Voluntária portuguesa em Valência: "O odor mistura-se com tanta tristeza"
Uma jovem portuguesa rumou a Paiporta, uma das zonas mais afetadas pelas inundações em Espanha, para ajudar as vítimas. Ao Notícias ao Minuto conta como é feito o processo de voluntariado e o ambiente que se vive naquela localidade espanhola. "Há gente que está a ponto de transbordar um rio de lágrimas a qualquer momento", lamenta.
© JOSE JORDAN/AFP via Getty Images
País Cheias em Espanha
A comunidade de Valência, no sul de Espanha, foi assolada por inundações provocadas pelo fenómeno meteorológico DANA, no passado dia 29 de outubro. Até ao momento, há registo de mais de 200 mortos e dezenas de desaparecidos. Há também um número incontável de casas e infraestruturas destruídas e, face à falta de capacidade de resposta das autoridades, milhares de voluntários rumaram às zonas mais afetadas para ajudar. Uma delas foi a portuguesa Catarina Pedro, que conta ao Notícias ao Minuto que só percebeu que "não foram umas simples chuvadas" quando chegou ao local.
Catarina, de 29 anos, nasceu e residiu a maior parte da sua vida em Portugal, mas encontra-se há vários anos na capital espanhola, Madrid, de onde saiu rumo a Paiporta, uma das zonas mais devastadas pelas inundações.
"Vim sem saber ao que vinha. Confiei que apenas com uma pá e uma vassoura poderia ajudar e foi exatamente isso que aconteceu", contou-nos. "Quando cruzei a ponte que une Valência às zonas afetadas, comecei a perceber que o que tinha acontecido não foram umas simples chuvadas".
O dia começa cedo em Valência, pelas 7h00. Antes de partir para as zonas afetadas onde ajudará sobretudo a limpar as casas que outrora estiveram inundadas, Catarina, que se encontra instalada num "quarto cedido para os voluntários da DANA", equipa-se com roupa que "cubra bem os membros superiores e inferiores, máscaras e luvas e, claro, umas botas".
"Há que ter em consideração todos os riscos para a saúde de cada um e de maneira a que todos possamos ajudar de forma responsável. Redobramos o uso de luvas e de máscaras, colocamos uma bata que nos cubra o corpo e, se possível, colocamos sacos de plástico - os mesmo que usamos para o lixo - nos pés antes de calçarmos as botas e atamos com fita-cola para não entrarmos em contacto com o barro", explicou a jovem ao Notícias ao Minuto.
Depois, é feito o caminho até às zonas mais críticas, que poderá ser feito a pé ou de autocarro. Mais de uma semana após a catástrofe, andar a pé continua a ser a "melhor solução" porque "o trânsito é demasiado e os autocarros estão demasiado cheios".
Começa então o processo de limpeza das habitações, de onde - além de água, lama e barro - são também retiradas memórias de famílias inteiras. "O odor mistura-se com tanta tristeza que creio que ainda pesa mais quando há que acartar baldes e baldes de livros, roupas, louças partidas e muita coisa que os donos preferem nem saber o que está tapado pela sujidade", lamentou.
Ao Notícias ao Minuto, a jovem portuguesa revelou também um dos relatos de uma vítima que mais a impactou. Foi de uma senhora de 62 anos, que disse que "jamais esquecerá o trauma".
A minha única solução foi abraçar-me a uma árvore e pedir a Deus que me desse a mão"
"'Depois de um dia de sol, fiz a minha vida de forma normal. Sem ter recebido qualquer aviso, fui ao dentista pelas 17h30. Quando saí, começou pouco a pouco a subir-me a água pelas pernas acima e a minha única solução foi abraçar-me a uma árvore e pedir a Deus que me desse a mão'", lamentou a vítima a Catarina, enquanto a jovem voluntária portuguesa a ajudava a carregar algumas doações até casa.
Passaram exatamente nove dias desde que Espanha - e o mundo - acordou com a notícia de que as cheias haviam provocado um rasto indescritível de destruição. Mas, apesar de os dias passarem, a dor e a memória das populações continua tal como no primeiro dia.
"Há gente que está a ponto de transbordar um rio de lágrimas a qualquer momento. A todo o momento comenta-se a má gestão perante os primeiros dias!", conta a voluntária. "Felizmente há muitos voluntários a ajudar! Se não fosse todo o trabalho voluntário, ainda haveria muitos horrores".
Recorde-se que o leste de Espanha, em especial a região de Valência, foi atingido na noite de 29 de outubro por um forte temporal que causou uma das maiores catástrofes naturais do país. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, afirmou tratar-se de uma "situação trágica" e reconheceu que houve uma resposta insuficiente das autoridades.
De acordo com o mais recente balanço, 219 pessoas morreram e 93 continuam desaparecidas na sequência das inundações. A maioria das vítimas mortais é da região autónoma da Comunidade Valenciana, onde estão confirmados 211 mortos. Na região de Castela La Mancha, numa zona vizinha da Comunidade Valenciana, morreram mais sete pessoas e há ainda uma vítima mortal na Andaluzia.
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