Banco de Portugal contra fiscalização da Inspeção-geral de Finanças
O Banco de Portugal está contra a fiscalização da Inspeção-Geral de Finanças à sua atividade, considerando que põe em causa a sua independência, no parecer hoje divulgado a propósito da reforma da supervisão financeira.
© Lusa
Economia Supervisor
"Entende o Banco de Portugal que a intervenção da Inspeção-Geral de Finanças junto do Banco de Portugal, prevista no projeto de proposta de lei, colide, de forma relevante, com o estatuto de independência do Banco de Portugal, atendendo à natureza daquela Inspeção-Geral como serviço da Administração Direta do Estado e situado, por isso, na esfera dos poderes de direção do Ministro das Finanças", lê-se no parecer, de 461 páginas, hoje divulgado.
A proposta do Governo, que hoje chegou ao parlamento, clarifica que a Inspeção-Geral de Finanças pode fiscalizar a gestão financeira do Banco de Portugal, à exceção das ações que estão relacionadas com as funções monetárias, para garantir que não é colocada em causa a sua independência na política monetária.
Segundo o banco central, essa sujeição ao "serviço da Administração Direta do Estado, subordinada aos poderes hierárquicos de um membro do Governo", põe em perigo a sua "autonomia de gestão".
A proposta de lei do Governo de revisão do modelo de supervisão financeira tem bastantes pontos referentes ao banco central, como a redução do período máximo que os administradores do Banco de Portugal (incluindo o governador) podem ficar no cargo, ao definir apenas um mandato de sete anos, em vez dos atuais dois de cinco anos cada.
No parecer hoje conhecido, o Banco de Portugal (BdP) diz que concorda com "a adoção de um modelo de mandatos com uma duração mais alargada, não renováveis", mas que deve ser "acautelado o princípio do exercício do mandato completo", propondo eliminar a solução da proposta de lei que permite a nomeação do governador e dos vice-governadores apenas para cumprirem o período restante de um mandato em curso.
Defende ainda o BdP que a proposta deve ser revista "no que respeita à previsão das causas de cessação do mandato dos membros do Conselho de Administração do Banco de Portugal", para assegurar que são "inamovíveis, como garantia contra influências externas sobre a sua capacidade de tomada de decisão", sendo admitidas apenas "causas de exoneração excecionais, tal como previsto nos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e Banco Central Europeu, em especial atendendo às funções desempenhadas junto do Banco Central Europeu pelo governador do Banco de Portugal".
O Banco de Portugal mostra-se ainda preocupado com o financiamento do novo modelo de supervisão, considerando que origina uma "desrazoável proliferação de taxas".
É que, diz o BdP, às taxas já cobradas no contexto do Mecanismo Único de Supervisão e às taxas do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, poderiam juntar-se "taxas do próprio Banco de Portugal, caso este viesse a ser forçado a repercutir nas entidades supervisionadas o custo de financiar a Autoridade da Concorrência".
Hoje também foi conhecido o parecer da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que igualmnte considera que a proposta de reforma da supervisão financeira aumenta os custos, o que se pode repercutir nas empresas supervisionadas, "quer por o CNSF [Conselho Nacional de Supervisores Financeiros] ser dotado de um quadro de pessoal próprio, de autonomia financeira e de competência para a criação de novas taxas, quer por a ARSG [Autoridade de Resolução e Fundos de Garantia] ser também dotada de autonomia financeira e ter despesas próprias cujo modo de financiamento carece de clarificação".
O regulador dos mercados financeiros adianta que o modelo reduz a independência dos supervisores, desde logo pelo regime proposto para o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros que "possibilita que uma das autoridades de supervisão seja obrigada pelas restantes a implementar uma decisão no seu âmbito específico e exclusivo de competências que não subscreve e contra a qual tenha votado".
Quando em 07 de março apresentou esta reforma no final do Conselho de Ministros, o ministro das Finanças, Mário Centeno, foi questionado sobre se estas mudanças implicam a criação de novas taxas sobre as empresas do setor financeiro, para financiar estas entidades, tendo respondido que "o financiamento vai ser feito nos mesmos moldes que é feito hoje" e que o Governo não antecipa "aumento dos custos para os supervisionados".
A CMVM criticou ainda que haja a "manutenção da afetação das receitas próprias das autoridades de supervisão ao financiamento de uma outra entidade -- a Autoridade da Concorrência", quando esta "nem sequer se situa no perímetro do Sistema Nacional de Supervisão Financeira".
Foi hoje publicada no 'site' do parlamento a proposta de lei do Governo para a reforma da supervisão financeira, que cria o Sistema Nacional de Supervisão Financeira, composto por três supervisores setoriais - BdP, CMVM e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) --, Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF) e ainda a nova Autoridade de Resolução e Administração de Sistemas de Garantia.
Nesta reforma, o papel do CNSF é reforçado, dotando-o de personalidade jurídica e recursos próprios, e atribuindo novas funções.
Desde logo, este fica com a supervisão macroprudencial (responsável por avaliar a estabilidade de todo o sistema financeiro e prevenir os riscos sistémicos), atualmente no Banco de Portugal.
O CNSF terá presidência rotativa entre os três supervisores setoriais (BdP, ASF e CMVM), de um ano cada.
A reforma retira ainda a gestão da resolução de bancos do BdP, criando uma Autoridade de Resolução autónoma, que fica ainda com a gestão dos fundos de garantia de depósitos e do Sistema de Indemnização aos Investidores.
Essa autoridade será administrada por cinco membros, dois do BdP, um da CMVM, outro do regulador dos seguros e outro nomeado pelo Governo.
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