"Nunca apresentei um flop televisivo. Ainda hoje aguardo explicações"

Muito mais do que uma artista que ao longo das últimas décadas tem proporcionado gargalhadas ao público, Marina Mota é uma pessoa de força e de uma certa rebeldia. Dona do seu nariz, gosta de se envolver com os que a rodeiam, em jeito de tributo à sua herança como menina de Alcântara.

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© Teatro Politeama

Mariline Direito Rodrigues
14/06/2018 08:30 ‧ 14/06/2018 por Mariline Direito Rodrigues

Fama

Marina Mota

Encontrámo-nos com Marina Mota no final de tarde de uma quinta-feira, dia de espetáculo no Politeama. Sentada à frente do espelho, preparava-se para receber o público que tanto a acarinha. Marina leva muito a sério a sua presença em palco. A sua longa experiência na "escola das tábuas", como gosta de dizer, trouxe-lhe um compromisso com a arte. 

'Eu saio na próxima e você?' é o nome da peça na qual, neste momento, brilha ao lado do colega e amigo João Baião, também já veterano nestas lides.

A menina que cresceu em Alcântara tornou-se uma mulher de grandes paixões, como foi aquela que teve com Carlos Cunha, com quem foi casada durante 14 anos, e outra que viveu com o antigo futebolista Oceano. Não se importava de voltar a encontrar o amor e sorri com a possibilidade, até porque estar apaixonada é uma "sensação maravilhosa".

Marina fala da arte, do teatro e da nova geração de artistas. Fala da televisão e do desprezo que sentiu quando, sem explicações, foi afastada de funções como produtora. 

Ainda se sente ansiosa antes dos espetáculos?

Não. Sinto alguma responsabilidade de mais um espetáculo, mas não é uma ansiedade que me tire o discernimento.

Como está a viver esta peça de teatro?

Acho que até excedeu um pouco as minhas expectativas, porque é uma peça perigosa, com dois atores num palco gigante como é o do Politeama. Esta casa tem um historial, assim como eu e o João, de fazer parte de musicais (eu mais de revista até). Esses são espetáculos sempre com muita gente e aqui só contamos connosco. Digamos que não era uma receita garantida, por isso fico muito feliz que o público esteja a aderir tão bem. 

E porque é que as pessoas devem vir ver a peça?

Porque é um espetáculo que tem a assinatura do Filipe La Féria em primeiro lugar, parte-se do princípio que é uma coisa bem cuidada e de bom gosto. É um espetáculo divertido, são duas horas de puro entretenimento. Ao final do dia as pessoas podem respirar fundo, divertirem-se um pouco e regressarem a casa bem dispostas.

Como é trabalhar com o João Baião?

Não é a primeira vez que trabalhamos juntos, embora também não sejam muitas mais, é para aí a terceira. Costumo dizer que é sempre fantástico quando trabalhamos com amigos, não é obrigatório, mas se eventualmente conseguirmos conciliar o bom profissionalismo à amizade que temos cá fora, tudo se torna mais fácil. Trabalhar com o João é incrível, porque ele é uma pessoa com uma energia completamente inigualável, é um excelente anfitrião do espetáculo, o público adora a simpatia que tem e a forma como os recebe e temos muita empatia a contracenar.

É no palco que a Marina se sente em casa?

Sinto-me em casa dentro de um teatro, até num camarim me sinto em casa. No palco sinto-me em casa, mas é o meu local de trabalho e é uma responsabilidade acrescida face a estar aqui completamente relaxada [no camarim].

Não terei a mesma ingenuidade, mas tenho a mesma infantilidade, às vezesE o que é que ainda tem daquela menina de Alcântara?

Tenho muita coisa. Não terei a mesma ingenuidade, mas tenho a mesma infantilidade, às vezes. A vontade de partilhar as minhas coisas, a simplicidade e humildade que essa menina tinha ainda consigo manter.

E quais são as primeiras memórias que guarda desse tempo?

Lembro-me de uma família feliz, humilde mas feliz. Lembro-me de uma casa pequena onde cabia toda a gente. Lembro-me de um bairro onde os vizinhos se cumprimentavam todos uns aos outros. São memórias boas…

E essas coisas perderam-se?

Acho que sim. Hoje em dia as pessoas se calhar não conhecem o vizinho de cima, estão muito mais desligadas, às vezes muito mais agarradas à tecnologia. Esse espírito de bairro já não é tão fácil de encontrar.

Quando se estreou no teatro, em 1982, estava nervosa?

Estava, seguramente.

Fazer um concerto agora traz-me uma carga de responsabilidadeLembra-se desse dia?

Lembro-me de algumas coisas, mas é natural que eu esteja sempre mais nervosa quando vamos estrear alguma coisa. Se calhar estava muito mais nervosa, por exemplo, no dia do Caixa Alfama, porque não canto com regularidade e fazer um concerto agora traz-me uma carga de responsabilidade... nem é responsabilidade, é mais insegurança de uma coisa que tenho feito com esta [pouca] assiduidade. Há 36 anos que represento e cantar eu faço nos espetáculos nos quais participo, mas é raro fazer um concerto sozinha.

A sua primeira revista chamava-se ‘Chá & Porradas’. Quem é que hoje merecia ‘chá e porradas’?

Continua a merecer a mesma coisa que nós criticávamos na altura: os políticos… aliás, eu costumo dizer que nós na revista tínhamos uma característica especial: a crítica social e política do país e do mundo. Mudou muita coisa, mas no básico falávamos de coisas que ainda hoje são completamente atuais.

Como por exemplo?

Os incêndios. Lembro-me de em 1996/1997, quando fiz o ‘Marina Dona Revista’ na SIC, dediquei uma abertura a chamar a atençãoque um dia acordaríamos e não haveria Portugal, porque ele ardia todos os anos um bocadinho. Na realidade já passaram 20 anos e continuamos a falar no mesmo.

Estive 10 meses em tratamento, tomava 23 comprimidos por dia

Em 1985 foi diagnosticada com tuberculose e mesmo assim continuou a trabalhar. 

Por acaso foi uma coisa curiosa – e isto é anti-pedagógico, agora pode dizer que estou a fumar canetas eletrónicas – fumo desde os 10 anos de idade e o curioso é que aos 23 anos decidi deixar de fumar, portanto, nem cigarros fumava na altura. E foi precisamente nessa altura que eu tive a tuberculose pulmonar. Na altura, falou-se de uma carne que não tinha sido devidamente inspecionada e que foi talvez a causa. Não sei se foi o meu caso, mas sei que foi o que aconteceu. Estive 10 meses em tratamento, tomava 23 comprimidos por dia e passou. Trabalhei ainda no dia em que descobri que estava com tuberculose, depois a empresa conseguiu 'substituir-me' e regressei passados três meses.

Em 1989 participou no Festival da Canção…

É verdade e mais uma vez isso foi uma graça. Havia um senhor com uma discográfica recente que queria que eu gravasse um disco de música ligeira e surgiu esse possibilidade de ir ao Festival. Foi uma experiência engraçada.

E voltava a fazê-lo?

Não, hoje em dia não. Acho que o Festival não tem sequer o impacto que tinha há alguns anos.

Mesmo agora com a vitória do Salvador Sobral?

Foi um caso isolado no ano passado. Este ano ficámos em último lugar. Também já tivemos a Dulce Pontes, a Sara Tavares, a Lúcia Moniz que conseguiram bons lugares. Acho que devíamos ser mais cuidadosos nas músicas e nos cantores que nos representam.

Sente que há falta de qualidade?

Às vezes, sim, não estou a referir-me a este ano, especificamente, até porque não seria uma opinião justa, de facto não vejo o Festival com regularidade. Não tenho assistido porque alguém me empurrou para fora, ou seja, deixei de assistir porque deixei de achar interessante.

Mas sente essa falta de rigor também na nova geração de artistas?

Há.

Aparece uma fornalha de gente nas artes que não percebo de onde é que vem Em que aspetos?

Em todos, mas também não é só a gente jovem que tem culpa. Também têm culpa as pessoas de poder que põem as pessoas a aparecer em lugares em que não deviam estar. Endeusam-nas de uma forma como se fossem as melhores do mundo e acabaram de chegar. Obviamente que há uns muito talentosos tão jovens como outros, não vou dizer que é tudo igual. Mas de facto aparece uma fornalha de gente nas artes que não percebo de onde é que vem. Porque hoje em dia qualquer pessoa canta, representa. E mais uma vez sublinho que não tenho formação teatral, não andei na escola de teatro, mas andei na escola das ‘tábuas’. Antigamente nós iamos à televisão depois de provarmos que tínhamos um currículo de tábuas, com experiência que nos levava até lá. Agora é exatamente o inverso: aparece gente na televisão que nunca fez nada na vida e é logo posta em lugar de protagonista. Daí às vezes termos carreiras tão efémeras. Há pessoas que têm um ‘boom’, depois daqui a cinco ou seis anos ninguém fala delas.

Pensa que há pessoas que escolhem esta profissão mais pelo fascínio do que pode trazer?

Claro que sim. 90% das pessoas que vêm para esta profissão fazem-no pela luz e pela fama.

E pedem-lhe conselhos?

Tenho poucos a dar. Dou conselhos aos meus amigos, mas a pessoas que não conheço não. Hoje em dia há muita gente que não quer ouvir conselhos, até porque acha que sabe tudo.

Ainda vê televisão portuguesa?

Muito raramente.

O que é que vê?

Netflix.

Mas porquê?

Gosto de fazer televisão, agora sinto que há produtos que são muito industrializados, é tudo tão imediatista que há pouco trabalho a fazer. Acho sinceramente que as grelhas de televisão são muito pouco equilibradas. Gosto da novela, até porque de vez em quando participo em algumas, mas acho que há espaço para sermos mais diversificados naquilo que apresentamos ao espectador e isso não tem acontecido.

Não sei se os produtos que gosto de produzir terão cabimento na fábrica de fazer salsichas que somosGostava de voltar à televisão?

Eu não saí da televisão, deixei de produzir em televisão. Não sei se os produtos que gosto de produzir terão cabimento na fábrica de fazer salsichas que somos, que é vamos fazer rápido e depressa. Aí, o nível de exigência é relativo.

Nos anos 1990 quando apareceu havia esse nível de exigência?

Eu pelo menos sempre me considerei exigente no que faço. Também se calhar porque posso dizer que nunca apresentei um flop televisivo e ‘canto de galo’. Talvez seja a única produtora no país em que todos os programas que produzi estiveram no top de audiências, sem exceção. 

E produzir para televisão, gostava de voltar a fazê-lo?

Não lhe sei responder. Teria de me readaptar ao mercado e tentar perceber como é que funciona agora.

Ainda hoje aguardo explicaçõesSentiu-se desvalorizada na altura, quando deixaram de apostar no seu trabalho como produtora?

Sem dúvida, aliás, ainda hoje aguardo explicações. Consegue explicar-me como é que uma produtora que não apresentou um flop televisivo e que estava no top de audiência não produz mais?

E essas pessoas não quiseram dar-lhe explicações?

Eu também não peço. Digo mas é a quem me faz a pergunta que pergunte a quem de direito. Não tem nada a ver com a faixa etária das pessoas. As pessoas que se chegam ao pé de mim são dos oito aos 80 anos. No outro dia veio aqui um menino que se chama Francisco com nove anos que me vê no YouTube, porque eu deixei de produzir para televisão em 2003, ainda ele não era nascido.

O que mais a irrita enquanto figura pública?

A devassa da privacidade, a especulação, a falta de respeito.

Comecei a sentir a partir da década de 1990, com a minha separação do Carlos CunhaQuando é que sentiu esse maior desrespeito?

A partir da década de 1990, com a minha separação do Carlos Cunha. A partir daí nunca mais comprei uma única revista, não existe imprensa escrita em minha casa. Depois fui desvalorizando e ainda hoje desvalorizo totalmente. Não é só quando nos toca a nós que sabemos avaliar o que está certo ou errado. É parar numa bomba de gasolina e ser confrontada com capas horríveis de figuras públicas e de como são tratadas na imprensa nacional.

Na altura a imprensa escreveu o que ‘não devia’ acerca da sua separação?

Como em qualquer separação. Ainda por cima na altura estava no auge televisivo, por isso é muito fácil ser alvo do que querem dizer a nosso respeito.

Eu que não tenho nada de vedeta, no significado feio da palavra, aí tenho de considerar que sou uma pessoa importanteE como é que lidou com essa separação?

Lidei como tenho lidado com tudo na minha vida. Eu que não tenho nada de vedeta, no significado feio da palavra, aí tenho de considerar que sou uma pessoa importante, porque se não fosse não falavam de mim.

A Marina sempre se mostrou uma mulher bastante decidida, como é que isso influenciou as suas relações?

Acho que influenciou muito positivamente, acho que se tenho uma relação de 14 anos com o Carlos Cunha e de 10 anos com o Oceano (aquelas que são públicas) e se mantenho uma amizade fortíssima com qualquer um dos dois parece-me que o balanço é super positivo.

 As pessoas antes de serem um casal são acima de tudo pessoas que se querem bemE como é que se mantém essa amizade? Por que razão é tão difícil para outros casais?

Porque se calhar não são amigos, civilizados, não sei explicar isto de outra forma. As pessoas antes de serem um casal são acima de tudo pessoas que se querem bem. Se são fantásticas antes, como é que são horríveis depois? Isso é que não consigo perceber. Devo achar que o meu caso não é vulgar, mas tenho que o considerar normal. Quando as pessoas são acima de tudo bem formadas e esclarecem e conversam não há razão para não ficar uma amizade posterior.

Voltava a casar?

Não faço a mínima ideia. Não tenho isso em perspetiva, mas pode acontecer.

Estar apaixonada é uma sensação maravilhosa que eu já não sinto há muitos anosÉ uma mulher de paixões, portanto…

Sou, sem dúvida. Estar apaixonada é uma sensação maravilhosa que eu já não sinto há muitos anos. Não tenho medo de ficar apaixonada, tenho é pena.

Como é a avó Marina?

Não sou a avó tradicional… quando fui avó, os meus netos brincavam comigo, porque achavam estranho não usar óculos, não ter cabelo branco. Não sou condescendente, pelo contrário, sou bem mais rigorosa. Acho bom porque não tenho a responsabilidade de os educar.

Qual a grande lição que lhes passou?

A boa formação, a boa educação. E no que fazem, o rigor e a disciplina.

Reconheço que sou uma mulher de 55 anos, não vou ao ginásio, tenho pouco cuidado comigoSente os efeitos da passagem do tempo?

Valorizo tudo aquilo que consegui, porque foi com mérito e trabalho. Não me sinto fisicamente diminuída, ou seja, tenho um problema no joelho direito que mantenho desde a minha adolescência mas que se agravou com a idade. Tenho limitações a nível estético. Se me olhar ao espelho reconheço que sou uma mulher de 55 anos, não vou ao ginásio, tenho pouco cuidado comigo, mas é o aspeto exterior, de facto.

Nunca teve medo das rugas?

Não é uma coisa que me agrade. Vivo bem com isso, mas não há a fonte da juventude e tenho de aceitar que envelheço.

Disse que estava a fumar cigarros eletrónicos. É uma tentativa de deixar de fumar?

É uma tentativa de aliviar o cansaço que sinto devido ao cigarro. Então experimentei o cigarro eletrónico, precisamente porque este espetáculo é duro fisicamente. Para além disso acho horrível ir jantar fora e ter de vir à rua para fumar cigarros. Percebo mas é difícil aceitar. Como é que uma coisa tão nociva para a saúde continua a vender-se livremente? Essa lei que considero hipócrita irrita-me um bocadinho. Como gosto de fumar, a caneta eletrónica é uma coisa que não incomoda os outros e pelo menos não sou tão posta de lado. E é por uma questão de saúde.

Nunca teve um plano B na sua vida?

Não, porque não fui eu que escolhi esta profissão, costumo dizer que foi ela que me escolheu. Não pensei em ser atriz, fadista, não pensei em ser coisa nenhuma. Comecei a cantar fado por brincadeira e acabei por cantar profissionalmente, estreei-me na revista como atração nacional só para cantar fado e acabei por ser atriz. Estreei-me na televisão como atriz e acabei por ser produtora. Portanto, isto tem-me acontecido mas não por busca minha.

E mudava alguma coisa no seu percurso?

Teria mudado muita coisa, aliás, nós quando fazemos essa pesquisa só a fazemos porque estamos para além do futuro e podemos comparar. Agora… o que eu sou hoje é o resultado de todas as escolhas que eu fiz no meu passado. Mudaria alguma coisa, mas só agora, depois de ter provado aquilo que escolhi.

O que é que ainda lhe falta fazer?

Ainda deve faltar muita coisa... [risos]

Neste caso o que é que gostava de fazer?

Gostava de continuar a viajar.

 

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