Luís Castro tem dado cartas ao serviço do Dunkerque, da segunda divisão francesa, nos dois últimos anos, mas para trás fica um longo e frutuoso caminho na formação em Portugal. Do Moreirense em 2005 ao Benfica B em 2022, o minhoto fez um caminho de baixo para cima.
Em entrevista exclusiva concedida ao Desporto ao Minuto, Luís Castro passa em revista toda a carreira que fez, como o próprio refere, sem usar o elevador e que já o levou a conquistar a UEFA Youth League e a Taça Intercontinental no Benfica.
A viver a primeira experiência como treinador num nível profissional, Luís Castro mantém os pés bem assentes na terra e garante que trabalha no dia a dia para, no futuro, colher esses frutos.
António Silva e Tomás Araújo? Eu não tinha dúvidas nenhumas que iam chegar ao mais alto nível
Olhemos para o tempo na formação do Benfica. O Luís treinou inúmeros jogadores no Seixal e até conquistou a Youth League. O António Silva e o Tomás Araújo são, de alguma forma, duas das principais referências da sua passagem pelo Benfica. Esperava este crescimento tão rápido dos dois?
Sim, esperava sem dúvida nenhuma. Relativamente ao Tomás e ao António, falar depois de eles estarem na primeira equipa é muito fácil. Tive a felicidade de, após vencermos a Youth League, dar uma entrevista no Canal 11. Fizeram-me algumas perguntas sobres os jogadores e questionaram-me sobre os centrais. No início da prova, talvez a seguir à fase de grupos, disse que tínhamos a melhor dupla de centrais da competição. O Tomás e o António formavam uma dupla muito forte e isso dava-nos muita consistência. Depois de acabar a prova, fiquei com a certeza de que tínhamos não só a melhor dupla, mas também que tínhamos, individualmente, os dois melhores centrais da prova. Eu não tinha dúvidas nenhumas que iam chegar ao mais alto nível.
O Nuno Félix, o André Gomes e o João Rêgo são alguns dos jogadores que estão no plantel principal do Benfica e que passaram pelas suas mãos. É este o caminho que deve ser feito, o da aposta na formação?
Acho que é uma resposta simples. Eu não vejo o Benfica, nem nenhum clube português, com capacidade para comprar jogadores do nível do Bernardo Silva, do Cancelo, do Rúben Dias, do João Neves, do Gonçalo Ramos. Estamos a falar especificamente do Benfica, mas isto dá para todos os clubes portugueses. O Benfica não tem capacidade para comprar jogadores por 100, 80 ou 60 milhões de euros, mas tem capacidade de os formar. Se eu consigo formar jogadores de um nível superior àqueles que compro, acho que nem sequer é uma dúvida se temos que olhar para a formação ou não.
João Rêgo leva dez jogos pelo Benfica esta temporada© Getty Images
Mas nem todos conseguem chegar a este patamar profissional. A parte mental faz a diferença nestes casos de insucesso?
Sem dúvida nenhuma. Cada vez mais penso que é o ponto mais importante, porque afeta todas as outras componentes. Um jogador que é muito forte taticamente e tecnicamente mais débil, se estiver com algumas falhas técnicas, a parte tática vai continuar a funcionar. Um jogador que é muito forte fisicamente e tem alguma debilidade na parte tática vai continuar a ser forte fisicamente, vai ser forte nos duelos, vai continuar a fazer muitos quilómetros porque a parte tática não irá afetar a sua parte física. A parte tática vai fazer com que ele seja um jogador de menor nível, mas não lhe vai reduzir a parte física. Já a parte mental interfere na parte técnica, na física e na tática.
Se o jogador não estiver bem mentalmente até a parte técnica é afetada, mesmo que seja um jogador com qualidade técnica. Existem imensos casos desses. Nós conhecemos jogadores tecnicamente muito bons, que são finalizadores natos, por exemplo, e que quando passam um mau momento em termos mentais falham nesses aspeto. Depois há jogadores que são muito fortes mentalmente, que são resilientes e que têm uma capacidade mental muito forte. Isso transporta-os para um patamar superior.
Franculino Djú? Tinha a convicção de que ele poderia chegar ao nível que está a chegar agora
Que jogador da formação do Benfica ou do Vitória SC, onde também esteve, consegue apontar que tinha tudo para ser bem sucedido nos seniores, mas não conseguiu brilhar?
Não sei se é parte mental do jogador, ou se é o facto de não ter tido as oportunidades que necessitava. Eu posso dar um exemplo de um jogador que estava no Vitória que precisava de melhorar esta parte. Quando a melhorou, ele deu o salto e, neste momento, joga a Liga dos Campeões. É o Elias Achouri, que está no Copenhaga. É um jogador que tinha umas qualidades técnicas e físicas fenomenais. Tecnicamente era um fora de série, mas precisava de dar o salto em termos de maturidade. Quando o deu, explodiu. Mas não tenho nenhum jogador que eu ache que não deu só pela parte mental.
Outro jogador com quem se cruzou no Seixal, ainda que não tenha sido treinador dele, foi o Franculino Djú, que está a brilhar na Dinamarca. Ele não chegou a estrear-se pela equipa principal do Benfica. O que tem a dizer sobre ele?
O Franculino ia comigo aos jogos da Youth League. As pessoas do Benfica sabem a minha opinião sobre o caso do Franculino. Eu tinha a convicção de que ele poderia chegar ao nível que está a chegar agora.
Franculino Djú leva 12 golos pelo Midtjylland esta temporada© Getty Images
Acha que faltou paciência por parte da estrutura?
Não posso ir por aí. Estamos a falar de um clube em que, de certeza absoluta, todos os anos existem jogadores que não vão chegar à primeira equipa do Benfica e que depois vão jogar a um excelente nível. Uma coisa é um clube que tem poucos jogadores de grande nível na formação e que a equipa sénior também não é uma equipa de topo. Mas chegar à primeira equipa do Benfica... O Benfica tem de dar a oportunidade aos jovens, mas depois também temos dever que, em determinadas alturas, na mesma posição existem três ou quatro jogadores de enorme nível.
No Benfica, nos últimos anos, tivemos avançados como o João Félix, o Gonçalo Ramos, o Henrique Araújo, o Luís Duk, o Franculino, o João Resende, o Luís Semedo... São tantos jogadores e com tanta qualidade que é impossível apostar em todos. Depois olhamos para a primeira equipa e há jogadores na mesma posição que custaram 20 milhões de euros, como o Raúl de Tomás, o Pavlidis e outros jogadores. Não posso dizer que é uma falha da equipa A do Benfica. Se o Benfica toma essa opção e saberá porquê. O Franculino tem muita qualidade, mas agora as pessoas que estão no Benfica têm de tomar decisões e, muitas vezes, vai acontecer que alguns jogadores não chegam à primeira equipa e depois saem e fazem boas épocas noutras equipas.
Tomás Handel? Para mim é um jogador super inteligente e de um nível muito alto
O Luís também esteve na formação do Vitória SC. Qual foi o jogador que guardou na retina desses tempos?
Treinei muito bons jogadores no Vitória. Treinei o Tomás Handel, que para mim é um jogador super inteligente e de um nível muito alto, e treinei o André Almeida que está no Valencia. Ainda que não o tenha treinado dado que era o coordenador da formação, eu acompanhei muito a evolução do André. Também há o Joel Pereira que está no Lech Poznan da Polónia. Um dos jogadores que treinei também com um nível muito alto foi o Miguel Silva, que jogou na primeira equipa do Vitória.
Nos meus anos de coordenação do Vitória contratámos muitos jogadores. Fizemos um bom trabalho e agora alguns estão ao mais alto nível. Já saí do Vitória há alguns anos eles continuam a fazer vendas como a do Alberto Costa ou do André Amaro, que foram contratações do nosso tempo. Se eu for mais atrás, existem muitas. Fico feliz por isto. Depois da passagem pelo Vitória, é um dos clubes que simpatizo. Ainda hoje em dia o Vitória retira frutos dentro do terreno desse trabalho, que envolveu a coordenação, o scouting e treinadores, porque tem jogadores a jogar do meu tempo e também em termos de vendas. Estes são jogadores que eu acho que estão a um excelente nível e que ainda podem crescer mais.
O Handel é um jogador da casa e tem sido um dos destaques esta temporada. É importante ter no grupo um jogador que sinta na pele o que é ser de um clube e de uma cidade que vive o futebol de forma especial?
Penso que é sempre bom os clubes terem jogadores da formação e da casa que conhecem o clube. Num clube com a identidade do Vitória, penso que é ainda mais importante. O Handel caracteriza muito do que é o Vitória. Para além de caracterizar muito do que é o Vitória, o Handel é um jogador de uma inteligência muito acima da média. Felizmente para o Vitória tem-no nos seus quadros. Continuar a segurá-lo não será fácil, mas penso que é uma mais-valia enorme para o Vitória ter o jogador e o homem Handel dentro do clube.
Tomás Handel fez praticamente toda a carreira no Vitória SC© Getty Images
Nunca tive a oportunidade de subir no elevador e se calhar até foi bom para mim
Que balanço faz do crescimento da sua carreira até ao momento?
Muito bom. Eu comecei a treinar ao fim de semana miúdos de cinco e seis anos. Comecei por baixo de tudo. Fui subindo de grau a grau conforme a minha competência. A cada grau que subia tinha de demonstrar competência para poder subir para o degrau seguinte. Nunca tive a oportunidade de subir no elevador e se calhar até foi bom para mim. Subi degrau a degrau. Treinei futebol 7, sub-11, sub-12, sub-15, sub-17, sub-19, sub-23 e equipa B. Ou seja, passei por todos os patamares. Tive a felicidade de fazer épocas, em mais do que um clube, que foram a melhor época desse clube. Ganhei a Youth League e a Taça Intercontinental pelo Benfica e ainda hoje é único.
Tive várias etapas em que fui tendo sucesso, fui aprendendo e fui crescendo. Depois de fazer tudo o que tinha a fazer na formação, estou agora no futebol profissional e não posso dizer que esteja a correr mal. Por isso, dentro daquilo que é a minha perspectiva de carreira e daquilo que eu gosto, tenho sido feliz em quase todos os sítios onde passei. Por isso, posso dizer que é uma carreira, na minha opinião, bem conseguida.
E qual o seu sonho enquanto treinador?
Continuar a ser feliz. Quando me fez a pergunta das oportunidades de sair deste clube ou daquele clube... Eu renovei o contrato com o Dunkerque até 2027. Renovei-o de livre e espontânea vontade e sem ninguém me ter apontado uma arma à cabeça. Apesar de, neste momento, poder estar a ganhar muito mais dinheiro, e quando digo isto são valores se calhar incomparáveis àquilo que ganho hoje em dia, não sei se estaria mais feliz num outro sítio do que o que estou aqui. Quero continuar a ser feliz e a ter prazer naquilo que faço.
Não penso muito à frente. Já fui de fazer perspectivas, de querer treinar nesta primeira Liga ou aquele clube. Era muito disso
Jogar na Liga dos Campeões está no plano de vida?
Já o fiz em sub-19 e gostei. Foi uma boa experiência. Mas não penso muito à frente. Já fui de fazer perspectivas, de querer treinar nesta primeira Liga ou aquele clube. Era muito disso. Estava no Vizela, e tinha o sonho de treinar os seniores do Vizela, estava no Moreirense e tinha o sonho de treinar os seniores do Moreirense, estava no Vitória e tinha o sonho de treinar os seniores do Vitória. Nessa altura colocava os sonhos para daqui a três anos, a cinco anos. O futebol mostrou-me e a experiência fez-me ver que eu nunca na vida fiz planos de treinar em França. Neste momento sou super feliz em França.
Vou continuar agora a fazer o meu caminho passo a passo. Aquilo que vier, e espero que sejam coisas boas, não vou pensar muito a longo prazo. Quando era mais jovem e mais inexperiente fazia projeções a longo prazo. Houve projeções que não alcancei, que eram bem mais altas que aquilo que eu consegui. E houve projeções que eu fiz e que alcancei bem mais do que eu pensava. Nas minhas projeções eu nunca pensei em ganhar uma Youth League e uma Intercontinental pelo Benfica. Em duas provas de Youth League consegui ir a duas finais e vencer uma. Se calhar nessa altura, e era um tempo em que eu já não fazia muitas projeções, a realidade foi superior a algumas projeções que eu já tinha feito anteriormente. Vou continuar passo a passo e acredito que coisas boas poderão vir.
Aproveitando esta última resposta, o Luís tinha esse sonho de treinar os seniores do Benfica se não tivesse deixado a equipa B há dois anos?
Já foi numa altura que eu já não fazia projeções. Foi uma altura em que eu já estava maduro, maduro demais para fazer projeções. Já trabalhava no dia-a-dia. Da mesma forma que estou agora, nessa altura já tinha esse pensamento.
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