Persistência e resistência (ou como uma empresa vive no Interior do país)
Persistência, resiliência e resistência (PRR) são atributos da empresa de lanifícios Albano Morgado, em Castanheira de Pera, que venceu uma guerra, superou uma revolução, enfrentou a globalização, ultrapassou a crise económica, sobreviveu a incêndios e aguentou uma pandemia.
© Lusa
Economia Castanheira de Pera
É este PRR, que faz a diferença em territórios onde o despovoamento se vê na paisagem, se "ouve" no silêncio das ruas e se sente na pele dos que veem os mais novos partir, que mora há 97 anos a sociedade anónima Albano Morgado.
No interior do Interior do país, em Sarzedas de São Pedro, no concelho mais pequeno e com menos população (66,86 quilómetros quadrados e 2.645 habitantes nos censos de 2021) do distrito de Leiria, a empresa encontrou na internacionalização e na inovação as chaves para o sucesso.
"Eu penso que a internacionalização foi a chave para que a empresa tivesse sucesso. (...) Quando abrimos a outros mercados, tínhamos consciência de que tínhamos um bom produto e que conseguíamos satisfazer com um bom serviço", afirmou à agência Lusa o presidente do conselho de administração, Albano José Morgado, de 56 anos, neto do fundador da empresa, Albano Antunes Morgado.
A somar à internacionalização, a inovação.
"Uma empresa que produz tecido de moda, que tem duas coleções por ano, tem de estar muito atenta às necessidades do mercado e nunca estar satisfeita com aquilo que tem, ou seja, nunca podemos dar como adquirido que temos o mercado assegurado, temos de estar em permanente diversificação dos vários tipos de produto e estar muito atento à moda", declarou, lembrando que a moda "é das coisas mais voláteis" e requer "um cuidado e uma atenção" permanentes.
Aliado a estes aspetos, há outro fator, "o serviço e toda a organização comercial que isso envolve", também "um dos trunfos que permitiu que a empresa sobrevivesse até agora e com sucesso", acrescentou.
A Albano Morgado, SA, cuja produção (75%) segue maioritariamente para o estrangeiro, encontrou na Suécia e Noruega os primeiros mercados de exportação, na década de 1980.
"Tendo em conta que nós somos produtores de lanifícios, lã, que pressupõe logo um produto quente, tivemos de escolher os mercados onde o frio se fizesse sentir e mercados com alguma estabilidade financeira e económica, e que nos permitiam, com alguma tranquilidade, manter clientes fiéis", esclareceu.
Hoje, Suécia e Noruega mantêm-se como mercados externos, mas há mais cerca de uma dezena, a maioria na Europa.
Na vida da empresa de lanifícios, Albano José Morgado apontou a pandemia de covid-19 como o pior momento.
"Foi o único momento em que eu não tive a certeza se a empresa sobrevivia, porque era algo que não dependia de nós (...). Senti-me totalmente impotente", admitiu.
Sobre os incêndios de junho de 2017, descreveu que foi "doloroso, psicologicamente desgastante".
Um dos armazéns da empresa foi atingido pelos fogos, tendo a seguradora pagado na ordem dos 80% os danos, mas o "mal maior foi perder três funcionários, e essa parte psicológica e humana dói", relatou.
Desses fogos, há um herói na empresa, Domingos da Conceição Santos, o funcionário mais antigo, que, sozinho, salvou a fábrica "usando extintor atrás de extintor", lê-se numa publicação da Albano Morgado, SA.
Numa fase em que a empresa está a consolidar um investimento de 2,2 milhões de euros terminado em junho de 2023, Albano José Morgado adiantou que a unidade investe "na ordem dos 500 mil euros anuais no mínimo", sobretudo nas áreas tecnológica e ambiental.
"Até aos anos 2000, a preocupação, quando optávamos por um equipamento, era quanto é que ele produzia mais. Agora, a primeira pergunta é quanto consome menos de energia ou quanto vou economizar em água", exemplificou.
Regressando ao PRR da sua empresa, extensivo "àquelas que estão no Interior ou que possam vir a estar no Interior", Albano José Morgado defendeu que "deveria haver a coragem", mas "não vai haver", porque Portugal não tem políticos dispostos a assumir uma "discriminação positiva" para estes territórios.
"Por exemplo, a contribuição para a Segurança Social ser 50% daquilo que é noutras zonas do país", apontou, considerando que "não seria pedir demais" face aos custos associados decorrentes das empresas estarem no Interior que são, "em muitos casos, quase o dobro" de quem está no litoral.
O empresário deu outro exemplo, relativo aos serviços expresso de empresas que consideram Castanheira de Pera uma zona remota, "o que significa que não fazem entregas em 24 horas, mas, sim, em 48".
Referindo que de Pombal a Castanheira de Pera "são 45 minutos" e Castanheira está a 10 quilómetros de uma autoestrada, "qualquer empresa dessas de transporte que faz entregas junto a uma cidade grande demora muito mais do que 45 minutos por exemplo para ir de Sintra a Lisboa".
"Mas continua este mito do Interior e da dificuldade de chegar ao Interior", adiantou, lamentando também uma "internet super lenta, apesar de ter fibra que é aérea", com a agravante de que "sempre que uma árvore cai sobre as linhas" a empresa fica sem internet".
O maior empregador privado do concelho, com 85 funcionários, 15 dos quais estrangeiros, também assumiu dificuldades na contratação de trabalhadores.
Albano José Morgado, que começou a trabalhar na empresa aos 25 anos, referiu ainda o pouco peso político de territórios como o de Castanheira de Pera, a necessitar de outro PRR: população, recursos e riqueza.
"A população cada vez é menor, o peso em termos políticos é muito pequeno. O Interior é pouca gente e pouca gente são poucos votos", acrescentou.
As comemorações do Dia de Portugal centram-se este ano em Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, concelhos fustigados pelos incêndios de junho de 2017, de que resultaram 66 mortos e 253 feridos, além da destruição de casas, empresas e floresta.
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