"Bode expiatório" e "arguido". O que disse Lacerda Sales sobre as gémeas
O ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde António Lacerda Sales é o primeiro a prestar depoimento
Marta Amorim com Lusa | 14:08 - 17/06/2024© Leonardo Negrão/Global Imagens
País Caso das gémeas
O ex-presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, confirmou este domingo que vai depor na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o caso das gémeas luso-brasileiras tratadas com um medicamento milionário em 2020, no Hospital Santa Maria, em Lisboa. Até ao momento, foram ouvidas dez pessoas na CPI e, esta semana, soube-se também que o ex-primeiro-ministro, António Costa, irá responder aos deputados por escrito e que a ex-ministra da Saúde, Marta Temido, será ouvida no final de setembro.
Assim, mais de um mês depois do início das audições, quem já foi ouvido e quem falta responder à Comissão Parlamentar de Inquérito?
António Lacerda Sales, ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde, foi o primeiro a prestar declarações, a 17 de junho. Na sua audição, afirmou não estar "disponível para servir de bode expiatório num processo político e mediático" e recusou responder às questões por estar a decorrer um processo judicial sobre o caso, no qual é arguido.
Seguiu-se, dias depois, Daniela Luzado Martins, mãe das gémeas, que, ao longo de cinco horas, respondeu às várias questões dos deputados. Afirmou que chegou a "acreditar" que tinha conseguido o tratamento para as filhas "a mando do Presidente da República", através de um "pistolão (cunha)", mas só porque era o que se "dizia" no hospital, rejeitando ter contactado com Nuno Rebelo de Sousa, filho de Marcelo Rebelo de Sousa.
A ex-ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, foi também ouvida, a 25 de junho, e defendeu que os serviços não encontraram "nenhum tipo de influência" para acelerar o processo de atribuição de nacionalidade portuguesa às gémeas e que esteve teve "tramitação normal".
Cerca de uma semana após a audição à mãe das gémeas, a 28 de junho, foi ouvido o seu advogado, Wilson Bicalho, que recusou responder às questões dos deputados, alegando que um parecer da Ordem dos Advogados o impedia. No entanto, na sua intervenção inicial acusou os deputados de "covardemente confrontarem" a sua cliente, com uma "mentira calculada", promovendo um "assassinato mediático" sem "compaixão humana".
Nuno Rebelo de Sousa foi ouvido a 3 de julho e, à semelhança de Lacerda Sales e de Wilson Bicalho, não respondeu às questões - mais de 20 vezes. Numa primeira intervenção, o filho do Presidente da Repúbica explicou que o seu silêncio seria "integral" devido ao "conselho profissional" que recebeu dos seus advogados, uma vez que foi constituído arguido numa investigação ao caso. Assim, perante as perguntas dos vários partidos, limitou-se a responder: "Pelas razões referidas, não respondo".
Uma semana depois, a 10 de julho, foi ouvida Filomena Rosa, presidente do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN), que afirmou que o processo de atribuição de nacionalidade às gémeas foi regular e recusou qualquer interferência para a sua agilização.
A ex-secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, foi ouvida a 19 de julho e disse também que a atribuição de nacionalidade "decorreu de forma normal e transparente" e recusou que o processo tenha sido célere.
Já esta semana, foram ouvidas três outras pessoas, entre os quais dois membros da Casa Civil do Presidente da República.
Na terça-feira, 23 de julho, Fernando Frutuoso de Melo, chefe da Casa Civil do Presidente da República, garantiu que "não houve qualquer tratamento de favor por parte da Presidência da República" e explicou que decidiu "deliberadamente omitir" que a solicitação à Casa Civil havia sido feita por Nuno Rebelo de Sousa para evitar "pressão".
No dia seguinte foi ouvida Maria João Ruela, consultora para os Assuntos Sociais, Sociedade e Comunidades da Casa Civil do Presidente da República, que frisou que o caso "tratado de forma idêntica" a outros e que cessou a troca de correspondência com Nuno Rebelo de Sousa em poucos dias. Lamentou ainda a "polémica" que se instalou, mas disse que "faria tudo da mesma maneira".
O antigo chefe de gabinete de António Costa, Francisco André, foi o último a ser ouvido na CPI antes de uma pausa para férias. Na passada quinta-feira, referiu que o procedimento seguido no caso das gémeas "foi o habitual", e que São Bento encaminhou para o Ministério da Saúde um ofício da Presidência da República.
Quem falta ouvir na Comissão Parlamentar de Inquérito?
A CPI ao caso das gémeas irá agora entrar num período de férias durante o mês de agosto, retomando os trabalhos em setembro.
A 13 de setembro, será então ouvido por videoconferência o ex-cônsul de Portugal em São Paulo, Paulo Jorge Nascimento. Cerca de duas semanas depois, a 27 de setembro, será ouvida a ex-ministra da Saúde Marta Temido.
Já o ex-primeiro-ministro, António Costa, vai responder "por escrito" à comissão de inquérito. Segundo o presidente da comissão, Rui Paulo Sousa, os deputados "cada grupo parlamentar vai fazer até ao máximo de 10 perguntas até 6 de setembro, que serão enviadas para o antigo primeiro-ministro", que terá depois um período de dez dias para responder.
O ex-presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, vai também depor na Comissão Parlamentar de Inquérito, mas presencialmente, não havendo, para já, uma data marcada.
Além das já referidas, a comissão ainda aprovou, entre outras, as audições da jornalista Sandra Felgueiras e da ex-presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte e atual ministra da Saúde, Ana Paula Martins.
O que está em causa?
Na base da polémica está o tratamento, em 2020, de duas gémeas residentes no Brasil, que adquiriram nacionalidade portuguesa, com o medicamento Zolgensma. Com um custo total de quatro milhões de euros (dois milhões de euros por pessoa), este fármaco tem como objetivo controlar a propagação da atrofia muscular espinal, uma doença neurodegenerativa.
O caso foi divulgado pela TVI em novembro passado e está ainda a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), tendo a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) já concluído que o acesso à consulta de neuropediatria destas crianças foi ilegal.
Também uma auditoria interna do Hospital Santa Maria concluiu que a marcação de uma primeira consulta hospitalar pela Secretaria de Estado da Saúde foi a única exceção ao cumprimento das regras neste caso.
A 4 de dezembro do ano passado, na sequência de reportagens da TVI sobre este caso, o Presidente da República confirmou que o seu filho, Nuno Rebelo de Sousa, o contactou por e-mail em 2019 sobre a situação das gémeas.
Nessa ocasião, Marcelo Rebelo de Sousa deu conta de correspondência trocada na Presidência da República em resposta ao seu filho, enviada à Procuradoria-Geral da República, e defendeu que deu a esse caso "o despacho mais neutral", igual a tantos outros, encaminhando esse dossiê para o Governo.
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