"Distanciamento" entre Portugal e China acompanha tendência europeia
O jornalista e autor Michael Sheridan considerou à Lusa que o "distanciamento" entre Portugal e China reflete a tendência "geral" na Europa, que quer diminuir dependências face ao país asiático, advertindo para retaliações por parte de Pequim.
© iStock
Economia Análise
"A postura de Portugal está alinhada com uma mudança geral [na política] da União Europeia", argumentou o autor do livro 'The Gate to China', que esteve recentemente em Lisboa, para avaliar a evolução das relações com Pequim.
"Não vejo algo antagónico entre Portugal e a China ou entre a China e Portugal", afirmou. "A base política é reduzir riscos. É este o novo paradigma para a União Europeia. Existem diferenças na forma como cada país europeu interpreta, mas a direção é clara", realçou.
A China tornou-se, na última década, o quarto maior investidor direto estrangeiro em Portugal. Empresas chinesas, estatais e privadas, detêm uma posição global avaliada em 11,2 mil milhões de euros na economia portuguesa, segundo o Banco de Portugal (BdP). Os investimentos abrangem as áreas da energia, banca, seguros ou saúde.
Em 2018, os dois países assinaram um memorando de entendimento sobre a iniciativa "Faixa e Rota", um megaprojeto de infraestruturas lançado por Pequim que visa expandir a sua influência global através da construção de portos, linhas ferroviárias ou autoestradas.
"Agora, o Governo do primeiro-ministro António Costa regressou silenciosamente ao consenso do Atlântico Norte e afastou-se da relação anteriormente íntima com Pequim", observou Sheridan, num artigo publicado pelo grupo de reflexão ('think tank') Center for European Policy Analysis.
"Portugal dá prioridade à NATO e foi encorajado a mudar de rumo por uma grande e ativa embaixada dos Estados Unidos em Lisboa", apontou.
Um órgão consultivo do Governo português deliberou, em maio passado, sobre a exclusão de facto de empresas chinesas do desenvolvimento das redes de quinta geração (5G). A decisão é a "mais extrema" entre todos os países europeus, frisaram esta semana à agência Lusa funcionários do grupo de tecnologia chinês Huawei.
A ausência de visitas de altos funcionários do Governo português ao país asiático, que até à pandemia de covid-19 se realizavam com frequência quase mensal, parece sinalizar também um distanciamento nas relações. A reabertura das fronteiras da China, em janeiro passado, resultou numa intensa agenda diplomática em Pequim, com dezenas de chefes de Estado e de Governo ou ministros de países estrangeiros a visitar o país.
O secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Nuno Fazenda, quebrou esta semana o hiato, mas não foi além de Guangdong, no extremo sudeste da China, onde se reuniu com um vice-governador da província.
A sinalizar esta mudança a nível europeu está também o provável abandono por Itália da iniciativa 'Faixa e Rota' ou a decisão da Alemanha de rever as suas orientações estratégicas para a China.
"A China mudou. As decisões políticas chinesas tornam necessário alterar a forma como lidamos com a China", lê-se num documento, de 64 páginas, aprovado pelo Governo alemão em maio e que especifica a estratégia futura de Berlim face a Pequim.
Michael Sheridan apontou que a mudança de atitude na Europa face à China se deve à pressão dos Estados Unidos, principal parceiro comercial e aliado do continente, a pandemia de covid-19, que deteriorou as perceções sobre o país asiático, e a aproximação de Pequim a Moscovo, num contexto da invasão russa da Ucrânia.
"Tudo isso levou a uma redução da confiança e simpatia política por Pequim", disse.
O jornalista, que passou 20 anos como correspondente no Extremo Oriente, alertou, no entanto, para a adoção de medidas retaliatórias pela China em situações envolvendo protecionismo ou a exclusão de fornecedores chineses da rede 5G.
"O Governo [chinês] é especialista e inteligente na elaboração de contramedidas e tem um conjunto de ferramentas que pode utilizar", explicou.
Sheridan considerou que a "tradição e história" de Portugal com a China são uma "grande vantagem", porque os decisores portugueses "mantêm alguma memória institucional" e "têm um sentido cultural e social de como a China pensa e quais são as suas tradições políticas".
Destacou o "vínculo" criado por Macau, onde a presença portuguesa remonta ao século XVI. A transferência da soberania de Macau para a China decorreu em 1999, num acordo "visto por Pequim como exemplo de cooperação e benefício mútuo".
"Portugal traz muita coisa para a mesa institucionalmente na Europa", observou Sheridan.
"As relações entre países são sempre transacionais e realistas", afirmou. "É preciso ter isso em mente".
Leia Também: EUA e China promovem grupos de trabalho nas áreas económica e financeira
Descarregue a nossa App gratuita.
Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.
* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com