"Nunca tive brinquedos nem nada. Os nossos brinquedos era o trabalho"
Nel Monteiro esteve à conversa com Daniel Oliveira, entrevista que foi transmitida este sábado, 4 de julho.
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Fama Nel Monteiro
Nel Monteiro viveu fortes emoções, tendo ficado muitas vezes com os olhos em lágrimas, durante a conversa com Daniel Oliveira, que foi transmitida este sábado, 4 de julho, no programa 'Alta Definição', da SIC.
A entrevista começou com o destaque para a fase difícil que o mundo atravessa por causa da pandemia da Covid-19. "Estamos parados para o nosso próprio bem. Cumprirmos as regras que nos são impostas pela Direção Nacional de Saúde é uma obrigação que temos que ter para connosco, para com os outros e para com o mundo", afirmou o cantor.
De seguida, recuou à infância, marcada pela pobreza. "Às vezes tínhamos que andar a pedir", confessou, explicando que a mãe "era uma pessoa muito doente, tinha problemas cerebrais".
"Vivi quase sem a minha mãe", partilhou, explicando que o pai faziam 30 quilómetros para ir trabalhar e que ficava muitas vezes sozinhos durante dias, em criança, tendo dormido muitas vezes em casa de vizinhos. "Nem rádio tinha", recordou.
"Fui criado praticamente só com sopa. Nunca tive brinquedos nem nada. Os nossos brinquedos era o trabalho, mas os meus colegas também", contou, destacando que vivia num lugar "muito pobre", onde não tinha acesso a eletricidade nem a água.
"As mães dos meus colegas, para terem água, perdiam meio dia para ir buscar um caneco", disse, explicando que outro método usado para conseguir ter água era guardar a "água da chuva" e depois "fervê-la".
Quando era pequeno, Nel Monteiro "tinha o sonho de um dia ser condutor". "Tanto que andei a conduzir dez anos sem carta", revelou, contando que quando tinha 13-14 anos já conduzia tratores nas vinhas onde trabalhava.
A morte do pai - "Chorei muito por dentro"
Foi há mais de 25 anos, em 93, que o cantor viu partir o pai. Momento marcante que recordou durante a entrevista.
"Enterrei o meu pai com urgência porque [depois] embarquei para o Luxembrugo para fazer um espetáculo", lembrou. "Fiz o espetáculo alegre, não mostrei a minha tristeza, fiz tudo por tudo para dar o meu melhor, cantei, saltei... e no fim disse à multidão: 'Ficaram satisfeitos comigo? Era o que queriam? Eu também estou satisfeito porque enterrei o meu pai hoje, vim fazer este espetáculo como vocês viram, cheio de alegria, mas a chorar por dentro'. Fingi muito, fiz um grande espetáculo, mas chorei muito por dentro", desabafou.
Recordações que guarda da mãe
Já a mãe de Nel Monteiro morreu quando este ainda era um jovem adulto. "Penso nela porque a minha mãe para me dar a vida, a sua vida perdeu. E é verdade. A minha mãe deu a vida dela pela minha. Quando cheguei ao pé dela, doente no hospital, pensava que lhe ia dar uma grande alegria, mas dei-lhe uma grande tristeza. Quando lhe disse que estava feliz porque tinha sido aprovado para o serviço militar - era no tempo da Guerra Colonial... Ela já tinha problemas mentais e depois deixou de comer", lembrou, explicando que a mãe viveu muitos altos e baixos nessa altura.
"Até que morreu com desgosto porque pensava que eu ia morrer na guerra. Não morri na guerra, mas ela morreu", partilhou.
A tropa e as profissões que desempenhou antes de chegar aos palcos
O tempo em que esteve na tropa foi "duro", tendo feito três anos de serviço militar obrigatório. Mas antes desta fase, Nel Monteiro já tinha tido muito trabalho, como nas vinhas ou na construção civil. Falando mais precisamente do trabalho que desempenhava nas quintas, na Régua, como "trabalhador rural", o cantor descreveu: "Era eu, mais uns colegas, o meu pai e outros pais, juntávamos ali todos e éramos leiloados. Íamos para quem desse mais".
O pequeno-almoço, que na altura chamavam almoço, era "uma sardinha salgada assada que era dada à segunda-feira e tinha que dar até sábado". "O pão éramos nós que levávamos. Depois à tarde era uma tigela de arroz com feijão ou massa com feijão", recordou, referindo que trabalhavam todos os dias, tanto à chuva como ao sol, "sempre com a mesma roupa durante toda a semana". E para passar o fim de semana em casa tinham de fazer um percurso de 30 quilómetros a pé. "Agora estou feliz porque aí aprendi a minha universidade", afirmou.
Depois de ter feito serviço militar, trabalhou como empregado de mesa, tendo chegado mais tarde aos palcos.
Miséria? "Nunca pedi dinheiro a ninguém"
O artista falou ainda dos rumores que surgiram na imprensa cor de rosa que alegavam que estava na "miséria". "Na miséria estamos todos, tudo o que é artes", salientou, referindo-se a esta fase da pandemia.
"Nunca pedi dinheiro a ninguém. Já emprestei dinheiro e fiquei sem ele. Há artistas de nome que me devem dinheiro, que eu não digo quem é, mas se não me pagam, entretanto, divulgo o nome deles porque se custa a vida a eles a mim também me custa", contou, mais à frente.
O gosto pela música e o lado solidário
Nel Monteiro garantiu que irá cantar sempre que tiver público e só se afastará do mundo do espetáculo se tiver alguma doença que o obrigue a fazê-lo ou se "perceber que já está a mais, que já ninguém dá valor às suas músicas". O artista diz que é muito feliz a fazer o seu trabalho e que, por isso, enquanto tiver quem o acompanhe, vai continuar.
Questionado por Daniel Oliveira sobre se há algum tipo de competição entre os artistas, Nel Monteiro respondeu: "Para mim somos todos iguais, cada um tem o seu estilo, o seu público, a sua área... andamos todos a dar o nosso melhor".
No entanto, não deixou de destacar as boas ações que muitos artistas, incluindo o próprio Nel Monteiro, fazem para ajudar quem mais precisa.
"Os cantores populares, ditos pimbas, somos nós que salvamos tanta gente. É na hora da verdade, quando alguém precisa de um medicamento caríssimo, de uma operação no estrangeiro, uma ambulância para os bombeiros, qualquer coisa, somos nós que vamos ajudar a custo zero", realçou. "Se tenho 30 espetáculos por ano, sou capaz de ter uns 20 de borla", destacou ainda.
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