Fake News: "Fenómeno altera modelo de negócio dos media"
O diretor de informação da TVI, Sérgio Figueiredo, considerou que as 'fake news' alteram "completamente o modelo de negócio tradicional" do jornalismo, mas os media serão "sempre um guardião" que "não corre perigo de desaparecer".
© Global Imagens
Economia Sérgio Figueiredo
Questionado sobre se as notícias falseadas ou 'fake news', como são globalmente conhecidas, têm impacto no negócio do jornalismo, Sérgio Figueiredo considerou que "sim".
"Altera completamente o modelo de negócio tradicional, mas eu acho que a ameaça maior (...)" é quando "desacredita algo que está enquadrado por códigos deontológicos, por regras, por reguladores", ou seja, o jornalismo e a própria democracia, disse.
O diretor de informação da TVI salientou que as redes sociais, quando surgiram, "tinham um propósito interessante, que era aproximar os consumidores de informação dos produtores, permitiram 'feedback' mais imediato às notícias".
Sérgio Figueiredo deu o exemplo do registo de atentados que, nos últimos anos, foram captados por pessoas que estavam no local e partilharam nas redes sociais, ou "coisas mais românticas como a revolução dos estudantes no Irão, em Teerão, que foram (...) registadas pelos participantes".
No entanto, "há muito tempo que as redes sociais saíram da idade da inocência e o mundo das 'fake news', que começou por ser uma coisa até excêntrica, invadiu o território do formal, do que tem regras, do exercício do jornalismo, e os planos estão completamente confundidos, de tal forma que, muitas vezes, notícias que são lançadas sabe-se lá como e que não são notícias, e que se verifica que são falsas, vindas não se sabe de onde", resultam em comentários do género "já não se pode confiar no jornalismo".
Desse ponto de vista, prosseguiu, "é uma ameaça grave, porque desacredita algo que está enquadrado por códigos deontológicos, por regras, por tribunais, por reguladores, do mundo [em] que vale tudo, e que muitas vezes até atua debaixo do anonimato".
"Não se sabe quem está a fazer aquilo e aí a idade da inocência perdeu-se (...)" e a informação é colocada nas redes sociais, muitas vezes orquestrada por organizações. "Usam precisamente essa neblina, atuam por debaixo dela e conseguem construir movimentos, fenómenos que muitas vezes até, como já vimos, têm impacto em atos eleitorais", apontou.
Desse ponto de vista, é "uma ameaça à própria democracia, não só ao exercício da profissão do jornalismo", considerou.
No entanto, "eu não vejo que as 'fake news', nem sequer este mundo descontrolado e selvagem, muitas vezes até criminoso em que vivemos, nos condene à extinção. Pelo contrário", apontou.
"Seremos sempre um guardião daquilo que é a verdade interpretada pelos jornalistas e isso é o nosso exercício secular e eu creio que é insubstituível mesmo. Está a sofrer dificuldades nesta fase de transição, mas não corre perigo de desaparecer", sublinhou Sérgio Figueiredo.
Atualmente, o "nível de vigilância [na redação] é maior, porque nós próprios, sem querer, muitas vezes caímos na ratoeira de considerar como verídica uma coisa que não tinha fundamento e que se revelou falsa", disse, adiantando que também fica difícil "separar as águas" quando os agentes políticos são os próprios "difusores dessas falsas notícias", aludindo ao Presidente norte-americano, Donald Trump.
Para Sérgio Figueiredo, "o caso dos Estados Unidos não foi só na campanha eleitoral", mas também "em exercício no mandato, como se verifica. O Presidente americano, ele próprio, dá eco a essas 'fake news'" e a questão é: "como é que vamos lidar com isso? Estamos a considerar o presidente dos Estados Unidos como um falsário?".
"Nós próprios, em antena, colocamos muitas coisas que ele diz e discursa. E, como depois verificamos, os media americanos vão fazer o 'fact check' [verificação] daquilo que ele afirma e de coisas que ele dá como provadas, como sendo absolutamente reais, e que nem sequer têm fundamento", acrescentou.
"E isso é uma matéria que nos transcende, embora sejamos nós próprios vítimas e, muitas vezes, involuntariamente, agentes dessa conduta. É uma questão de regulação mundial, porque não estamos a falar de uma coisa que não se globalizou. Portanto, não bastam uma ERC [regulador dos media] em Portugal ou um parlamento da Irlanda atuar. Cada vez mais sentimos a necessidade de os veículos que propagam essa informação estarem sujeitos a regras e as sanções" como estão os media.
Questionado sobre se faz sentido falar em fiscalização, Sérgio Figueiredo considerou que isso sempre houve nos media.
"Não nos lembramos do exercício desta profissão sem essa fiscalização. E há sanções", apontou, recordando que "todos os dias vão a tribunal jornalistas pelo exercício da sua atividade".
Relativamente à educação, Sérgio Figueiredo considera que o jornalismo está "muito entregue à própria capacidade" de se autoeducar e autorregular.
"Também não vejo como é que isso pode ser feito através de um 'Conselho de Sábios', que nos dê um plano de estudos e um curso de como se lida com uma situação que, como eu digo, outras instituições, nomeadamente democráticas e que são eleitas, se têm revelado incapazes de fazer", afirmou.
Embora os rumores sempre tenham existido, as 'fake news' têm um grau de sofisticação nunca antes vista, manipulando até os próprios resultados eleitorais, com o diretor de informação da TVI, do grupo Media Capital, a citar o exemplo do Brasil, em que houve uma campanha de massas através do WhatsApp a favor de Bolsonaro.
"Não estamos a falar da mesma coisa com que lidámos sempre. Sempre vivemos com rumores e vamos viver com eles, mas a nossa função é fazer precisamente essa filtragem e verificar a veracidade das informações que nos chegam. Isto é diferente, porque perdemos essa capacidade, vou dizer mesmo monopolista, de fazer essa triagem", sublinhou.
Antes, "éramos os porteiros da discoteca, dependia de nós quem entrava e quem não entrava. Agora, entram por todo lado, mesmo coisas que não passam nas televisões - que ainda são os grandes mass media a nível mundial", salientou.
"O facto é que as coisas acontecem, há todo um mundo que se passa à margem, desintermediou-se essa relação entre a fabricação da notícia e do seu consumo (...), o que nos coloca numa situação que não é subalterna (...), [mas] cada vez mais insubstituível, porque haverá um momento, não sabemos quando, em que as próprias pessoas vão precisar de um Norte, de acreditar em alguma coisa", considerou.
E "haverá um momento em que as pessoas normais vão deixar de querer ser enganadas - porque estamos a falar de um fenómeno, apesar de tudo, muito recente -, e aí o papel das marcas e da relação de confiança que a gente tem com a Reuters, a Lusa, a TVI" vai marcar a diferença e "as marcas de informação tenderão a ser o filtro natural", concluiu.
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