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Acordo de Schengen ameaçado por medo das migrações, diz investigadora

A especialista em estudos sobre paz internacional e conflitos Ainhoa Ruiz Benedicto defende que a sobrevivência do espaço Schengen está ameaçada porque os Estados querem controlar os movimentos das pessoas sob o argumento do reforço da segurança.

Acordo de Schengen ameaçado por medo das migrações, diz investigadora
Notícias ao Minuto

16/11/24 11:07 ‧ Há 4 Horas por Lusa

Mundo Migrações

O Acordo de Schengen, que em 1985 concretizou o sonho de abolir as fronteiras internas da maior parte da Europa, está em risco de colapsar, esmagado por muros de betão que continuam a multiplicar-se perante o medo e os receios que têm sido associados às migrações.

 

A realidade, explica à agência Lusa a especialista, é que "a circulação de pessoas começa a ser encarada como uma ameaça à segurança" e frisa que essa perceção não está apenas relacionada com pessoas de fora da União Europeia (UE), mas "também com aquelas que se deslocam dentro da área de livre circulação".

O conceito de que "é preciso controlar para onde as pessoas vão e porque se mudam" é "legitimado por narrativas de que é para a nossa própria segurança", diz a investigadora do Centro Delàs de Estudos para a Paz, organização com sede em Barcelona (Espanha), que é também cofundadora do Observatório de Fronteiras BreXTa.

"Claro que isso ameaça o espaço Schengen", sublinha.

Considerado um dos maiores feitos da UE -- a par da zona euro -- o espaço de livre circulação Schengen permite que mais de 420 milhões de pessoas de 29 países trabalhem, estudem, passeiem, troquem bens e serviços sem impedimentos.

Um pilar do bloco europeu que foi intocável até 2015. Mas que atualmente está muito fragilizado. Talvez irremediavelmente.

O primeiro abalo aconteceu em 2015/2016, quando a guerra civil na Síria obrigou milhares de refugiados a tentar encontrar segurança na Europa.

Países como a Alemanha defenderam os direitos das pessoas a ser acolhidas e protegidas da violência da guerra, mas outros, como a Hungria, a Áustria ou a Suécia abriram a caixa de Pandora: a necessidade de reintroduzir controlos temporários nas suas fronteiras, quebrando a ilusão de que Schengen era um pilar inatacável.

Nessa altura, voltaram a pedir-se passaportes, autorizações, vistos e não tardou a serem construídos muros.

"Em 2015, o número de muros cresceu de cinco para 12 e, em 2017, chegou-se aos 15. De facto, 10 Estados passaram a ter muros nas suas fronteiras para impedir a imigração", descreve Ainhoa Ruiz Benedicto no estudo "Levantando Muros", realizado em conjunto com o investigador Pere Brunet, também do Centro Delàs.

Depois veio a covid-19, que encarnou a exceção inscrita no acordo: uma pandemia e confinamento obrigatório permitem aos países fechar fronteiras com o aval de todos.

Mas agora, quando faltam sete meses para o Acordo de Schengen completar 40 anos, a sua existência está mais em causa do que nunca.

"Desde 2018, foram construídos quatro novos muros entre os Estados-membros da União Europeia e o espaço Schengen", avança a investigadora.

"Um pela Letónia, que já tinha construído um muro em 2015, em plena crise migratória, mas que construiu outro na sua fronteira com a Bielorrússia", outros "dois iniciados pela Polónia em 2021 e 2022, e mais outro começado pela Finlândia em 2023", enumera.

Nos três casos, o argumento é "a tensão territorial com a Rússia e os seus aliados, como a Bielorrússia" depois de Moscovo ter invadido a Ucrânia em 2022, explica a investigadora, frisando que a questão de migração continua sempre implícita.

Atualmente, sublinha Ainhoa Ruiz Benedicto, continuam a nascer mais projetos e "só há planos para derrubar um muro, o que foi construído em 2015 entre a Eslovénia e a Croácia". Embora não esteja confirmada a sua derrocada, o plano foi anunciado em 2023.

Para a investigadora, a ideia de derrubar muros fronteiriços pode indicar que essas barreiras físicas estão a deixar de ser necessárias, não porque as políticas tenham mudado, mas "porque estão a ser desenvolvidas outras políticas fronteiriças", às quais chama "paredes virtuais", ou seja tecnologias "para controlar, monitorizar, rastrear e armazenar dados sobre os movimentos das pessoas".

E não só. Segundo a investigadora, as rotas de migração que mais têm crescido são as que atravessam o mar e por isso há um grande investimento nas chamadas "muralhas marítimas", criadas através das operações de patrulhamento do Mediterrâneo, onde países como a Itália adotam cada vez mais restrições à entrada de refugiados, chegando mesmo a proibir os navios humanitários que resgatam os migrantes em risco de vida de atracar nos seus portos.

Estes aumentos de controlo "são-nos vendidos sob a ideia de que são para a nossa segurança, mas sabemos que um terrorista tem meios e recursos para contorná-los ou pode simplesmente chegar através de rotas regulares", diz Ainhoa Ruiz Benedicto.

A especialista adverte, no entanto, que a culpa destes conceitos espalhados pela Europa "não é totalmente da extrema-direita".

Estas políticas, lembra a investigadora, têm vindo a ser desenvolvidas desde os anos 1990, e "a verdade é que não houve ninguém, para além das organizações não-governamentais e de alguns centros de investigação, a combatê-las e defender que queremos construir uma Europa de direitos humanos".

Entre o setor político, "poucos partidos fazem propostas alternativas", até porque "não sabem como abordar esta questão", considera a especialista em estudos sobre paz e conflitos.

O grande problema é que "a extrema-direita vai começar a fazer propostas que até agora pareciam impossíveis - como é o caso da construção de centros de detenção de migrantes na Albânia [pela Itália] -, mas que se vão tornar coisas normais", conclui.

Leia Também: Imigração foi pilar da campanha de Trump. Quais as propostas?

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