Moratórias? "A chave para evitar problemas é jogar pela antecipação"

O CEO da empresa especializada em finanças pessoais Doutor Finanças considera que as famílias que estejam a antecipar problemas de incumprimento, com o fim das moratórias, devem agir o mais depressa possível.

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© Doutor Finanças

Beatriz Vasconcelos
14/05/2021 07:40 ‧ 14/05/2021 por Beatriz Vasconcelos

Economia

Doutor Finanças

As moratórias bancárias - suspensão do pagamento das prestações de crédito - foram uma das medidas de resposta à crise gerada pela pandemia, ainda no ano passado. Os prazos foram sendo prolongados, mas a verdade é que essa suspensão está quase a terminar (para alguns até já acabou). 

Este término pode significar um obstáculo e um verdadeiro desafio para famílias e empresas. O Notícias ao Minuto colocou algumas questões ao CEO do Doutor Finanças, Rui Bairrada, sobre o final das moratórias e como é que os cidadãos podem gerir, da melhor forma, o final deste mecanismo de apoio. 

Rui Bairrada revela que as famílias que antecipem problemas de incumprimento devem "agir o mais depressa possível", contactando as respetivas instituições bancárias, de modo a que seja encontrada uma solução. 

Pela experiência do Doutor Finanças, os portugueses estão bem informados sobre as moratórias?

Acredito que sim. Tem sido partilhada muita informação sobre as moratórias. As pessoas sabem que se trata de um período em que não pagam as suas prestações de crédito (ou parte delas) e que no final da moratória terão um prolongamento do contrato e, nos casos em que não estão a pagar nada aos bancos, um aumento da prestação. Podem não saber os pormenores da medida, mas acredito que, de uma forma geral, sabem que as moratórias têm estes contornos. 

O fim das moratórias vai ter impactos diferentes na vida financeira dos clientes, consoante o tipo de moratória de que se está a beneficiar

Que tipos de moratórias existem?

Existem três tipos de moratória: suspensão total do pagamento das prestações de crédito, suspensão do pagamento de capital e suspensão parcial do pagamento de capital. Na primeira situação, os clientes não pagam qualquer valor referente ao crédito em questão. Não pagam juros nem amortizam o capital em dívida. O segundo tipo implica o pagamento dos juros, mas não há lugar à amortização de capital. E no terceiro caso, o cliente paga os juros associados e ainda uma parte do capital em dívida.

De salientar que o fim das moratórias vai ter impactos diferentes na vida financeira dos clientes, consoante o tipo de moratória de que se está a beneficiar. Sendo que há uma coisa que é transversal para os diferentes casos: o prazo do contrato será prolongado pelo mesmo número de meses que durou a moratória. Ou seja, se quando se iniciou o período da moratória faltavam 200 meses para terminar o contrato, quando a moratória terminar faltam os mesmos 200 meses. Já no que respeita à prestação do crédito, há diferenças. No caso de suspensão total do pagamento, quando retomarem o pagamento, as famílias vão sentir um aumento da prestação face ao valor que pagavam antes. Isto porque os juros que não pagaram ao longo dos meses da moratória vão ser transformados em capital em dívida. E esse montante vai ser diluído nas prestações que ainda faltam pagar.

Para ilustrar melhor, imagine uma família que esteve 18 meses a beneficiar de uma moratória total e que na prestação em causa 150 euros correspondem a juros. No final da moratória o capital em dívida vai aumentar em 2.700 euros. E esse valor será pago ao mesmo tempo da prestação até ao final do contrato de crédito. Se estivermos a falar de um contrato de crédito à habitação, em que ainda faltam cerca de 20 anos para terminar, o aumento da prestação, face ao valor que pagavam antes da moratória, poderá rondar os 12 euros - atenção que este valor dependerá dos juros que estiverem a ser cobrados no contrato e do período que falta para concluir o crédito.

Nas situações em que os clientes estiveram a pagar juros, ou seja, só deixaram de amortizar capital, a prestação deverá ser muito semelhante à que pagavam no início da moratória. No caso de terem optado por uma solução de pagamento de juros e de parte do capital, a prestação também deverá manter-se semelhante. A diferença nestas situações é que como estiveram a amortizar capital, o prolongamento do contrato de crédito pode não ser idêntico ao período da moratória.

O importante é não deixar que o tempo passe sem fazer nada. A chave para evitar problemas é jogar pela antecipação e agir antes que os problemas se materializemOs portugueses estão preparados para o final da moratória pública?

Depende muito da situação de cada um. Sabemos que há famílias que registaram uma quebra de rendimentos significativa e, nestes casos, pode ser difícil. Mas, mesmo em situações mais complicadas haverá soluções. O importante é não deixar que o tempo passe sem fazer nada. A chave para evitar problemas é jogar pela antecipação e agir antes que os problemas se materializem. 

Que recomendações deixa aos que pediram a suspensão do pagamento dos empréstimos?

A primeira recomendação é que se estão a antecipar (ou a viver) um problema financeiro não deixem arrastar a situação, nem esperem que se resolva sozinho. Isso não vai acontecer. 

As famílias que estejam a antecipar problemas de incumprimento devem agir o mais depressa possível

Para começar é preciso perceber exatamente qual é a situação. Terão de fazer contas. Ou seja, quanto ganham e qual o valor de todos os encargos? E aqui é preciso garantir que incluem tudo. É preciso fazer um levantamento exaustivo: que créditos têm e seguros? Que serviços têm contratados (desde as telecomunicações, passando pela energia), quais são os seus hábitos de consumo, entre outros. Depois deste levantamento terão noção exata de como gastam o seu dinheiro. E, neste momento, têm de perceber o que podem cortar. Entre as despesas mais avultadas estão, para a maioria das famílias, os créditos. Nestes casos é preciso perceber se há forma de os reduzir, o que pode ser feito através da negociação direta com a instituição de crédito com quem temos o(s) contrato(s), mas também recorrer à concorrência. Assim, é possível perceber se há soluções mais vantajosas.

De salientar que as famílias que estejam a antecipar problemas de incumprimento devem agir o mais depressa possível. Contactem o seu banco e apresentem os argumentos. Perguntem o que podem fazer para evitar uma situação destas, algo que poderá passar por mais um período de carência de capital (que é o que acontece nas conhecidas moratórias), ou um diferimento de capital (que implica deixar para o final uma percentagem do crédito). Em algumas situações poderá haver espaço para um aumento do prazo do contrato ou para rever as condições do crédito, tentando descer o spread, por exemplo, ou reduzir os encargos com os seguros associados à casa. Dependendo de há quanto tempo tem os créditos a decorrer, mesmo estando agora numa situação aparentemente mais debilitada, é possível que consiga melhores condições de crédito. Para as famílias que têm vários créditos em mãos, uma solução pode ser juntar todos num só financiamento, é aquilo a que chamamos de consolidação de crédito. Desta forma, vão conseguir controlar melhor o seu orçamento: só terão um débito em conta e é possível conseguir uma taxa de juro mais baixa do que a média dos empréstimos que tem a decorrer. O que representa uma redução dos encargos imediatos.

Além disso, há a questão dos seguros. E estes também devem ser revistos, sejam os associados à casa seja os de automóvel ou de saúde. É preciso mesmo rever tudo. E nas situações mais preocupantes, é preciso, com urgência, ir mais fundo nesta questão. Rever os serviços que tem contratados, como serviços de streaming ou outros, saber se não consegue um contrato de fornecimento de luz ou gás menos dispendioso, perceber que dinheiro estão a gastar por beber café fora de casa ou por almoçarem fora de casa, por exemplo. Infelizmente não haverá soluções milagrosas para as famílias que se encontram em maiores dificuldades. É preciso encarar a situação e encontrar soluções que permitam evitar problemas maiores. 

Acredito que as instituições financeiras vão encontrar solução para a maioria dos casos

Considera que o final das moratórias, em setembro, vai ser um problema?

Espero que não. Sabemos que há muitas famílias e empresas que, no final destes processos, ficarão em situações muito debilitadas. Mas acredito que não será a maioria. Acredito que as instituições financeiras vão encontrar solução para a maioria dos casos. Até porque hoje em dia são obrigadas a apresentar soluções aos clientes antes de enveredarem por um caminho judicial. Por isso, desde que os clientes demonstrem capacidade para pagar, ainda que menos do que acordaram inicialmente, as instituições vão encontrar soluções e evitar o pior dos cenários. 

Muitas pessoas dizem que não conseguem mesmo poupar. Mas a verdade é que muitas nem pensam bem nisto

Numa altura de crise, como é que os portugueses podem otimizar a gestão dos seus orçamentos familiares?

Terão de começar por fazer mesmo um orçamento. E infelizmente sabemos que há muitas famílias que não o fazem. Depois é preciso rever todos os encargos, como referi antes, de forma a reduzir os nossos gastos ao mínimo. E podem seguir uma série de dicas de poupança que parecem mais pequenas, mas que no final do mês e do ano podem fazer diferença. Dicas como pôr uma garrafa de litro dentro do autoclismo (para reduzir a água que é descarregada), maximizar a utilização das máquinas de lavar ou aproveitar as promoções nos supermercados são apenas alguns exemplos. E depois, é aproveitar o valor poupado com estas revisões e constituir uma poupança. Muitas pessoas dizem que não conseguem mesmo poupar. Mas a verdade é que muitas nem pensam bem nisto. Não estou a falar em poupar 100 euros por mês. Esta quantia de poupança não será uma possibilidade para muitas famílias. Mas podemos começar com valores bem mais baixos. Se no início do mês colocarmos 10 euros de lado ao final do ano temos 120 euros. E não acredito que a maioria das pessoas não consiga pôr de lado algum dinheiro. 

Uma forma muito simples para esta missão é criar uma transferência automática logo no início do mês para uma conta criada só para a poupança

Há produtos bancários que podem ajudar na poupança?

Sim, há vários produtos financeiros que ajudam nesta missão. Há depósitos, há PPR e uma panóplia de soluções à disposição e com obrigações diferentes. Tudo depende do que os clientes procuram. Mas uma forma muito simples para esta missão é criar uma transferência automática logo no início do mês para uma conta criada só para a poupança. Uma conta em que não se mexe a não ser em casos extremos. Desta forma começamos a constituir uma poupança sem darmos conta. Quem não tem o hábito de poupar, recomendo que comece por aqui, é uma forma simples e prática de poupar. E, quando for espreitar o saldo, terá uma boa surpresa.

Leia Também: Fim das moratórias poderá aumentar necessidades de apoio clínico

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