Ucrânia? Analistas com dúvidas sobre eficácia de tropas norte-coreanas
A presença de soldados norte-coreanos ao lado da Rússia contra a Ucrânia levanta questões táticas e militares e suscita dúvidas entre os analistas quanto à eficácia e aos verdadeiros objetivos.
© SERGEY BOBOK/AFP via Getty Images
Mundo Perguntas e respostas
O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou na quinta-feira que os soldados norte-coreanos já tinham "participado nas hostilidades" e sofrido baixas.
O porta-voz do Kremlin (presidência russa), Dmitri Peskov, evitou hoje a questão.
A Coreia do Norte nunca enviou tropas para combater no estrangeiro, sobretudo por recear que desertassem ou fizessem comparações perturbadoras com exércitos estrangeiros.
"O regime teme que os seus soldados adotem ideias 'incorretas'", disse Fyodor Tertitsky, da Universidade Kookmin de Seul, na Coreia do Sul.
Que unidades estão no terreno?
Citando os serviços secretos, o chefe da diplomacia norte-americana, Antony Blinken, já tinha mencionado um destacamento norte-coreano na região russa de Kursk, atacada pela Ucrânia em agosto.
Segundo Blinken, estão equipados com uniformes russos e treinados em artilharia, 'drones' e operações de infantaria, incluindo a limpeza de trincheiras, o que demonstra que Moscovo "tem todas as intenções de utilizar estas forças em operações de primeira linha".
Carne para canhão ou forças especiais? Os analistas sul-coreanos preferem a segunda opção.
"Se as baixas são parte integrante da guerra, de que serve enviar tropas incompetentes (...) para as treinar?", declarou à AFP o presidente da Universidade de Estudos da Coreia do Norte de Seul, Yang Moo-jin.
Pyongyang "deve mostrar a eficácia e as capacidades operacionais dos seus soldados para maximizar os resultados do seu destacamento", concordou Lim Eul-chul, da Universidade de Kyungnam em Changwon (sul).
Volume limitado?
Os números não são verificáveis, mas o Ocidente estima em cerca de 10.000 - ou 11.000, segundo Kyiv - o número de tropas norte-coreanas destacadas.
O número representa cerca de 10 dias de combates, segundo as estimativas de baixas russas.
"Se a Rússia tem problemas de mão-de-obra, serão precisos muitos mais soldados norte-coreanos para os resolver", afirmou o general australiano reformado Mick Ryan.
Outros objetam que este volume não será negligenciável se os soldados permanecerem na região de Kursk.
As forças especiais norte-coreanas conseguem "suportar condições difíceis, mesmo quando a comida e outros recursos são escassos", disse Lim.
São "mentalmente resistentes e rigorosamente treinados", acrescentou.
A barreira da língua
Podem os soldados ir para a guerra com tradutores? "Podem ser úteis", mas a falha de comunicação "pode e vai ser um problema durante o combate", disse o general Ryan.
Há inúmeras questões organizacionais: os norte-coreanos vão destacar soldados e comandantes? Serão autónomos ou integrados em unidades russas? E para que tarefas?
"Os serviços secretos ucranianos afirmam que os norte-coreanos chegaram à Rússia com 500 oficiais e três generais", disse Ivan Klyszcz, do Centro Internacional de Defesa e Segurança (ICDS), na Estónia.
"Isto poderia facilitar a comunicação se os generais norte-coreanos e russos conseguissem trabalhar em conjunto, mas, nesta fase, há demasiadas incógnitas para se ter certezas", acrescentou.
Que experiência têm?
As forças especiais de Pyongyang são treinadas sobretudo para evitar um golpe de Estado, com "comissários políticos [que] aprovam todas as decisões militares", disse Fyodor Tertitsky.
"Resta saber se este sistema pesado será modificado para as necessidades da guerra na Ucrânia", o que seria "impossível sem o acordo pessoal de Kim Jong-un", o líder norte-coreano, referiu.
As tropas norte-coreanas não combatem desde 1953 e é provável que sofram perante os ucranianos, que estão em guerra há dois anos e meio.
O exército de Kim apoia-se nas massas, um modelo de guerra do século XX, com 30% da população empenhada (ativa, reserva e paramilitar), disse Ivan Klyszcz à AFP.
Mas "mesmo que o seu regime comunista continue a ser uma espécie de avatar ultrapassado do modelo soviético", esta preeminência das massas "tornou-se estranhamente relevante de novo no século XXI", referiu.
Inteligência sul-coreana no limite
O destacamento norte-coreano será espiado e analisado de todos os ângulos.
"A partilha de ensinamentos sobre o combate moderno, em particular a utilização integrada de 'drones', mísseis balísticos e mísseis de cruzeiro, será de grande interesse para a Coreia do Norte", disse Mick Ryan.
Citou também a guerra eletrónica e "os conhecimentos adquiridos com as armas ocidentais recuperadas na Ucrânia".
Mas o inverso também é verdade: no meio das tensões na península, "Seul parece querer aproveitar a oportunidade para obter informações sobre o seu inimigo", defendeu Fyodor Tertitsky.
Tanto mais que o encerramento da fronteira durante a pandemia de covid-19 reduziu consideravelmente a chegada de refugiados do Norte ao Sul, que são a "principal fonte de informação" de Seul sobre o vizinho.
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