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Vida de Sara sem RSI seria "o caos, porque valor é pouco, mas necessário"

Há quatro anos que Sara, 39 anos e com dois filhos a cargo, vive com o Rendimento Social de Inserção (RSI), prestação sem a qual "seria o caos, porque o valor é pouco, mas muito necessário".

Vida de Sara sem RSI seria "o caos, porque valor é pouco, mas necessário"
Notícias ao Minuto

08:00 - 27/06/21 por Lusa

Economia RSI

Habituada a trabalhar desde os 18 anos, após a licença de maternidade reduziram-lhe o horário no ´call center` e depois não lhe renovaram o contrato. Terminado o subsídio de desemprego, viu-se no desespero de não ter rendimentos e recorreu ao apoio.

Entretanto, a escoliose e a fibromialgia começaram a causar-lhe cada vez maior transtorno e agravaram a depressão. Uns dias tem forças, outros sente-se incapaz e sem reação. "Tentei fazer limpezas, mas não me aguentei", conta, em declarações à agência Lusa, na casa de renda apoiada nos arredores da Covilhã, distrito de Castelo Branco.

"Gostava de ter saúde, de não estar dependente do Estado, porque querer trabalhar e não conseguir é frustrante. Eu tenho muita força de vontade, sempre batalhei, mas nunca consegui sair da cepa torta. Recorrer ao RSI foi a única forma de ter rendimentos", refere, com os olhos rasgados a quererem ensaiar um sorriso para mascarar a desilusão e a pousar as molduras com as fotos dos filhos na mesa da sala, a mostrar o motivo que não a pode fazer baixar os braços.

Depois de ser espancada pelo namorado aos oito meses de gravidez, ficou sozinha e nunca contou com a ajuda do pai da filha mais velha, "muito boa aluna" e diagnosticada no ano passado com um tumor na hipófise. O pai do mais novo contribui, mas "não tem trabalho certo".

Apesar das dificuldades, constata ser ela "o pilar da família". Não tem retaguarda. Os pais têm pensões reduzidas. A mãe, com insuficiência cardíaca e renal, ficou cega. O irmão, pouco mais velho, está numa cadeira de rodas, com esclerose múltipla. Quando "tem forças", dá banho à mãe e "dá-lhes um jeito na casa".

O valor do RSI para as três pessoas é de 232 euros, complementada com a pensão de alimentos de 100 euros atribuída pelo Fundo de Garantia da Segurança Social, mais os abonos. A compra de medicamentos "faz muito diferença" no rendimento, dificuldade agravada com as despesas das deslocações a Coimbra para as consultas da filha.

"O RSI não permite sair desta situação. Acho que, em vez de uma fórmula, devia ter em conta a realidade de cada família", preconiza Sara, enquanto acaricia o gato que lhe sobe para o colo e espera que lhe seja atribuída uma pensão de invalidez.

Sara aproveita quando é dada roupa aos filhos e comenta ter uma amiga numa situação igualmente difícil, por "tentar desesperadamente" encontrar trabalho, mas não encontrar nenhum com horários compatíveis com quem tem filhos e não tem suporte familiar.

Quando ouve que os beneficiários são parasitas ou preguiçosos, sente-se "muito revoltada". "É horrível ouvir dizer que não quero trabalho e sentir-me como me sinto", enfatiza.

Assusta-a a doença fazê-la pensar que a situação pode não ser transitória. "Habituei-me a viver com o que tenho, a não me vitimizar, a transmitir esperança aos meus filhos", salienta, mas "com a fé" de que os filhos "vão ter uma vida melhor" e "ainda hão-de ser eles a ajudar outros que precisam", assim tenham condições para prosseguirem os estudos.

Na mesma vila, em Boidobra, Albertina, chamemos-lhe assim, de 54 anos, vive com dois dos cinco filhos, os mais novos, e um orçamento mensal de 350 euros, incluindo abonos, pensão de alimentos e os 97 euros de RSI, valor reduzido por estar, tal como a filha, a frequentar uma ação de formação.

Albertina perdeu a conta há quantos anos recebe a prestação, que vai alternando com os períodos em que tem um Contrato Emprego-Inserção+, mas lamenta que, findo esse período, "vão ver de outros para fazer o trabalho e volta tudo ao mesmo". Como acontece com as formações, com o intuito de encontrar emprego, "só que não o há".

Durante os períodos de 12 meses em que tem um emprego e um salário, "sabe bem". "Mesmo sendo um trabalho difícil, sinto-me com um espírito diferente quando não estou com o RSI", acentua a cantoneira, para quem a prestação faz diferença quando se está sempre "a fazer contas à vida" e a comprar "conforme o que se tem na mão". "Hoje recebi a prestação deles, fui logo pagar a luz e a água", ilustra.

O rabo-de-cavalo não permite disfarçar os olhos humedecidos quando fala na máquina de lavar que ainda não pôde comprar, ou quando se mencionam as críticas a quem recebe o RSI, em que não se revê, embora frise que fez com que algumas pessoas "se desleixem".

Quando a chamam, faz alguns biscates, nas vindimas, limpezas ou jardinagem, mas a pandemia fez esses trabalhos escassearem.

Albertina lamenta que, além das dificuldades que sente, para receber os 97 euros "tenha de pôr a vida toda ao sol" e quer acreditar que "o dia de amanhã seja melhor do que o de hoje".

Na Beira Serra, associação de desenvolvimento que presta apoio a população carenciada, Marisa Marques acentua que o RSI é "um patamar mínimo de sobrevivência", que já permitiu a algumas pessoas, por via da formação, mudarem de vida. Outras, analisa, não têm condições para se inserirem no mercado de trabalho, por exemplo por motivos de doença, e "devem sair do RSI e ter outras prestações".

A "reprodução geracional da pobreza nas famílias" é uma evidência e a técnica nota que ser beneficiário do RSI "acarreta um estigma de algo que falhou nas suas vidas e que muitas vezes até se começa a incorporar nas pessoas". "Por vezes, a própria pessoa começa a acreditar que não há um emprego para ela, que não há um plano, que é um caminho de sobrevivência", observa Marisa Marques.

A técnica da Beira Serra considera importante fazer alterações no RSI, para que as pessoas não se sintam "fiscalizadas, mas acompanhadas", e que o contrato implique uma intervenção "que possa conduzir a um plano individual de mudança de vida, e não seja uma coisa formatada".

Marisa Marques, que acentua a importância do RSI na redução do abandono escolar, alerta para os 1,27% que a prestação representa no orçamento da Segurança Social, o peso ainda menor no Orçamento do Estado e justifica as críticas com "o desconhecimento, muitos mitos difíceis de combater" e o descontentamento de "uma grande camada da população que trabalha e não sente o seu trabalho valorizado".

O Rendimento Social de Inserção foi criado há 25 anos, a 01 de julho de 1996, como Rendimento Mínimo Garantido. É uma prestação social para as pessoas que estão numa situação de pobreza extrema. É constituída por uma prestação em dinheiro e por um programa de inserção, ao qual está associado um contrato que estabelece as condições e os objetivos para uma progressiva inserção social, laboral e comunitária dos beneficiários. Atualmente recebem esta prestação quase 218 mil pessoas.

Leia Também: Famílias a receber RSI aumentam 10% em Lisboa com casos em bairros nobres

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