"Cruel". Psicóloga condenada a 5 anos de prisão por abandonar pai doente
O tribunal deu como provado que "a arguida não só negou a prestação de cuidados básicos ao seu progenitor, como procurou impedir que terceiros, vizinhos e instituições de solidariedade social assumissem essa sua obrigação legal (resultante da sua qualidade de filha e do contrato de doação)".
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País Justiça
Uma psicóloga foi condenada a cinco anos de prisão por ter deixado o pai, de quem era a única familiar, ao abandono, durante cerca de quatro anos. O idoso, que morreu aos 90 anos no final de março, não recebia visitas ou telefonemas da filha desde a morte da esposa, em 2020. De facto, a mulher deixou de acompanhar o progenitor, que "estava completamente dependente do auxílio de terceiros", e privou-o de alimentação, de cuidados de higiene e de apoio social, que considerava "desnecessários". Além disso, também se apoderou de mais de 27 mil euros provenientes de pensões do pai.
Inicialmente, a mulher foi condenada a pena suspensa durante cinco anos, decisão que foi alvo de recurso por parte do Ministério Público (MP). Conforme indica um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 11 de setembro, o organismo considerou que "só uma pena efetiva de prisão é cogitável neste caso".
O tribunal deu como provado que "a arguida não só negou a prestação de cuidados básicos ao seu progenitor, como procurou impedir que terceiros, vizinhos e instituições de solidariedade social assumissem essa sua obrigação legal (resultante da sua qualidade de filha e do contrato de doação)". A mulher também "explorou economicamente o seu pai, gastando a reforma e a pensão de sobrevivência que lhe foram atribuídas para satisfazer os seus gastos pessoais, votando-o a um total abandono".
Além disso, "a arguida não revelou a menor empatia ou sensibilidade em relação ao sofrimento que causou à vítima", e assumiu, em audiência de julgamento, "uma postura de distanciamento perante os factos e de auto desresponsabilização, desprezando os deveres que sobre si impendiam", mediante "um discurso desculpabilizador, manipulador e autocentrado". Mostrou, por isso, "uma enorme ilicitude e uma personalidade deformada, cruel e sem qualquer empatia pelo próximo".
O idoso, que era diagnosticado com "diabetes mellitus tipo 2, dislipidémia, colelitíase, microlitíase renal, e declínio cognitivo associado à idade (demência)", chegou a ser sinalizado pelo Serviço de Acompanhamento Social da localidade em que residia, em 2021, tendo em conta a "precariedade das [suas] condições de vida".
"Constatou-se, então, que a habitação apresentava inadequadas condições de higiene, persistindo no ar um cheiro nauseabundo – proveniente, designadamente, da urina do gato do idoso e também deste, e da falta de limpeza geral da habitação –, o seu frigorífico se encontrava vazio, toda a sua roupa se mostrava suja e maltratada, sendo ainda notório que permanecia ele meses sem tomar qualquer banho ou efetuar outro tipo de higiene corporal", detalhou o tribunal.
As funcionárias contactaram a filha do idoso "por diversas vezes", mas a mulher "recusou a possibilidade de intervenção de qualquer entidade de apoio social ao seu pai, alegando ser essa intervenção completamente desnecessária".
Ainda que tivesse o cartão bancário do pai na sua posse, a mulher deixou, a certa altura, de suportar as contas do fornecimento da água, da eletricidade e do gás. Em pelo menos duas ocasiões, o idoso ficou "privado de gás na sua habitação, tendo sido socorrido por um seu vizinho, que tratou de lhe adquirir e entregar as referidas botijas de gás".
No total, a filha ter-se-á apoderado de 27.025,98 euros provenientes das pensões do pai para "pagamento das suas próprias despesas pessoais", e nunca fez uso dos "fundos existentes na mencionada conta bancária para fazer face aos custos dos serviços de qualquer instituição ou pessoa que prestasse apoio domiciliário" ao progenitor.
"Uma vez que a arguida não providenciou pessoalmente, no sentido de disponibilizar as refeições, limpeza da casa e cuidados de higiene ao seu pai, o idoso continuou a beneficiar de apoio domiciliário e refeições, apoio e serviços esses que permanecem ainda sem qualquer pagamento", lê-se.
Perante estes factos, o tribunal considerou que uma pena de cinco anos de prisão "pode ser considerada leve", já que a mulher é "uma pessoa – letrada - que nem sequer assume os atos que praticou e muito menos revela qualquer capacidade de autocrítica".
"Se esta situação tivesse ocorrido numa cidade de maiores dimensões, em que os vizinhos não se conhecem e nem se apercebem do que se passa, ou não se importam, nem teria havido qualquer auxílio de terceiros e redundaria, provavelmente, era mais um caso em que, alertados os vizinhos por um cheiro nauseabundo, as autoridades iriam encontrar um idoso morto em casa há semanas – desta feita, não por não ter familiares próximos mas por ter uma filha maltratante por omissão", apontou.
Os desembargadores argumentaram, por isso, "não ser possível efetuar-se uma prognose favorável a esta arguida, sendo a ameaça da pena insuficiente para evitar que a mesma volte a cometer este ou qualquer outro tipo de crime".
Além da pena de cinco anos de prisão, a mulher foi também condenada a frequentar um programa de reinserção social e a pagar 2.987,04 euros a uma Instituição Particular de Solidariedade Social, 2.500 euros à Cruz Vermelha Portuguesa e 2.500 à Casa do Povo da região em que o idoso residia.
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