"Sou bissexual". Sara Norte faz revelação em direto
A comentadora foi uma das convidadas do programa 'Passadeira Vermelha' de 1 de novembro.
Notícias ao Minuto | 15:20 - 03/11/2024© Instagram/Sara Norte
Fama Sara Norte
Sara Norte é atriz desde os 12 anos. É no 'plateau' que se sente verdadeiramente completa, mas o sofá da sala de estar do 'Passadeira Vermelha' tem sido o seu palco nos últimos anos. É lá que se dá a conhecer ao público, sem interpretações nem personagens.
Sara é uma mulher livre, segura de si, mesmo que isso venha com um preço a pagar. Adora o que faz, mas precisa de uma oportunidade na representação.
Sara aprendeu cedo que há muito que se pode perder: as pessoas mais próximas, até a liberdade. Mas a liberdade de ser quem é, ninguém lhe pode tirar.
Tinhas partilhado há uns dias que estavas à procura de trabalho, entretanto já encontraste. O que vais fazer?
Neste momento consegui um trabalho para começar já, imediatamente (nos escritórios da YouHot Clinic). Em janeiro hei-de ter outro trabalho para os fins de semana (num restaurante). Vou acabar por conciliar vários trabalhos porque preciso, não é? Toda a gente precisa de trabalhar e também para ocupar a minha cabeça porque eu quando tenho muito tempo livre… A minha cabeça não para e faz-me mal. Preciso de gastar energia.
Já passei muito tempo só com o 'Passadeira' [Vermelha] que me ocupa muito pouquinho tempo. Tenho os dias inteiros por isso eu acho que, com 39 anos, estar parada o dia inteiro é estúpido porque a vida... Temos de viver, temos de trabalhar, temos de conhecer coisas novas porque senão tornamo-nos pessoas infelizes. É a minha forma de ver as coisas. Não gosto de ficar parada, nem posso. Eu não sou rica, não sou herdeira. Recebi muitas mensagens agora, de pessoas que têm dois, três trabalhos e têm filhos e, nesse sentido, eu sinto-me até uma privilegiada porque um dos meus trabalhos é sentadinha, não é aquele trabalho duro. Claro que exige cabeça, mas sou uma privilegiada. Posso dizer que é uma área em que já trabalhei.
Desde que surgiu a notícia da minha bissexualidade houve muitos ataques de ódio, mas também houve muitas pessoas a dar muito apoio.
Tiveste mesmo muita receptividade nas redes sociais quando colocaste que estavas à procura de trabalho?
Eu nunca pensei. E não foi por causa das coisas do trabalho. Desde que surgiu a notícia da minha bissexualidade houve muitos ataques de ódio, mas também houve muitas pessoas a dar muito apoio. Então, com isto do trabalho recebi mais de 1000 mensagens, assim uma coisa que não estava nada à espera, mensagens de apoio, de força, é dessas que me quero centrar.
Sou muito segura da minha sexualidade, muito segura de mim [...] Estava ali [no 'Passadeira Vermelha'] numa partilha sincera, não pensei que tomasse essas proporções. Fiquei triste porque pensava que havia mais liberdade [...] Há mesmo muita maldade, mas não é isso que me vai fazer demover.
Quando fizeste aquela partilha [sobre ser bissexual] no 'Passadeira Vermelha', fizeste-o porque sentiste necessidade de expor, de falar disso livremente, foi isso que te levou a assumir?
Eu acho que as pessoas não têm obrigação de assumir nada. Cada um faz aquilo que quiser da sua vida mas eu, neste momento da minha vida, sou muito livre, não tenho de estar a esconder, na minha perspectiva. As pessoas precisam de assumir o que são, sem problemas, mesmo que não seja publicamente.
Eu, neste momento, tenho 39 anos e já estou num momento da minha vida em que estou farta de ser o que as pessoas querem que eu seja, sou assim e, quem gosta gosta, e quem não gosta, não gosta e acabou. Há coisas que nós vamos mudando perante a nossa vida por nós e também por pessoas que nos rodeiam, nós vamos adaptando e, neste momento, eu assumi porque sim.
Estou no 'Passadeira [Vermelha]', não sou uma personagem, aquilo que eu sou ali, sou cá fora. Assumiria à frente do meu grupo de amigos e eu estava ali numa conversa de amigos, não tenho qualquer tipo de problemas. Sou muito segura da minha sexualidade, muito segura de mim, com muitos defeitos, muitas qualidades, mais até defeitos do que qualidades - mas é o que é. Estava ali numa partilha sincera, não pensei que tomasse essas proporções. Fiquei triste porque pensava que havia mais liberdade. Por aquilo que se fala, pelos movimentos que tem havido, fico triste, há muitas cabeças ocas e não só ocas, há mesmo muita maldade, mas não é isso que me vai fazer demover.
Os [comentários] que me magoaram não foram aqueles dirigidos a mim, mas sim ao meu namorado. "Coitado e agora vai trocá-lo por uma mulher"Sentes que é preciso figuras como tu para ajudar a quebrar algum preconceito?
Sem dúvida, sim! Quando fiz isso, nem foi com essa intenção. Cada um faz aquilo que quer com a sua vida. E não é uma escolha. As pessoas não escolhem ser homossexuais, as pessoas são assim, nascem assim.
Houve alguns comentários que te magoaram?
Os que me magoaram não foram aqueles dirigidos a mim, mas sim ao meu namorado. "Coitado e agora, agora vai trocá-lo por uma mulher…" Coisas sem sentido. Se eu tiver que trair, tanto traio com um homem como com uma mulher. Eu não sou poliamor. Tenho uma relação com um homem e se tivesse há oito anos com uma mulher, seria com uma mulher. Os comentários dirigidos a mim não me magoam, mas sim os dirigidos ao Vasco e à minha família, porque eu tenho estofo. Quando mexem com os meus, a situação já é um bocadinho diferente, fico revoltada.
Eu cheguei a chorar em direto, ali no 'Passadeira [Vermelha]' porque recebi uma mensagem no meio do programa a chamarem-me p***. Há dias em que não estás tão bem, há dias bons, dias maus e, naquele dia, eu realmente fui-me abaixo. Todos nós temos o nosso limite
E como é que a tua família reagiu, disseram-te alguma coisa?
O Vasco só disse que tem muito orgulho em mim. Ele não se sente melindrado, tem mesmo muito orgulho em mim. Dá-me sempre força, é mesmo o meu melhor amigo. Quando ele me conheceu há nove anos eu já era assim. Ele diz para eu não me deixar abater pelos comentários maldosos, porque ele viu que eu me fui abaixo.
Todos temos dias bons, dias maus e eu cheguei a chorar em direto, ali no 'Passadeira [Vermelha]' porque recebi uma mensagem no meio do programa [mensagem muito explícita, sobre prática sexual], a chamarem-me p***. Há dias em que não estás tão bem, há dias bons, dias maus e, naquele dia, eu realmente fui-me abaixo. Todos nós temos o nosso limite e naquele dia estava fragilizada, olha... Deitei tudo cá para fora e 'bora lá.
Eu já passei por coisas muito complicadas na minha vida e já decidi que não são comentários maldosos que me vão impedir de ser como eu sou. Há problemas na nossa vida, esses sim, que não podemos controlar, e nesses é que temos que depositar as nossas energias.
Não se pode perder a esperança, porque se se perde a esperança, perdes tudo. E entro num buraco, perco a vontade de viver, de ser feliz e eu não posso perder isso. Já perdi demasiadas vezes.E o teu pai, o que é que ele diz? Tem orgulho em ti?
O meu pai mantém-se um bocadinho à distância de tudo, a única coisa que ele diz é que as pessoas vão falar muito com ele na rua, a falar do 'Passadeira [Vermelha]', a dizer que gostam muito da minha frontalidade. Ele fica orgulhoso.
Depois de teres dito que eras bissexual recebeste uma carta anónima no correio, de alguém preconceituoso. Isso assustou-te?
Não me assustou muito, questionei-me foi como é que as pessoas se dão ao trabalho? Como é que está a mente daquela pessoa para fazer isso? Eu perco tempo a elogiar quem eu gosto, não perco tempo a fazer o contrário. A mim não me assustou. Se voltar a acontecer terei de ir a polícia e fazer queixa. [...] Deve ter sido alguém vizinho.
Quanto mais tempo passas sem trabalhar na tua área, menos tu te consideras ou começas a pensar: 'Será que eu tenho algum problema?' ou 'Será que eu não sou boa o suficiente?'
Tu fizeste este apelo do trabalho nas redes sociais, mas o que tu gostavas mesmo era de representar? Por que é que tu achas que não te chamam para mais papéis?
Eu não sei, eu quero acreditar que é porque realmente somos muitas atrizes. Da minha geração, somos. Algumas começaram mais tarde do que eu, eu comecei aos 12 anos mas, de facto eu quero acreditar que é porque não há tanta rotatividade e não há tantos papéis para atrizes da minha idade.
Mas isto, às vezes, mexe connosco porque quanto mais tempo passas sem trabalhar na tua área, menos tu te consideras ou começas a pensar: 'Será que eu tenho algum problema?' ou 'Será que eu não sou boa o suficiente?' Eu quero acreditar que é por causa disso, porque senão vou-me tornar numa pessoa revoltada e não quero. Já tive a minha fase de revolta e, neste momento, quero mesmo estar em paz e a forma de lutar contra isso é arranjar outros trabalhos e sentir-me útil em qualquer trabalho que eu faça.
Eu vou para um restaurante e vou com o mesmo espírito com que vou para um estúdio. Tem de ser assim porque senão enlouqueço, fico maluca. Quero acreditar que isso é uma fase e que espero que, brevemente, volte a ter trabalho. Quero acreditar que sim. Não se pode perder a esperança, porque se se perde a esperança perdes tudo. Entro num buraco, perco a vontade de viver, de ser feliz e eu não posso perder isso. Já perdi demasiadas vezes. Há três anos fui-me muito abaixo com a morte da minha irmã e deixei de acreditar em tudo e eu não quero voltar a estar assim, não posso.
Qual é que era o teu papel de sonho?
Eu não tenho nenhum papel de sonho. Eu encaro cada papel como o meu papel de sonho. De qualquer papel, tu consegues fazer um grande papel, não há papéis pequenos. Encaro um papel mais pequeno da mesma forma que encaro um papel grande. Qualquer oportunidade é importante. E, neste momento, não estaria em posição de recusar qualquer papel.
Eu sei comportar-me. Eu sei trabalhar. Eu chego, faço o meu trabalho e vou para casa. Mas se calhar veem-me como a 'Sara do Passadeira' e não como atriz, mas eu espero que essa barreira passeAchas que, às vezes, a tua forma livre de te exprimires e o facto de seres comentadora do social te fecha alguma porta?
Eu acho que sim, talvez sim. Talvez as pessoas, ao verem-me ali e também como eu tenho uma personalidade muito frontal possam ter receio de me contratar. Nós ali estamos muito expostos, não somos personagens, mas o que têm que considerar é que eu trabalho deste os 12 anos e sou filha de atores. Eu sei comportar-me. Eu sei trabalhar. Eu chego, faço o meu trabalho e vou para casa. Mas se calhar veem-me como a 'Sara do Passadeira' e não como atriz, mas eu espero que essa barreira passe e as pessoas me comecem a ver como 'Sara atriz', que quer trabalhar, que sempre trabalhou e que é a minha profissão.
Quando saí da prisão, ninguém queria ser meu agente
Tu bates à porta de diretores, realizadores?
Eu tenho o meu agente e é o trabalho dele fazer isso. Já houve alturas da minha vida que tive que bater à porta. Eu lembro-me que, quando saí da prisão, ninguém queria ser meu agente. E eu tive de bater à porta e falar com diretores. Mas em Portugal não são feitos tantos castings assim. Para a maioria dos papéis as atrizes são escolhidas pelo nome. Acho que não é vergonha nenhuma pedirmos trabalho, ou pelo menos, pedir uma oportunidade.
Ainda pesa [o facto de ter estado presa]. Se há preconceito no nosso meio? Ainda há muito, infelizmente [...] É muito triste
Achas que o teu passado, nomeadamente a questão da prisão, é uma coisa que ainda pesa?
Ainda pesa. Por exemplo, nos comentários do 'Passadeira [Vermelha]' é a primeira coisa que usam para me atacar. Ainda temos uma sociedade muito retrógrada. Eu, mesmo assim, tenho oportunidades, mas há muitas pessoas que saem da prisão e ninguém lhes dá oportunidades. Eu sou sortuda porque ainda consegui ter essa oportunidade. Talvez pela visibilidade que tenho. Agora se há preconceito no nosso meio? Ainda há muito, infelizmente. Não tanto como no início, porque eu tenho noção que as coisas mudaram desde que estou no 'Passadeira [Vermelha]'. É muito triste, sim.
Os três anos a seguir à morte da minha irmã foram muito complicados para mim, muito complicados. Não reagi da melhor forma
De que forma é que os acontecimentos mais tristes da tua vida marcam a pessoa que és hoje?
Aquilo que eu aprendi, na minha vida, é que vamos tendo momentos bons e maus. Hoje em dia eu já não cobro os momentos maus. Os três anos a seguir à morte da minha irmã foram muito complicados para mim, muito complicados. Não reagi da melhor forma. Hoje penso que tenho que viver cada dia da melhor forma que conseguirmos. Aprendi também que não podemos fazer planos. E dizer sempre às pessoas que gostamos delas, nunca deixar nada por dizer. Não é cliché, é mesmo verdade.
Por mais coisas que eu faça, as pessoas vão-me sempre atirar com coisas que já se passaram há anos. Eu sempre admiti tudo, eu nunca fugi, paguei por issoMudavas alguma coisa no teu passado, o que é que farias diferente?
Talvez tivesse pedido ajuda quando precisei, aos 18 anos, quando me senti perdida, se calhar tinha pedido ajuda. Foi quando saí de casa, saí de casa muito cedo. Quando era miúda achava que sabia tudo, que conseguia tudo. Mas se calhar isso também mudava aquilo que eu vivi.
Quando recebes comentários negativos, isso faz-te duvidar da pessoa que tu és?
Da pessoa que eu sou eu não duvido. Mas às vezes penso, por mais coisas que eu faça, as pessoas vão-me sempre atirar com coisas que já se passaram há anos. Eu sempre admiti tudo, eu nunca fugi, paguei por isso, sou uma mulher livre. Não me deixo ir abaixo.
Quando estás mais triste, de forma espiritual ou religiosa, tu pedes ajuda às pessoas que já partiram?
Muito, muito sim. Penso e sei que elas estão comigo, acompanham-me sempre, estou sempre acompanhada e muito protegida por elas. Não é só nos momentos maus, é também nos momentos bons, é nos momentos de alegria.
Atacar alguém pelo seu corpo é tão básico e eu no 'Passadeira [Vermelha]' recebi comentários... meu Deus. A dizer que estava prenha, que tinha as mamas até à cintura, estou-me a marimbar. E quando dizem alguma coisa, levo um vestido ainda mais justo
Recebes também algumas críticas em relação ao teu corpo, és uma mulher segura de ti?
Sem dúvida, sempre fui, eu estou no ginásio porque precisava. Eu sou atriz e estava a perder a mobilidade, o meu trabalho é estar sentada. Fui fazer análises e realmente estava com uns níveis de colesterol mais elevados e comecei a voltar a cuidar de mim. Mas eu sempre me senti muito bem comigo, sempre andei com biquinis e minissaias e tudo. Não é por estar mais gordinha que não posso usar um vestido mais justo. Se eu quiser usar é um problema meu. O importante é eu estar bem da minha cabeça e ter saúde. Ser saudável do corpo e da cabeça.
Atacar alguém pelo seu corpo é tão básico e eu no 'Passadeira [Vermelha]' recebi comentários... meu Deus. A dizer que estava prenha, que tinha as mamas até à cintura, estou-me a marimbar. E quando dizem alguma coisa, levo um vestido ainda mais justo. Eu visto-me como eu quiser e bem me apetecer. Não é um corpo que vai definir o que eu vou vestir.
Já passei [por assédio] quando era miúda, tinha cerca de 17, 18 anos. E acho que muitas mulheres têm que falar. Tem de se perder o medo. Digo eu que também tenho medo de falar
Um dos assuntos que está na ordem do dia é a acusação de um pianista de assédio e abuso sexual. Já trabalhas no meio há muito tempo, já passaste por alguma situação deste género?
Sim, já passei [por assédio] quando era miúda, tinha cerca de 17, 18 anos. E eu acho que muitas mulheres têm que falar. Muitas mais mulheres, tem que se perder o medo. Digo eu que também tenho medo de falar porque, infelizmente, vivemos num mundo em que se duvida das vítimas. A maioria das vezes ainda se acusa as vítimas. Tem-se muito medo e porque não há união, as pessoas têm muito medo das consequências. Mas eu acho que não é só na música, é em todos os meios. E eu acho que se devia fazer uma investigação profunda em todos os meios.
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