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"Necessidade de limitar uso de telemóveis no ensino básico é inequívoca"

O Governo recomendou que os telemóveis sejam proibidos nas escolas do 1.º e 2.º ciclos, até aos 12 anos. Em conversa com o Lifestyle ao Minuto, a presidente da Sociedade Portuguesa de Psicossomática, Patrícia Câmara, considera que restringir os 'smartphones' em contexto escolar pode ter benefícios, mas admite algumas reservas.

"Necessidade de limitar uso de telemóveis no ensino básico é inequívoca"
Notícias ao Minuto

27/09/24 07:40 ‧ Há 4 Horas por Ana Rita Rebelo

Lifestyle Entrevista

"Entregar as crianças ao mundo digital sem nenhum adulto que as acompanhe no processo de descoberta e sem limitação temporal é oferecer uma espécie de chucha tóxica", defende Patrícia Câmara, presidente da Sociedade Portuguesa de Psicossomática, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, a propósito da recomendação feita pelo Governo às escolas para não permitirem o uso de telemóveis nos 1.º e 2.º ciclos, até aos 12 anos.

 

Apesar de considerar que "a necessidade de limitar o uso de telemóveis no ensino básico é inequívoca", a psicoterapeuta admite ter algumas reservas sobre a medida. "A minha reserva prende-se principalmente com a forma como esta recomendação vai ser posta em prática. Se for feita sem reflexão conjunta e sem envolvimento dos alunos, tenho pouca esperança nos seus resultados."

Para já, não existe nenhuma diretiva oficial. Quer isto dizer que a decisão cabe a cada estabelecimento de ensino. Porém, recorde-se que o Executivo não fechou a porta a uma eventual proibição do uso de 'smarthphones' em contexto escolar, em função dos resultados obtidos.

Notícias ao Minuto Patrícia Câmara, presidente da SPPS© Sociedade Portuguesa de Psicossomática

Este é um tema que divide opiniões. Concorda com a recomendação feita pelo Governo ou, no limite, reconhece-lhe pertinência?

Apesar da divisão de opiniões relativamente à questão da recomendação de proibição, a importância de rever a forma como são utilizados os telemóveis, especialmente os 'smartphones', parece ser consensual e devia sê-lo em qualquer idade, assim como é urgente repor uma atitude ética nos conteúdos que esses mesmos telemóveis põem à disposição.

Refere-se à regulamentação de conteúdos?

Sim. A ausência de responsabilidade social na regulamentação dos conteúdos implica que o nível de maturidade para aceder a um smartphone seja ainda maior do que nos poderia parecer. A necessidade de limitar o uso de telemóveis no ensino básico é inequívoca. Saber a pertinência ou veracidade das informações veiculadas, perceber o impacto dos conteúdos partilhados em chats e conhecer os benefícios e malefícios que o mundo online pode trazer são questões que podem e devem ser trabalhadas desde o primeiro ciclo, mas adaptadas a essa etapa do desenvolvimento e, para este fim, não são necessários telemóveis, mas sim computadores.

A viagem pelo mundo digital deve começar acompanhada pedagogicamente e nunca deverá ter como função máxima a ausência relacional ou o desaparecimento do momento presente, como tantas vezes vemos acontecer. Entregar as crianças ao mundo digital sem nenhum adulto que as acompanhe no processo de descoberta e sem limitação temporal é oferecer uma espécie de chucha tóxica que não só não autonomiza como causa dependência. 

Leia Também: Governo recomenda às escolas banir uso de telemóvel nos 1.º e 2.º ciclos

Um dos argumentos usados para esta recomendação é o de que a dependência digital põe em causa o desenvolvimento da empatia. É assim?

Os primeiros anos da vida e da vida na escola são a base de todo o desenvolvimento psicológico, social, afectivo, motor e, como é já do conhecimento geral, o desenvolvimento saudável depende da qualidade das relações estabelecidas. É na e da relação com os outros que nos vamos tornando pessoas. A invasão de 'smartphones' no espaço escolar não parece trazer nenhuma vantagem significativa dentro da sala de aula e fora dela. O tempo de brincar e aprender a gerir e digerir as relações com os outros e conosco mesmos fica altamente comprometido. 

Ou seja, é uma recomendação pertinente?

Sim, mas deve ser acompanhada de uma explicação ativa junto das crianças, em especial nas do segundo ciclo, para que a proibição não nos dê a nós adultos uma falsa sensação de segurança e para que não se torne uma imposição sem escuta daquilo que as próprias crianças vão sentindo o debate deve acontecer de forma clara.

 Faz parte do processo de crescimento a capacidade de estar só, mas não a de estar entregue a si mesmo agarrado a qualquer coisa que parece oferecer companhia, mas que, maior parte do tempo, só aumenta a solidão

Que vantagens encontra?

São muitas, principalmente no espaço de recreio. Os tempos 'mortos' podem voltar a existir, o que é mais importante do que imaginamos. Ter tempo para parar e brincar é tão fundamental como aprender a ler. Como sabemos, os algoritmos condicionam toda a informação que recebemos e normalmente conduzem-nos a um infinito que se abre infinitamente para lugar nenhum, isto é, sucedem-se vídeos, músicas e outras informações e desinformações que nos afunilam em estímulos sensoriais intensos e sempre na mesma direção, não nos dando a ver outras perspetivas. Não nos aparece o diferente e, sem o outro que é diferente, o desenvolvimento psicossocial não tem como não ficar comprometido e a empatia é o que mais sofre. 

Colocarmo-nos no lugar do outro é o expoente máximo do desenvolvimento emocional - ouso dizer, da humanidade - e a escola deve ter a função de estimular verdadeiramente esse movimento criando momentos onde a relação entre as crianças possa existir sem o intermédio do mundo digital. 

Leia Também: Telemóveis nos 1.º, 2.º e 3.º ciclos? Eis as recomendações do Governo

Está confiante em relação a estas eventuais limitações dos telemóveis nas escolas ou tem reservas?

A minha reserva prende-se principalmente com a forma como esta recomendação vai ser posta em prática. Se for feita sem reflexão conjunta e sem envolvimento dos alunos, tenho pouca esperança nos seus resultados. Temo que crie também uma falsa sensação de segurança nos adultos e que o comprometimento com a utilização madura e responsável dos smartphones continue a ser esquecida.

O que é que os telemóveis estão a fazer às crianças? 

As crianças não deixaram de brincar, por exemplo, mas brincam muito menos e é notório, em algumas situações, a existência de síndrome de privação associado à ausência do acesso aos telemóveis, bem como alterações no desenvolvimento psicomotor e psicoafectivo, existindo já alterações neurológicas significativas. Faz parte do processo de crescimento a capacidade de estar só, mas não a de estar entregue a si mesmo agarrado a qualquer coisa que parece oferecer companhia, mas que, maior parte do tempo, só aumenta a solidão. 

O entusiasmo dos pais pela vida, pode ajudar a despertar os seus filhos para o mundo externo e, assim, melhor o seu mundo interno

O que é que os pais podem fazer para que os telemóveis não se tornem um problema para as crianças?

Podem ajudá-las no processo de aprendizagem da utilização dos telemóveis e, acima de tudo, brincar com elas e criar atividades de conjunto para viver melhor os tempos de aparente inatividade. Podem também repensar aquilo que consideram segurança e talvez começar a limitar a sua própria necessidade de as ver quietas, fomentando momentos de maior procura pela vivência da inquietude e curiosidade pela vida. 

Limitar o tempo de acesso ao telemóvel também é importante, mas mais importante ainda é mostrar o mundo que existe fora dele. O entusiasmo dos pais pela vida, pode ajudar a despertar os seus filhos para o mundo externo e, assim, melhor o seu mundo interno, a sua sensação de bem-estar.

Os telemóveis, em especial os 'smartphones', podem ser boas ferramentas para a vida e o próprio trabalho, mas urge repensar a forma como estão a ser utilizados e o lugar que estão a ocupar nas nossas vidas. Questionar a importância de suportar não estar 'ligado' e a possibilidade de estar ligado é, na minha perspetiva, a pedra de toque do momento que vivemos.

Leia Também: Entrei na faculdade, e agora? Falámos com uma psicóloga e reunimos dicas

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