"Não estou a ver, ainda, uma ligação entre subida destes preços, que são bastante setoriais, e subidas de salários que deem uma espiral preços-salários, que origine uma inflação descontrolada", disse o antigo professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) à Lusa.
Para Jorge Bateira, não faz sentido "entrar em pânico já porque houve ruturas nas cadeias de abastecimento, porque houve muita gente que parou e, portanto, falta produção, os tais 'chips' e outros produtos que fazem falta no retomar da atividade".
"Vai haver aquilo que eu chamo subida de preços. Mas subida de preços ainda não se chama inflação. A inflação exige tempo para que esta espiral se instale. E como nós temos os sindicatos muito desprovidos de força negocial, eu não estou a ver essa espiral a instalar-se", considerou o académico, agora aposentado.
O também antigo professor da Universidade Católica disse acreditar "que, dada a escassez de mão de obra que existe em alguns países e em alguns setores, alguma subida de salários possa acontecer", algo que considerou "bom", pois "aumenta a procura interna e favorece o emprego".
Já quanto ao programa de compra de ativos do Banco Central Europeu (BCE), "não tem um horizonte que nós possamos dizer que vai ser cinco anos, vai ser dez anos", disse.
"Falar do futuro é falar de incerteza radical. Nunca aconteceu isto", disse o economista, alertando para que "retirar agora, subitamente, esse tipo de aquisições e de injeção de liquidez está fora de questão", pois "provocaria um 'crash' bolsista, provocaria um afundamento dos preços do mercado imobiliário, com um impacto global negativo".
"O que vão fazer é suavizar isso ao longo de muitos anos, até ver sem saber bem quando e como vão poder abrandar", referiu.
No caso da União Europeia e da zona euro, "no dia em que os mercados financeiros perceberem que o Banco Central Europeu está para deixar de comprar títulos de dívida dos países da periferia, vai disparar o juro da dívida desses países".
"Portanto, a periferia da zona euro ou é permanentemente assistida por uma intervenção financeira do banco central nos mercados, e para sempre, ou ressurge aquilo que no passado foi chamado de crise da dívida soberana", referiu.
Jorge Bateira mostrou-se ainda crítico da utilização que é feita do programa, consistindo em "injetar liquidez na economia esperando que, com isso, os bancos tenham liquidez suficiente para emprestar mais e reanimar a economia".
"Já se percebeu que não funciona assim. Já se percebeu que um banco pode ter muita liquidez em reservas no banco central, mas se não lhe entram projetos credíveis não vai emprestar dinheiro, porque a economia não está a produzir e, portanto, a rendibilidade dos projetos é duvidosa", considerou.
Assim, "com taxas de juro negativas nas suas reservas", o também antigo professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra afirma que as instituições "tendem a pôr o dinheiro na chamada banca sombra, que é a banca especulativa, pouco regulada".
"E é isso que andaram a fazer até agora, e daí as bolhas de preços nas bolsas, no mercado obrigacionista e acionista, e as bolhas de preço no imobiliário, as movimentações de capitais entre países produzindo procuras de moedas de outros países, e valorizando-lhes a moeda, o que prejudica as suas indústrias", afirmou.
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