantas emoções num jogo de futebol. Estava muito nervoso. Mas foi tudo muito lindo, diante da Bélgica. Estivemos quase a ganhar o jogo, eles empataram aos 88 minutos depois de termos estado com menos um quase toda a segunda parte. Joguei sete minutos. Foi um dia que nunca mais vou esquecer por tudo o que aconteceu, desde ter cantado o hino e vestido a camisola da Grécia. Foi um sonho tornado realidade ter representado uma seleção.
O jogo de estreia de Zeca pelos helénicos© Getty Images
Já não é desse tempo na seleção, mas o Fernando Santos é um ícone na Grécia pelo trabalho na equipa nacional e noutros clubes gregos. Como é que ele é visto aí no país?
Toda a gente gosta dele e se lembra dele. Fez um grande trabalho por aqui. Todos o adoram. Aqui é muito bem visto e deixou muitas saudades aos gregos. Fez um trabalho incrível na seleção e acho que foi o último treinador a ir a uma grande competição com a Grécia.
Um pouco à boleia de Fernando Santos em 2016, pode-se dizer que foi campeão europeu duas vezes. Por Portugal e pela Grécia...
[Risos] Sim, pode-se dizer isso. Em 2004 não me sentia grego, mas, realmente, agora, digo aos gregos que sou o único que tem dois Campeonatos Europeus por duas seleções diferentes.
Nunca vou deixar de ser português, nasci em Portugal. A minha família é portuguesa
Têm a expetativa de que a Grécia possa voltar a esses patamares de lutar pelas competições? Um Europeu, um Mundial...
O que quero agora é voltar a jogar e a estar bem e representar o meu clube e que a seleção faça o seu melhor e que esteja num Europeu ou Mundial comigo ou sem mim. Mais para a frente, quando tiver minutos, logo se vê se consigo estar lá. Só a jogar posso pensar em ajudar a seleção e os meus colegas a conseguirem esse objetivo. O país merece e os jogadores da seleção também.
Continua a sentir-se também muito português, ou neste momento mais ligado à Grécia?
Já disse isto várias vezes. Nunca vou deixar de ser português, nasci em Portugal. A minha família é portuguesa. Sinto-me grego da mesma forma que me sinto português. Acolheram-me bem, é um país que me deu muito amor, visibilidade e a oportunidade de representar o país dele. Não me sinto nem mais português nem mais grego. Sinto os dois países da mesma forma.
Aos 34 anos, já se pensa na carreira época a época. Já pensa em terminar a carreira no final desta temporada desportiva?
Vai depender de vários fatores, entre eles, a condição física. Sinto-me bem e que posso ajudar. Enquanto sentir isso e os clubes também, vou continuar a jogar. Neste momento estou focado a jogar pelo clube e ajudar. Mais tarde vou pensar noutra coisa. O que quero é voltar aos relvados depois de tanto tempo fora deles. Depois, logo posso pensar noutras coisas.
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