Escolas no Líbano são agora "lugares de sobrevivência", diz Unicef
As escolas no Líbano deixaram de servir para a aprendizagem e tornaram-se "lugares de sobrevivência" para milhares de crianças deslocadas, exaustas e a precisar de apoio psicológico, numa "infância em espera", descreveu hoje o porta-voz da Unicef.
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Mundo Médio Oriente
Ao fim de quase dois meses desde que Israel intensificou os seus ataques contra o movimento xiita Hezbollah no Líbano, James Elder relatou, em entrevista à agência Lusa a partir de Beirute, que as centenas de escolas convertidas pelas autoridades para receber uma multidão de deslocados continuam cheias, ao mesmo tempo que lamenta que o financiamento para as apoiar esteja muito aquém das necessidades.
"Ainda são centenas e centenas de milhares de crianças violentamente deslocadas das suas casas", segundo o porta-voz do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), e, sobretudo agora que chegou o tempo frio e começou a chover, permanecer nas ruas deixou de ser opção, com "toda a gente à procura abrigo em algum lugar".
Este "grande contingente" de deslocados nos abrigos improvisados levou a que "as escolas deixassem de ser locais de aprendizagem" para se tornaram "lugares de sobrevivência" para estas pessoas que perderam tudo e estão exaustas, numa sucessão de momentos críticos nos últimos cinco anos no Líbano, que incluem um colapso financeiro, as explosões no Porto de Beirute, a pandemia de covid-19 e, mais recentemente, as hostilidades entre Israel e Hezbollah.
"Conheci hoje uma mulher com um bebé de seis semanas que nasceu no abrigo e nunca saiu de lá. Ela simplesmente está totalmente exausta por tentar começar uma nova vida com bebé em tempo de guerra, numa sala com mais 10 pessoas, a partilhar uma casa de banho com outras 50, e esta é a situação de todos agora na região de Beirute", contou.
Apesar de o Governo libanês ter dado início parcialmente, nos primeiros dias de novembro, às atividades letivas interrompidas pela guerra, o porta-voz lamentou que este regresso gradual às aulas "não cubra de forma alguma" o número de estudantes e que centenas de escolas vão manter-se como abrigos enquanto a guerra perdurar.
James Elder lastimou igualmente que, para responder às suas atividades em várias frentes no Líbano, o financiamento esteja 20% abaixo do orçamentado, o que significa "um défice crítico e que muitas necessidades não serão satisfeitas", sendo uma das principais o apoio psicológico a traumas de guerra.
Como as crianças na Faixa de Gaza, devastada por mais de um ano de guerra entre as forças israelitas e o grupo palestiniano Hamas, as expressões são as mesmas no Líbano, assinalou, quando, por exemplo, se escuta um avião de combate a ultrapassar a barreira do som ou bombardeamentos em grande escala como aqueles que sacudiram os arredores sul de Beirute na terça-feira e que destruíram 11 edifícios.
Em suma, as crianças "têm o básico" para sobreviver, mas não conseguem acesso à educação, nem ajuda em saúde mental, o que as coloca numa situação de "infância em espera".
Segundo as autoridades libanesas, mais de 1,2 milhões de pessoas estão deslocadas e acima de três mil morreram em mais de um ano de guerra, a maioria no último mês e meio. A Unicef alertou por sua vez que pelo menos uma criança morreu por dia e dez ficaram feridas desde 04 de outubro, elevando o total para 166 mortes e cerca de 1.170 menores feridos neste conflito.
Por outro lado, a invasão terrestre encetada pelas forças israelitas desde 01 de outubro no sul do Líbano deixou vastas regiões numa situação de segurança muito precária, apesar da presença de uma força internacional de paz da ONU (FINUL), cujos militares são também atacados.
Numa fase em que o conflito se está a expandir, James Elder disse que as agências das Nações Unidas ainda conseguem aceder às populações vulneráveis nas regiões, mas o Líbano continua a registar "deslocações em massa" e na última semana voltou a haver novos grandes movimentos da população, o que, associado mais uma vez à falta de fundos, leva a que "o pacote completo de assistência não possa ser cumprido".
Outro problema é "não haver uma linha da frente clara e ninguém sabe ao certo para onde ir, porque nenhum lugar é seguro" e ignora-se quanto tempo esta situação se vai manter.
Quando se fala de deslocados num contexto violento, "isso significa que se está a separar famílias, que se abrigam em alojamentos precários, que não há crianças na escola, significa 'stress' e exaustão e isso não é uma vida", observou o porta-voz, adicionando que, apesar de diferenças claras - como os cerca de 400 mil refugiados sírios que o conflito no Líbano empurrou de volta para a guerra civil no seu país -, há também "paralelos assustadores" neste quadro com a Faixa de Gaza.
"São semelhanças realmente preocupantes", segundo James Elder, que elenca desde logo "o grande número de pessoas deslocadas" mas também "ataques indiscriminados a matar crianças, a ideia de não se saber para onde ir e os bombardeamentos a infraestruturas críticas" das quais dependem centenas de milhares de menores.
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