"Só tive conhecimento do cliente dessa sociedade de advogados [Morais Leitão] na altura do contrato de cessão de quotas, cliente esse com o qual nunca tive qualquer ligação ou afinidade. E desconheço em absoluto, nem tinha de conhecer, os negócios ou atividades futuras que essas sociedades iriam fazer, é só isso que tenho a dizer", afirmou na sua intervenção inicial António João Barão, na audição de hoje da comissão de inquérito ao Novo Banco.
O gestor foi ouvido na manhã de hoje pelos deputados na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, e a meio da audição presidente da comissão, Fernando Negrão (PSD), recordou o humorista Herman José e o 'sketch' "eu é mais bolos", para instar António João Barão a ser "mais afirmativo nas suas respostas", de forma a que os deputados não ficassem com mais dúvidas.
António João Barão, que é também pintor e dinamizador da tertúlia artística Parlatório, disse ainda no parlamento que também era "mágico".
Ao longo das quase duas horas de audição, os deputados foram manifestando a sua perplexidade com a conduta do depoente, questionando a racionalidade económica da venda de sociedades imobiliárias a preços baixos ou a constituição de sociedades imobiliárias sem afetação de imóveis.
Muitas das sociedades tinham a mesma morada e designações sem aparente ligação à atividade, tendo nomes muitas vezes repetidos e sugeridos pelas próprias entidades de registo.
O gerente das sociedades disse também que registava pequenos movimentos - por exemplo, 200 euros - nas sociedades criadas por si e noutras não havia movimentos registados.
"É um pequeno negócio que se faz às vezes para a sociedade ter movimento", explicou.
As sociedades em causa foram vendidas a uma sociedade sediada no Luxemburgo, registada por um fundo das Ilhas Caimão denominado Anchorage, que veio a participar na compra da carteira de crédito malparado Viriato, de acordo com uma investigação o do jornalista Paulo Pena publicada no jornal Público em julho de 2020.
"Essas sociedades imobiliárias... às vezes tenho umas sociedades tanto para negócios próprios, que às vezes não realizo, e depois as cedo e as vendo. Foi a determinada altura que a sociedade de advogados Morais Leitão me contactou - porque noutras alturas já lhes tinha vendido umas sociedades - e perguntou se eu tinha umas cinco sociedades para ceder para um cliente deles", começou por detalhar António João Barão.
"Combinámos o valor da venda, eles elaboraram o contrato - geralmente elaboram o contrato todo certo, nem o vi - de cessão de quotas, desloquei-me aos seus escritórios na rua Castilho [em Lisboa] para assinar os contratos e receber o valor acordado", descreveu.
O gerente disse que só teve conhecimento do cliente da Morais Leitão "na altura do contrato de cessão de quotas", rejeitando "qualquer ligação ou afinidade" com o cliente.
"Desconheço em absoluto, nem tinha de conhecer, os negócios ou atividades futuras que essas sociedades iriam fazer, é só isso que tenho a dizer", terminou assim a sua intervenção inicial.
De acordo com a investigação, as cinco sociedades foram registadas no mesmo dia em 2017, e ao longo da audição António João Barão disse aos parlamentares que essa foi uma prática comum ao longo da sua vida.
"Não tenho qualquer ligação nem ao Novo Banco, nem à sociedade que me comprou essas sociedades", clarificou.
O Novo Banco anunciou em outubro de 2018 a venda de ativos imobiliários, uma "carteira com um valor bruto contabilístico de 716,7 milhões de euros é composta por 8.726 propriedades com usos residencial, incluindo estacionamentos, industrial, comercial e terrenos".
António João Barão disse não ter a certeza de por quanto vendeu as cinco sociedades imobiliárias adquiridas pela Anchorage, estimando o valor em "cinco ou seis mil euros cada sociedade".
O PSD acabou por requerer a chamada à comissão do contabilista de António João Barão, Pedro Domingues, e o deputado Hugo Carneiro sugeriu que o Ministério Público deveria estar atento a este tipo de atividades.
"Isto não correu bem. Foi pouco esclarecedor, suscitou ainda mais dúvidas relativamente àquelas que nós tínhamos", encerrou assim a audição Fernando Negrão.
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