"Todos estes fatores que enunciei - desglobalização, digitalização, descarbonização, dívida e desigualdades - aliás todos começam por 'D', todos acentuarão a dinâmica competitiva no sistema internacional", afirmou Luís Amado que falava no evento 'online' 'Lisbon Speed Talks', uma iniciativa transmitida em plataformas digitais promovida pelo Clube de Lisboa, em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa e o Instituto Marquês de Valle Flor (IMVF), sobre as mudanças globais que afetam as nossas vidas e sociedades.
Sob o mote "2021, que mudanças na Geopolítica?", a conversa digital com o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa e atual presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP foi conduzida pelo secretário-geral da Câmara Municipal de Lisboa, Alberto Laplaine Guimarães.
Ao perspetivar um cenário para 2021, Luís Amado realçou que a dinâmica do sistema internacional vai ser muito marcada "pela relação de forças num sistema de poderes das principais potências", em particular das rivalidades competitivas entre os Estados Unidos e a China, mas sem esquecer o papel da Rússia, "pela dimensão que tem relativamente sobretudo às questões existenciais relacionadas com a proliferação nuclear", e da União Europeia (UE).
"A covid-19 veio acelerar um conjunto de fatores que não deixarão de ter impacto nessa rivalidade competitiva entre as principais potências", frisou o gestor.
Para Luís Amado, no futuro, o acentuar desta dinâmica competitiva irá revelar em que sentido é que "uma ação mais orientada para a cooperação e menos para a confrontação" pode encontrar as soluções que os atuais problemas existenciais do mundo (o desafio nuclear e o fenómeno das alterações climáticas) "exigem para garantir a paz e a estabilidade no sistema internacional nas próximas décadas".
Segundo o gestor e ex-ministro, a UE também tem um papel neste cenário geopolítico e num futuro reequilíbrio, apesar de ser "aparentemente periférico no atual contexto", lembrando o papel de vanguarda que o bloco comunitário tem assumido nos campos da digitalização, "um campeão ao nível da regulação", e da descarbonização.
Na opinião de Luís Amado, a UE "se sobreviver aos desafios que vai ter de fazer frente", desde já os efeitos da atual pandemia, estará em condições "provavelmente na segunda metade da década" para se reafirmar "como uma referência no equilíbrio do sistema do poder mundial".
Mas, de acordo com o antigo chefe da diplomacia portuguesa, isto irá depender em muito do comportamento do eixo franco-alemão.
"É óbvio que isso dependerá muito, mais à frente, depois da saída do Reino Unido ['Brexit'], de como a França e a Alemanha se entenderem relativamente ao futuro da UE", afirmou.
E prosseguiu: "Isso passará necessariamente por um acordo no plano da segurança e da defesa da Europa e passará necessariamente por contrapartidas entre o poder económico e financeiro da Alemanha e o poder militar e de defesa da França".
Ainda nesta equação franco-alemã e o consequente futuro do espaço comunitário, Luís Amado mencionou a questão da sobrevivência da moeda única europeia, o euro.
"Vamos ver se a Alemanha está disposta, e os países ricos do norte da Europa estão dispostos, a garantirem os passos necessários para a consolidação do euro. Se o euro se consolidar, e as decisões terão de ser tomadas até meados da década, (...) a entidade política europeia que emergir terá uma capacidade de reequilibrar o sistema internacional e, de alguma forma, compensar esta dinâmica de confrontação entre as principais potências", declarou.
A propósito da nova administração norte-americana liderada por Joe Biden, que tomará posse em 20 de janeiro (já em plena presidência portuguesa do Conselho da UE), e da sua relação com o bloco de 27, Luís Amado disse que esta nova liderança dos Estados Unidos "abre os horizontes de otimismo e de confiança para o projeto europeu em condições muito diferentes do que seria uma renovada vitória de [Donald] Trump".