"Cristiano Ronaldo foi a bandeira. Messi e Mbappé rejeitaram o Al Hilal"
Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, Márcio Sampaio contou como foi a experiência mais recente na Arábia Saudita ao serviço do Al Hilal, onde esteve em duas ocasiões distintas. O antigo membro da equipa técnica de Jorge Jesus dá conta da importância de Cristiano Ronaldo para o salto do campeonato saudita.
© Reprodução Instagram Márcio Sampaio
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Depois de 15 anos de ligação a Jorge Jesus, Márcio Sampaio decidiu 'desligar-se' do técnico amadorense e deixar a Arábia Saudita para regressar a Portugal no verão passado. A filha de quatro anos falou mais alto, mas, para trás, ficam anos de trabalho e de muitos títulos.
Em entrevista exclusiva concedida ao Desporto ao Minuto, o preparador físico, de 45 anos, contou como foi a experiência mais recente na Arábia Saudita ao serviço do Al Hilal, onde esteve em duas ocasiões distintas sempre com Jorge Jesus.
Sampaio, que já tinha estado na Arábia Saudita em 2014/15 com José Morais no Al-Shabab, destacou a importância de Cristiano Ronaldo para o salto competitivo do campeonato saudita nos últimos anos. E prevê que mais jogadores do topo do futebol mundial se mudem para a Arábia Saudita nos próximos tempos.
Em 2018 era impensável que jogadores como o Cristiano Ronaldo ou o Neymar, por exemplo, fossem para a Arábia Saudita
Depois do Fenerbahçe, segue-se, de novo, o Al Hilal, onde tinham estado em 2018/19. Qual a principal diferença que notou nesta realidade saudita quando comparada com a primeira passagem da equipa técnica do Jorge Jesus?
Primeiro, uma capacidade financeira muito superior àquela que encontrámos em 2018. Segundo, a qualidade dos jogadores. Terceiro, a evolução em termos de infraestruturas que os clubes hoje em dia têm. Acho que essa evolução está a ser a todos os níveis. Mas, obviamente, o campeonato é muito mais competitivo porque também tem melhores jogadores. Isso nota-se claramente.
E se falarmos da época 2014/15 com José Morais parece que foi noutra vida…
Sim, porque também se alterou o número de estrangeiros que as equipas podem ter. Antigamente podiam ter três e depois cinco. Agora podem ter oito, mais dois sub-21 estrangeiros. Portanto, no fundo, podem ter 11 jogadores estrangeiros. Isso parece que não, mas faz toda a diferença. Também é preciso olhar que todas as equipas árabes sempre tiveram grandes jogadores nas suas equipas. Não eram tantos, mas sempre tiveram bons jogadores. Havia competitividade no campeonato, mas agora passou para outro nível, porque agora estão lá jogadores de classe mundial e que custam acima de 60 milhões de euros. Se calhar aqui há uns anos, em 2018, não porque não tivessem essa capacidade num ou noutro clube, era impensável que jogadores como Cristiano Ronaldo ou Neymar, por exemplo, fossem para a Arábia Saudita. Neste momento estão lá e outros querem ir.
Foi a chegada do Cristiano Ronaldo que deu o mote para o futebol saudita se tornar mais competitivo?
Claro que sim. Não nos podemos esquecer que há a questão financeira. Qualquer jogador, mesmo o Cristiano Ronaldo por muito dinheiro que tenha, ir ganhar o que vai ganhar para lá, com um projeto e um país que se debruçou sobre ele… E podendo catapultar o campeonato, ser o pioneiro… E estar num clube onde é útil, onde pode continuar a ser feliz e marcar golos. Isso ajudou a que outros depois o quisessem seguir. Mas desenganem-se. O Al Hilal fez proposta ao Messi e ao Mbappé e eles não quiseram ir. A capacidade financeira nem sempre consegue comprar a ideia ou a vontade desses jogadores. Mas obviamente que o Cristiano Ronaldo depois foi a bandeira para que todos os outros quisessem ir.
Até o andar na rua imagino que seja difícil para vocês…
No caso do Al Hilal, é o maior clube da Ásia. É engraçado falar sobre isto porque eu falava disso muitas vezes com o míster. Nós, às vezes, dávamos importância ao jogador local, mas nós não dávamos tanta importância, ou não valorizávamos tanto, por eles serem de um continente que nós desconhecemos. Mas a verdade é que nós, por exemplo, na nossa equipa tínhamos o melhor jogador da Ásia, que é equivalente ao melhor jogador da Europa. Portanto, aquilo é um continente e nós, às às vezes, não conseguíamos assimilar como é que isso se processava. Porque nós aqui, obviamente, olhamos para o Messi, para o Cristiano Ronaldo, para outros jogadores, identificamos logo que é um grande jogador na Europa. E lá nós não tínhamos essa mesma ligação, porque não víamos televisão, não entendíamos o que eles falavam. Saíamos da Arábia Saudita e eles eram extremamente reconhecidos porque são os melhores da modalidade naquele continente. Era normal, por a maioria dos adeptos serem do Al Hilal, que nós pudéssemos ser reconhecidos. Em relação ao míster, era impossível andar na rua sem conseguir parar para tirar fotos e tudo mais. Mas o próprio árabe não é uma pessoa de incomodar, lida bem com isso.
Depois de muitos anos na alta roda do futebol, o Márcio está, neste momento, numa situação pouco comum na sua carreira. Como é que se sente na condição de desempregado?
Não estou desempregado, estou à procura de emprego, é diferente (risos). Parece o mesmo, mas não é. Desempregado dá a sensação de que estou quieto à espera que o telefone toque. Estar à procura de emprego é estabelecer contactos para ver se calha. É uma situação diferente, mas é uma coisa pensada. Não estou completamente desesperado. Estou à espera do projeto certo. Às vezes as pessoas também podem não contactar porque acham que eu, por contratos que tive até aqui, sou uma pessoa muito cara. Não sou caro, mas não vou de borla. Acho que a minha experiência tem de ser paga também dentro daquilo que eu acho que é o mínimo. Neste momento, quero estar a aproveitar com família e depois também depende do projeto. Não quero ir para qualquer lugar. O meu currículo, não é que não me deixe, mas não me permite agora ir para qualquer lugar só para ir ganhar dinheiro. Tem de ser algum projeto que também me entusiasme.
Existiu algum receio nesta decisão de não querer renovar com o Al Hilal? Depois de ter estado vários anos ligado a Jorge Jesus, decidir partir a corda pode fazê-lo cair no esquecimento…
É uma boa pergunta, mas eu coloco a situação de outra forma. Muitas das vezes nós precisamos de nos desligar dessas pessoas. O facto de termos trabalhado com essas pessoas pode-nos dar confiança. Se nós trabalhávamos com esta pessoa, provavelmente vai ser mais fácil arranjar trabalho. Trabalhando com um grande treinador podem surgir outros convites. Essa questão nunca foi colocada por mim quando eu tomo a decisão. Hoje em dia também continuo a não pensar. Penso é o contrário. Tendo trabalhado com quem trabalhei não garante, por si só, um grande emprego, mas pode ser que surja mais facilmente uma oportunidade. Receio de sermos esquecidos todos temos. Eu também tive sempre a ideia de que não há insubstituíveis. O futebol é oportunidade. Eu já tive situações em que estive com contrato, sem contrato. Neste momento não tenho esse receio. Tenho tido até algumas abordagens, algumas situações, mas que eu não quis aceitar até aqui, porque eu tinha regressado há pouco tempo. No futuro logo se vê.
E há algum episódio nesta longa relação com o Jorge Jesus que possa destacar?
Tenho muitos, até dava para escrever um livro. Temos um episódio num almoço na Parede antes dele ir para o Brasil, em que o Jorge nos transmite que quer ir para o Flamengo. Perguntámos-lhe se não havia outra hipótese e ele disse que ia para o Flamengo e que ia ganhar tudo no Flamengo. Deve ter sido em maio, já que fomos para lá em junho. Nessa temporada, há um episódio que tem a ver com a meia-final da Taça Libertadores. Nós vamos jogar a meia-final da Libertadores com o Grêmio e nessa semana, se não me engano, nós vamos ao Palmeiras. Ele chama individualmente a equipa técnica, e questiona se trocava ou não trocava de equipa. Ou seja, fazer o jogo do campeonato com uma equipa e depois fazer a meia-final com outra equipa. Todos nós respondemos o mesmo e foi não trocar de equipa. Era para manter a mesma equipa porque estávamos quase a conquistar o campeonato. Se ganhássemos ficávamos a oito ou nove pontos de diferença, se não ganhássemos continuávamos com uma boa vantagem, mas seria menos se outros que vinham atrás ganhassem. Eu disse-lhe que trocava e ele perguntou: 'mas porquê?'. Porque nós já perdemos o campeonato com oito pontos de avanço. Achava que mais valia ganharmos logo o campeonato e depois olhava-se para na meia final, que era três ou quatro dias depois. Ele disse que eu estava maluco, que nós íamos ganhar a Libertadores. Ele trocou a equipa, ganhámos 3-0 ou 4-0 ao Palmeiras e depois vencemos 5-0 o Grêmio em casa e fomos à final da Libertadores. Foi um episódio marcante porque foi a convicção dele de, em maio, ter dito que ia para o Flamengo e ia ganhar tudo, e na meia final ter dito que trocava a equipa, coisa que ele não faz.
O que se vê a fazer no futuro? Ser recuperador físico como no início da carreira ou continuar como preparador físico?
A questão do recuperador físico e o preparador físico… São duas áreas que se cruzam e que são desempenhadas da mesma maneira. O que é importante dizer é que nos últimos anos, na equipa técnica do Jorge Jesus, fui tendo várias tarefas dentro daquilo que eram as minhas áreas da atuação. Nestes últimos anos, eu já era mais um como chamam agora um fisiologista. Era a pessoa que tratava de fazer a recuperação dos jogadores para o jogo, tratava dos parâmetros bioquímicos, da questão da termografia. Fazia o trabalho de recuperação dos jogadores lesionados, mas também fazia a preparação física, dentro da metodologia dele no campo, depois do Mário Monteiro ter saído da equipa técnica. Já tinha uma função demasiadamente alargada. Era também o responsável pelo controlo e análise do treino nestes últimos anos. Neste regresso à Arábia já era praticamente um head of performance. Controlava as outras pessoas que trabalhavam connosco, embora tratasse da questão do controlo e análise do treino. Dentro disso, vejo-me a fazer qualquer uma destas funções. No futuro não sei o que é que pode acontecer, mas, para já, é isso que eu vejo-me a fazer e dentro destas áreas.
Ser treinador principal está nas suas ambições para o futuro?
Esse é o passo mais fácil que todas as pessoas que saem da alçada de um grande treinador pensam dar. Eu não digo que não teria capacidades para o fazer. Nunca surgiu esse pensamento na minha cabeça, porque também nunca fui desafiado para isso. Também nunca me surgiu nenhum convite para o fazer. Seria normal que, em tantos anos em que bebi conhecimento do Jorge, pudesse desempenhar essas tarefas. Foquei-me tanto na minha tarefa e na minha área que nunca pensei em ser treinador principal. Não digo que no futuro não aconteça, mas neste momento, não me o vejo a fazer porque não estou com esse intuito. Se surgir algum convite, posso pensar. Mas, neste momento, não é isso que tenho mais em foco.
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