Negociante de arte doava peças a museus antes de cometer fraudes mundiais
Uma investigação internacional sobre comércio ilícito de obras de arte descobriu que um negociante de antiguidades que fazia doações de peças em muito pequena escala a museus de pelo menos três continentes, cometia em seguida fraudes com colecionadores privados.
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Cultura Trafficking Culture
Este é um dos casos que a investigadora Donna Yates, membro fundador do consórcio de investigação Trafficking Culture, vai dar como exemplo das suas descobertas na intervenção "Crime em coleções de museus: encontrar padrões para histórias escondidas" no âmbito da Escola de Verão do Museu Gulbenkian "Museus, Democracia e Cidadania", a decorrer entre 25 e 27 de setembro, em Lisboa.
"Detetámos esse padrão de atividade e perguntámo-nos porquê. Pensamos que ele estava a praticar 'lavagem de reputação' com este comportamento", indicou a especialista Donna Yates, numa troca de perguntas e respostas, por correio eletrónico, com a agência Lusa.
O esquema criminoso era simples: "O negociante parecia estar a usar a reputação que ganhou ao doar antiguidades a coleções públicas para assim ajudar os seus esquemas relacionados com colecionadores privados", explicou, observando que "as coleções públicas e privadas estão interligadas de várias formas".
"O infame negociante de antiguidades fazia doações de antiguidades em muito pequena escala a museus de pelo menos três continentes, aparentemente mesmo antes de cometer outro tipo de crime ou fraude", descreveu especialista, professora associada do Departamento de Direito Penal e Criminologia da Universidade de Maastricht, nos Países Baixos.
O comércio ilícito de bens culturais, estimado anualmente em centenas de milhares de peças - com algumas apreensões anunciadas pelas autoridades - destacou-se sobretudo após os escândalos ocorridos em museus europeus de renome mundial.
O antigo presidente-diretor do Museu do Louvre, Jean-Luc Martinez, que ocupou o cargo até agosto de 2021, foi acusado no ano seguinte de branqueamento de capitais e de cumplicidade de fraude, num caso de tráfico de antiguidades inserido numa ampla investigação internacional que alegadamente afeta o Louvre em Abu Dabi e o Museu Metropolitan em Nova Iorque.
A investigação detetou vários comerciantes de arte e peritos considerados suspeitos de terem produzido documentos falsos para fabricar as origens dos objetos saqueados em vários países do Médio Oriente durante a "Primavera Árabe".
Também o Museu Britânico sobressaiu por razões adversas quando este ano os meios de comunicação noticiaram que tinham desaparecido quase dois mil artefactos das suas reservas, entre joalharia, pedras preciosas e fragmentos de peças antigas em ouro, levando à demissão do diretor, Hartwig Fischer, de 60 anos, no cargo desde 2016.
As autoridades vieram a descobrir que muitas dessas peças foram furtadas por um dos funcionários do museu, algumas pertencentes a coleções datadas do século 15 antes de Cristo, incluindo joias gregas e romanas, que eram vendidas em plataformas 'online' a preços reduzidos.
Donna Yale, que recebeu um Prémio Core Fulbright para estudar o tráfico de antiguidades latino-americanas, centrou esse seu projeto na relação entre as comunidades, os governos, a lei e o funcionamento dos mercados criminosos transnacionais.
O seu trabalho também ajudou a desenvolver mecanismos reguladores para controlar o comércio ilícito de antiguidades na América Latina, com base em trabalho de campo na Bolívia, Belize e México.
Questionada pela Lusa sobre quais são atualmente os países mais vulneráveis neste domínio, e os maiores alvos do comércio ilícito de bens culturais, indicou que "muitas vezes, os locais de conflito e de fracasso económico são os mais frágeis ou os maiores alvos".
"Quando há situações em que as pessoas estão desesperadas e o Estado não consegue ou não quer proteger o património cultural, é compreensível que as pessoas se voltem para qualquer fonte de rendimento que consigam encontrar", disse à Lusa.
Por outro lado, "os invasores tendem a interessar-se pelos despojos", por isso aponta a Ucrânia como um país que deve ser alvo de atenção, embora quase toda a sua investigação até hoje tenha sido realizada em países que não estão em situação de conflito.
Sobre as peças mais procuradas e traficadas, disse ser "impossível" responder: "Existem infinitos submercados, cada um com as suas próprias fontes de procura. No entanto, as peças mais compradas e vendidas tendem a ser de baixo preço, pequenas, de baixo valor, fáceis de transportar, fáceis de adquirir... e que se enquadram em todos os tipos de diretrizes ou restrições de comunicação obrigatória".
Esse é o caso das moedas antigas, por exemplo, ou o tipo de pequenos objetos que foram roubados do Museu Britânico "durante anos, sem que ninguém se apercebesse", exemplificou à Lusa.
De acordo com o relatório anual da Art Basel, o mercado lícito de arte registou transações no valor de 65 mil milhões de dólares (cerca de 58,3 mil milhões de euros), valores que levam os especialistas a inferir que o tráfico ilícito também será bastante rentável.
Donna Yates recebeu em 2018 uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação no valor de 1,5 milhões de euros para estudar durante cinco anos a forma como os objetos influenciam as redes criminosas, com especial incidência em antiguidades, fósseis e vida selvagem rara e colecionável.
Interessa-lhe sobretudo saber o que atrai as pessoas para estes "objetos de coleção criminogénicos", como as pessoas interagem com eles e como estas peças podem levar a cometer crimes.
O programa da Escola de Verão do Museu Calouste Gulbenkian vai abordar os mais variados temas da atualidade museológica, como o impacto da Inteligência Artificial nos museus, novas abordagens às exposições de arte histórica, projetos de curadoria participativa, trabalho em redes colaborativas e participação digital.
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