Adriano Leite Ribeiro, ou simplesmente Adriano 'Imperador', é uma das maiores figuras do futebol brasileiro. O antigo avançado, de 42 anos, era apontado como sendo um dos grandes avançados que o Brasil teria neste século XXI... mas não passou disso.

Numa carta aberta ao 'The Players Tribune', falou da vida que tem na Vila Cruzeiro, uma favela no Rio de Janeiro, onde é feliz. Adriano, que passou por Inter, Flamengo, Fiorentina, Parma e AS Roma, assumiu que foi vítima das saudades de casa. Reconhece que passou ao lado de uma grande carreira, mas garante estar tranquilo com isso.

"Sabes qual é a sensação de ser uma promessa? Eu sei. Incluindo uma promessa não cumprida. O maior desperdício do futebol: eu. Gosto dessa palavra, desperdício. Não só pela forma como soa, mas porque sou obcecado por desperdiçar a minha vida. Estou bem assim, num desperdício frenético. Gosto deste estigma. Não uso drogas, como tentam provar. Não ando no crime, mas, claro, poderia ter andado. Não gosto de discotecas, vou sempre ao mesmo sítio no meu bairro, o quiosque do Naná. Se me quiseres conhecer, passa por lá. Bebo dia sim, dia não. (E nos outros dias também.) Como é que uma pessoa como eu chega ao ponto de beber quase todos os dias?", escreveu Adriano.

"Não gosto de dar explicações aos outros. Mas aqui vai uma. Bebo porque não é fácil ser uma promessa que se mantém em dívida. E na minha idade ainda é pior. Chamam-me Imperador. Um 'cara' que saiu da favela para receber o apelido de Imperador na Europa. Como é que se explica isso? Eu não entendia até hoje. Ok, talvez eu tenha feito algumas coisas certas, afinal. Muita gente não entendia porque é que eu abandonava a glória dos estádios para me sentar no meu antigo bairro, a beber até ao esquecimento. Porque, a dada altura, eu quis fazê-lo, e é o tipo de decisão que é difícil de voltar atrás", prosseguiu.

Adriano assumiu que as saudades de casa e do Brasil o fizeram quebrar.

"Na Europa as ruas são silenciosas. As pessoas não se cumprimentam. Toda a gente fica afastada. O primeiro Natal que passei em Milão foi difícil para mim. O fim do ano é uma altura muito importante para a minha família. Juntamos toda a gente. Sempre foi assim. Quando fui para o Inter, senti uma pancada muito forte no primeiro inverno. Chegou o Natal e eu fiquei no meu apartamento sozinho. Faz um frio danado em Milão. Aquela depressão que bate durante os meses gelados no norte de Itália. Toda a gente com roupa escura. As ruas desertas. Os dias são muito curtos. O tempo está húmido. Não me apetecia fazer nada. Tudo isto combinado com as saudades de casa e senti-me uma merda. Ainda assim, Seedorf era um amigo fantástico", destacou, recordando um jantar de Natal com Seedorf.

"Ele e a mulher fizeram uma ceia para os mais próximos na véspera de Natal e convidaram-me. Uau, este irmão tem um grande nível. Imaginem a receção de Natal em casa dele. Uma elegância que é preciso ver. Estava tudo muito bonito e delicioso, mas verdade seja dita, eu queria estar no Rio de Janeiro. Nem sequer passei muito tempo com eles. Pedi desculpas, despedi-me rapidamente e voltei para o meu apartamento. Liguei para casa. 'Oi, mãe. Feliz Natal', eu disse. 'Meu filho! Tenho saudades tuas. Feliz Natal. Estão todos aqui, só faltas tu', respondeu ela. Ouvia-se o riso ao fundo. O som alto dos tambores que as minhas tias tocam para recordar o tempo em que eram raparigas. O quê? Os que lá estão dançam como se estivessem no baile até hoje. A minha mãe também é assim. Conseguia ver a cena à minha frente só de ouvir o barulho pelo telefone. Bem, comecei logo a chorar. 'Estás bem, meu filho?', pergunta a minha mãe. 'Sim, sim. Acabei de chegar da casa de um amigo', disse eu. 'Ah, então já jantaste? A mãe ainda está a pôr a mesa', diz ela. 'Hoje até vai haver bolos'. Isso foi um golpe baixo. A pastelaria da avó é a melhor do mundo. Chorei imenso. Comecei a soluçar. 'Está bem, mãe. Aproveita, então. Tem um bom jantar. Não te preocupes, está tudo bem aqui'", frisou, sublinhando que se embebedou em casa.

"Eu estava destroçado. Peguei numa garrafa de vodka. Não estou a exagerar, mano. Bebi aquela merda toda sozinho. Enchi-me de vodka. Chorei a noite toda. Desmaiei no sofá por ter bebido tanto e ter chorado. O que é que eu podia fazer? Eu estava em Milão por uma razão. Era o que eu tinha sonhado durante toda a minha vida. Deus tinha-me dado a oportunidade de me tornar um jogador de futebol na Europa. A vida da minha família melhorou muito graças ao meu Senhor e a tudo o que Ele fez por mim. E a minha família também fez muito. Foi um preço pequeno que tive de pagar, comparado com o que estava a acontecer e com o que ainda ia acontecer. Tinha isto bem claro na minha cabeça. Mas isso não me impediu de ficar triste", ressaltou.

"Quando "fugi" do Inter e saí de Itália, vim esconder-me aqui. Andei por todo o complexo durante três dias. Ninguém me encontrou. Não tem como. Regra número um da favela: manter a boca fechada. Achas que alguém me ia denunciar? Aqui não há ratos, mano. A imprensa italiana ficou louca. A polícia do Rio até fez uma operação para me "resgatar". Disseram que eu tinha sido raptado. Estão a brincar comigo, certo? Imagina que alguém vai me fazer algum mal aqui... eu, uma criança da favela. Querendo ou não, eu precisava da liberdade. Não aguentava mais ter que ficar sempre de olho nas câmeras quando saía na Itália, quem quer que viesse na minha direção, fosse um repórter, um traficante, um golpista ou qualquer outro filho da p***. Na minha comunidade, não temos isso. Quando estou aqui, ninguém de fora sabe o que estou a fazer. Era esse o problema deles. Eles não entendiam porque eu fui para a favela", frisou.

"Não foi por causa de bebida, nem de mulher, muito menos por causa de droga. Foi pela liberdade. Era porque eu queria paz. Eu queria viver. Queria voltar a ser humano. Só um bocadinho. Essa é a maldita verdade. E daí? Tentei fazer o que eles queriam. Negociei com Roberto Mancini. Esforcei-me com José Mourinho. Chorei no ombro de Moratti. Mas não consegui fazer o que me pediram. Fiquei bem durante algumas semanas, evitei a bebida, treinei como um cavalo, mas havia sempre uma recaída. Uma e outra vez. Toda a gente me criticava. Não aguentava mais. As pessoas diziam um monte de merda porque estavam todas envergonhadas. 'Ena, o Adriano deixou de ganhar sete milhões de euros. Ele desistiu de tudo por esta merda?' Foi o que mais ouvi. Mas eles não sabem porque é que eu fiz isto. Eu fiz porque não estava bem. Precisava do meu espaço para fazer o que queria fazer", finalizou o antigo internacional pelo Brasil.

Leia Também: Encontrou o que perdeu? Situação insólita em jogo do FC Porto já é viral