Ambientalistas defendem planos de mobilidade mais integrados
As associações ambientalistas Quercus e Zero defendem a necessidade de existirem planos de mobilidade mais integrados para incentivar a utilização de meios de transporte mais suaves, como bicicletas e trotinetes, em detrimento do automóvel.
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Economia Mobilidade
Em vésperas de se realizar no Porto o congresso Cidades que Caminham (quinta e sexta-feira) e a poucos dias de se assinalar a Semana Europeia da Mobilidade (16 a 22 de setembro), a agência Lusa questionou as duas principais associações ambientalistas do país sobre a evolução das políticas de mobilidade sustentável, em particular sobre os planos levados a cabo pelos municípios.
O presidente da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira, disse que "está à vista um conjunto de sinais positivos", mas ressalvou que "persistem também muitos problemas", dando como exemplo o nível da qualidade do ar e o "constante congestionamento automóvel".
"Eu acho que nós temos sinais contraditórios. Por um lado, temos conseguido tomar medidas para estender a utilização do transporte público, uma revolução muito grande, mas continuamos a ter dificuldades grandes em várias ligações. Temos níveis da qualidade de ar que não são os mais desejáveis e continuamos a ter demasiados automóveis no centro da cidade", apontou.
Por isso, no seu entender, os municípios terão de "ter a coragem" de implementar medidas mais restritivas ao uso do automóvel, ao mesmo tempo que criam as condições para a utilização de modos de transporte mais suaves.
"Efetivamente há uma oportunidade muito grande de estimular o uso de sistemas partilhados, de proporcionar o uso de bicicletas, trotinetes. Mas nós temos de dar uma resposta para estes meios ambientalmente mais desejáveis. Temos de garantir a segurança, o percurso e as condições para, por exemplo, as escolas ou as empresas", defendeu.
Para que isso aconteça, o presidente da Zero considera ser necessário construir "circuitos adequados para que as pessoas se possam deslocar nestes meios", reconhecendo, contudo, que "nem sempre é fácil conseguir encontrar soluções consensuais".
Questionado sobre a existência de discrepâncias nas medidas adotadas pelos diferentes municípios e regiões, Francisco Ferreira sublinhou que é preciso ter em conta a escala e o tipo de população, e o tipo de piso, de declive e de estrutura urbana.
A presidente da direção nacional da associação Quercus, Alexandra Azevedo, considera que as discrepâncias verificadas nas medidas e na utilização de transportes mais sustentáveis, mediante a zona geográfica do país, se devem sobretudo a "questões culturais" e "meios financeiros".
"A questão da utilização das bicicletas e trotinetes é uma questão cultural. Nós vemos países com um clima pior do que o nosso onde há uma maior utilização da bicicleta. Estamos a dar pequenos passos, mas isso vê-se mais nos meios urbanos de maior densidade. Nos meios rurais o uso de bicicleta ou trotinete é basicamente residual. Também na periferia de Lisboa não vemos essa adesão como seria desejável", apontou.
Contudo, a responsável ressalvou que no interior do país as carências na mobilidade não se resumem aos meios de transporte mais sustentáveis, mas também aos transportes coletivos de passageiros.
"Se na metrópole temos carências, no interior praticamente não existe uma rede de transportes públicos. Portanto, esbarramos sempre no mesmo. Onde é que as pessoas vivem e conseguem o seu sustento? Isso acaba por condicionar as suas necessidades de mobilidade", argumentou.
À semelhança do presidente da Zero, Alexandra Azevedo entende que existe um problema na execução dos planos de mobilidade e uma "falta de integração entre eles".
"Temos muito planos, mas também falta de planos, falta de execução. As ideias refletidas nos planos não estão no sentido mais correto. Não existe coesão territorial", apontou.
Seguindo esse raciocínio, quando questionada sobre os Planos de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) dos municípios, a representante defendeu que estes devem ser "absolutamente obrigatórios", mas ressalvou que devem ter uma "visão mais integrada do território" e que não podem ser "desarticulados".
No mesmo sentido, o presidente da Zero reconheceu a importância destes documentos, mas considerou que os PMUS, tal como estão a ser implementados, "não são verdadeiros planos."
"Os PMUS têm sido mais pequenos investimentos, e muito segmentados, do que propriamente um planeamento daquilo que deverá ser a mobilidade urbana sustentável. Uma coisa é eu apoiar uma determinada ciclovia e outra coisa é eu ter realmente uma cidade, uma vila onde tudo isso funcione. Nós estamos a falhar nessa integração", apontou.
Contudo, ambos reconhecem o papel que alguns municípios, nomeadamente o de Lisboa, tiveram no apoio e na promoção do uso de transportes suaves, como a bicicleta e a trotinete.
"Durante a pandemia os apoios dados à compra de bicicleta eram mais da parte da Câmara [de Lisboa] do que da parte do Fundo Ambiental [gerido pelo Governo]. Acho que há aqui, realmente, uma oportunidade grande para os municípios, mas também para o Fundo Ambiental, de proporcionar maiores apoios para o uso, nomeadamente da bicicleta. Mas isso, mais uma vez, só faz sentido se eu tiver depois os centros urbanos preparados para esse uso", argumentou.
A presidente da Quercus lembrou que a utilização de recursos de forma partilhada "tem a vantagem de as pessoas não estarem a investir", mas alertou que pode acarretar outros problemas como o "vandalismo e roubos", dificultando a gestão desses equipamentos.
Como mensagem final, Alexandra Azevedo defendeu que para existir coesão territorial será necessário reforçar a aposta no transporte ferroviário: "Já tivemos essa espinha dorsal, que foi desmantelada ao longo do tempo, e sabemos que o interesse em promover o transporte rodoviário foi o que condicionou esse retrocesso. Agora, estamos numa fase de reconstrução."
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