Em causa estão as consequências do estado de calamidade pública que esteve em vigor nesse município do distrito de Aveiro entre 17 de março e 17 e abril devido à covid-19.
A medida obrigou a maioria das empresas a encerrarem a sua laboração e condicionou o reinício da atividade ao cumprimento de requisitos como a dispensa de funcionários maiores de 60 anos e o distanciamento mínimo de três metros entre cada operário.
Essas e outras condicionantes foram enumeradas pelo Governo no Despacho N.º 4394-C/2020 e no Decreto N.º 2-C/2020, mas as empresas dizem que essas determinações não são suficientemente claras e que a Segurança Social ainda não esclareceu as condições remuneratórias desses trabalhadores.
Um das unidades que não pôde recomeçar a trabalhar devido às restrições impostas à indústria de Ovar é a Curtumes Aveneda, cujo diretor, José Andrade, explica: "Além de termos uns quantos funcionários que não podiam voltar porque têm mais de 60 anos e doenças crónicas, não pudemos abrir porque a lei obriga a três metros de distância e nós temos máquinas que têm que ser operadas por duas pessoas em simultâneo, a um metro e meio uma da outra".
Dedicando-se à transformação de peles para calçado e marroquinaria, o empresário considera os condicionamentos "exagerados", até porque a firma tem "material de proteção para todos e fazia testes de temperatura logo à chegada de cada trabalhador", e recorreu à suspensão de contrato ou horário laboral, no chamado regime de "lay-off".
José Andrade realça, ainda assim, que não sabe o que dizer às pessoas com mais de 60 anos, que "estão fechadas em casa por ordem do Governo" e questiona: "Vão receber 100%, como durante o cerco sanitário ou menos? E vão para 'lay-off' como o pessoal que podia vir trabalhar ou estão numa categoria diferente por causa dos decretos que os mandam ficar em casa?".
O diretor da Aveneda diz que já pediu esclarecimentos à Segurança Social, que "ainda não respondeu", pelo que vê agravar-se a situação da empresa. "Enquanto isto acontece em Ovar, os nossos colegas de outros concelhos continuam a trabalhar normalmente", defende.
Na metalomecânica Irmãos Sarabanda, de manutenção de equipamento industrial e conceção de peças para máquinas, a laboração pôde ser retomada, mas, dada a quebra no volume de trabalho, a empresa está em 'lay-off' parcial, sem saber se isso se aplica aos funcionários com mais de 60 anos.
"Não sei o que fazer com eles - se os coloco em 'lay-off' ou se espero que a Segurança Social decida o que se aplica. Além disso, sempre ouvi Governo e Câmara dizerem que quem tinha mais de 60 anos não podia regressar, mas agora já se diz que o texto da lei não refere 'proibição' de os chamar e sim 'limitação'. Mas que tipo de limitação é essa? É que ninguém sabe dizer", reclama Nuno Sarabanda, um dos sócios-gerentes da unidade.
O empresário alega que as restrições impostas à indústria vareira "deviam ser reanalisadas" e, sempre que possível, ajustadas caso a caso, até porque a dispensa dos operários seniores prejudica especialmente alguns serviços.
"Pode haver empresas onde os maiores de 60 fazem exatamente o mesmo que uma pessoa de 30 anos, mas aqui sente-se bastante a falta deles porque têm uma experiência muito maior e conseguiam criar em 20 minutos uma peça que nós demoramos uma hora ou duas a ter pronta. Somos menos competitivos sem eles, porque demoramos mais tempo na execução", garante.
Maria é gerente de outra empresa de Ovar - não quer identificado o seu nome real nem o da firma porque receia represálias das autoridades - e pôde retomar a laboração, mas fê-lo também sem os operários com mais de 60 anos. Sente-se algo prejudicada por ter que prescindir da sua experiência, mas está preocupada sobretudo com "a situação financeira" dessas pessoas.
"Eles estão sempre a perguntar que salário vão receber e eu não sei o que lhes hei de dizer, porque também ninguém nos diz a nós", explica.
A saúde desses funcionários também a inquieta, mas, nesta fase, sobretudo ao nível emocional: "Não temos ninguém com covid-19, mas esta paragem e estas dúvidas não lhes fazem bem nenhum psicologicamente, porque é uma pressão muito grande e, sem saber com o que contam, as pessoas ficam angustiadas e a desesperar".
Contactado já na sexta-feira pela Lusa, o Ministério do Trabalho e da Segurança Social não respondeu a nenhuma das questões que lhe foram remetidas para esclarecimento da situação.
Devido à disseminação local do vírus SARS-CoV-2, o Governo decretou a 18 de março para o concelho de Ovar o estado de calamidade pública, o que no dia seguinte implicou um cerco sanitário com controlo de entradas e saídas nesse território de 148 quilómetros quadrados.
Ambas as medidas foram levantadas às 23h59 do dia 17 de abril, após o que o concelho passou ao regime de emergência nacional, em vigor desde 19 de março e pelo menos até 02 de maio. A legislação relativa ao estado de crise nacional mantém, contudo, restrições especiais para o tecido industrial e empresarial de Ovar.
Com 55.400 habitantes, o município registava domingo à noite, segundo dados da autarquia, 35 óbitos e 679 doentes infetados com a covid-19. Hoje às 10:00, a Direção-Geral da Saúde ainda atribuía ao mesmo concelho apenas 564 casos da mesma doença.