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"Há novas barracas a ser construídas" (e de forma "escondida, perigosa")

As associações Habita! e Habitação Hoje! denunciam que, 30 anos decorridos sobre o Programa Especial de Realojamento (PER), há "novas barracas" a ser construídas e outras que nunca foram demolidas.

"Há novas barracas a ser construídas" (e de forma "escondida, perigosa")
Notícias ao Minuto

10:43 - 05/05/23 por Lusa

Economia Habitação

O PER, criado pelo decreto-lei n.º 162, de 07 de maio de 1993, tinha como objetivo primordial acabar com as "barracas" -- termo que as associações preferem substituir por bairros autoconstruídos.

"Há novas barracas que estão a ser construídas em vários locais", relata à Lusa Rita Silva, membro da Habita!, dando como exemplo o concelho de Loures (distrito de Lisboa), onde a associação pelo direito à habitação identifica "muitos novos núcleos de barracas, que estão a ser construídas de forma escondida, perigosa, às vezes em zonas [...] de risco, por exemplo, em escarpas".

Os elementos da Habita! têm identificado também, "em muitos lugares", pessoas a dormir em carros e carrinhas e a acampar, refere, estimando que este tipo de casos "está a aumentar".

"Há uma série de situações que podem ainda ser piores do que as próprias autoconstruções que o PER realojou", compara Rita Silva.

O problema está-se a agravar cada vez mais

No Porto, diz à Lusa Bernardo Alves, membro da Habitação Hoje!, "ainda existem imensas pessoas a viver em situação indigna". Em concreto, a organização identifica casos de "insalubridade e condições precárias" de habitação, mas também de falta de acesso a bens essenciais, como água e luz.

"O problema está-se a agravar cada vez mais", avalia, realçando que "ainda há pessoas que vivem em ilhas [habitação operária típica do Porto, geralmente precária], e [aí] viveram a vida toda". Segundo os dados camarários mais recentes, apenas três das 957 ilhas que existem no Porto são municipais, sendo que a maioria delas está devoluta e mais de metade não tem viabilidade para habitação.

"O PER nunca erradicou as chamadas barracas", vinca Rita Silva, lembrando que, a partir de 2008, o programa praticamente parou.

Atualmente, a Habita! continua a acompanhar "muitos bairros autoconstruídos" que "não foram demolidos", mas onde agora há água, luz e saneamento, que faltavam nas barracas que o PER se propôs erradicar.

Exemplos desses persistem ainda hoje nos concelhos de Loures, Amadora (Lisboa) ou Almada (Setúbal), onde as câmaras "nunca conseguiram tratar da questão até ao fim", exemplifica Rita Silva, lembrando ainda que o PER existiu apenas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, quando "havia barracas por muitos outros lugares, que não tiveram programa nenhum".

Um inquérito às autarquias resultou na identificação de 26 mil habitações indignas, mas a Habita! está certa de que são "bastante mais". Isto porque "há muitas câmaras que não responderam a esse inquérito - não lhes interessa, porque não lhes dá votos realojar nem pessoas negras, nem pessoas ciganas, nem pessoas pobres e então omitem, fingem que não têm barracas no seu concelho", critica Rita Silva, mencionando os casos de Beja e Amadora.

No Porto, existem, oficialmente, mais de 1.000 famílias à espera de habitação, número que seria "muito maior" se os critérios fossem alargados, estima Bernardo Alves, constatando que "muitas pessoas ficam de fora".

O problema da habitação, frisa, tem de ser resolvido "de baixo para cima", dando resposta, primeiro, aos agregados mais carenciados e desfavorecidos. O representante critica os critérios de atribuição de habitação pública do município.

"As classes que sofrem historicamente com o problema da habitação continuam sem resposta", vinca.

Segundo um levantamento realizado pela Habitação Hoje!, existem "mais de 20.000 fogos devolutos" na cidade do Porto (municipais e privados), que poderiam fazer parte da resposta para quem ainda aguardam pela atribuição de uma casa.

"É importante pôr esse edificado, que já está construído, que eventualmente precisa de alguma reabilitação", ao serviço de quem precisa, defende, realçando que a estatística "diz que 50% deste património está em bom estado de conservação".

Já o parque público, que representa cerca de 13% da habitação do concelho do Porto, está "em mau estado de conservação", aponta.

Também a Habita! tem confirmação de "várias autarquias" da zona metropolitana de Lisboa de que "há muitos edifícios do PER" que "já atingiram o prazo de validade" e "isso não tem a ver com o mau uso das próprias pessoas que lá vivem, tem a ver com a má qualidade da construção, tem a ver com poupanças que os promotores fizeram em vários tipos de materiais, gastando o mínimo possível".

A Habita!, que surgiu em 2005 exatamente para responder a situações do PER, teme que o programa que lhe sucedeu, o 1.º Direito, "corra o risco de repetir uma série de erros".

Para o justificar, Rita Silva aponta a "corrida entre câmaras", em que "as mais rápidas a apresentar propostas poderiam ter financiamento a 100%", e diz que "as Estratégias Locais de Habitação não foram minimamente discutidas com a população".

Elogiando o alargamento das modalidades de habitação pública do 1.º Direito, a representante antecipa ainda que se venha a repetir a má qualidade da construção e o realojamento em zonas periféricas.

"Muitas vezes o PER significou pôr as pessoas em gavetas, sem ter em atenção o resto, a dinâmica do viver e o habitat", recorda, referindo-se à desvalorização das "dinâmicas económicas e de entreajuda, fundamentais para pessoas empobrecidas".

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