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"Não ando à procura do reconhecimento, mas de fazer o melhor trabalho"

Joaquim Alberto é o nome verdadeiro de Quimbé, que recebeu este diminutivo quando era criança e assim ficou conhecido desde o início do percurso escolar. Um artista habituado a ter uma agenda cheia e com diferentes trabalhos, mas que viu 'tudo cair por terra' nestes últimos meses.

"Não ando à procura do reconhecimento, mas de fazer o melhor trabalho"

É um dos muitos artistas que foram vítimas do novo coronavírus e viram o seu trabalho adiado. Em conversa com o Fama ao Minuto, Quimbé explicou que esteve a ensaiar para uma peça de teatro que faz há cerca de uma década, 'O Conto de Natal', que iria estrear no final de novembro. No entanto, acabou por não se concretizar, assim como muitos outros trabalhos que teve de deixar de lado pelo mesmo motivo. "Estamos assim, um bocado à rasca", confessa.

Ainda assim, o amor pela profissão é mais forte e fá-lo continuar a lutar. "Adoro ser ator, criar sensações e poderes ser tudo o que quiseres ser nesta vida", destaca, deixando ainda um apelo envolvido num sincero desabafo: "Apoiem a cultura porque nós não temos o apoio de ninguém. E vou ser sincero, é a minha mãe que me está a encher o frigorífico".

O projeto musical que divide com Rubim Fonseca também ficou parado, com as datas reagendadas para 2021, o ano da esperança para quem muito perdeu neste atípico 2020.

Mas não são só os trabalhos no mundo da representação e na música que ocupam a agenda de Quimbé. 'Rock and Role' é um projeto de gaming que o junta a outras caras conhecias, entre elas Pedro Fernandes.

As locuções e dobragens são outras áreas que fazem parte da sua vida, já há largos anos, tendo dado voz a muitas personagens animadas, algumas delas que o acompanharam na infância. Quando começou a ver "tudo a cair" no início da pandemia, Quimbé decidiu 'colocar mãos à obra' e montou o seu próprio estúdio em casa, conseguindo assim continuar com as locuções. "Os estúdios são sempre necessários na mesma porque é necessário o técnico do outro lado quando fazemos a gravação, mas é uma evolução dos tempos", realça, reconhecendo também que "se não houvesse Covid, se calhar, nunca ia ter um estúdio para si".

A família não foi esquecida durante a entrevista, falando com orgulho dos filhos e enaltecendo o tempo que conseguiu estar com eles durante o confinamento. "Deu em divórcio, mas foi muito bom porque estive intensamente com os miúdos", diz.

Houve uma entrevista em que disse que tinha sido muito gozado por causa do peso quando era criança... Essa fase marcou-o de alguma forma?

Claro! Não é um sítio a que gostasse de voltar. Ninguém quer ser gordo, mas eu adorava comer. Entretanto, passei a fazer natação e polo aquático e fiquei bastante magro e musculado. Mas sofri bullying. Na altura, vivia numa zona complicada e defendia-me da pior maneira. Não gostava e tive de emagrecer, que é o que vou fazer agora também. Normalmente emagreço e engordo conforme as personagens, tenho essa facilidade. Mas temos é de nos sentir bem connosco próprios. Se te sentires bem gordo, ótimo. Se quiseres mudar, muda. 

Isto da Covid é basicamente isso também, porque tomas tudo como garantido e, de repente, as pessoas perdem a liberdade, o dinheiro, casamentos, uma data de coisas. Nada é garantido nesta vida, a única coisa que é garantida e que vai acontecer é que um dia vais morrerSe hoje pudesse dar algum conselho ao Quimbé mais novo, o que lhe diria?

Se calhar não daria. Se não passasse pelas coisas, se calhar não lhes dava o justo valor. A tua vida são momentos e é isto que te faz crescer como indivíduo. Portanto, se não passares por essas experiências, não sabes o que é. Um exemplo, antes de ser ator tive uma série de profissões, fui gasolineiro, motorista na Gulbenkian, fui lanterninha, descarreguei camiões na Zara - aqui já era ator e as pessoas perguntavam-me o que é que estava ali a fazer e eu respondia que estava a fazer o mesmo que eles, a descarregar camiões porque precisava de dinheiro. Pensavam que a vida de ator é fácil, mas não é. Quando fui trabalhar como gasolineiro, foi um dia e jurei para nunca mais. Odiei. Fui fazer o turno da noite, a vez de um amigo meu, e disse-lhe que não queria mais. Nós temos de passar por elas para dar o justo valor.

Há uns tempos fiz o primeiro curso de sobrevivência, na empresa do Rubim, a SCORNIO. Nós temos de sobreviver durante 24 horas. Aquilo foi mesmo duro. Foi em Sintra, estavam quatro graus, a chover, e digo muitas vezes ao Rubim que sou dos poucos que pode dizer que dormi com a mulher dele, a Mónica Sofia, e não gostei. Estava muito frio, eles tinham-nos tirado a roupa para aprendermos a sobreviver e tens de depois estar em conchinha para manter o calor, mas foi horrível. Já meti o meu miúdo mais novo a fazer esse curso... Dei valor a uma coisa que é, por exemplo, abrir uma torneira e sair água. E tu tens isso tudo como garantido na vida. Estás habituado a ter o teu conforto e, de repente, tens de fazer a tua cama com mato, tens de dormir no chão. Quando cheguei à minha cama, dei-lhe um valor completamente diferente. Isto faz com que tu mudes a maneira de ver a vida. Isto da Covid é basicamente isso também, porque tomas tudo como garantido e, de repente, as pessoas perdem a liberdade, o dinheiro, casamentos, uma data de coisas. Nada é garantido nesta vida, a única coisa que é garantida e que vai acontecer é que um dia vais morrer.

E quais as memórias mais felizes que marcam a infância?

Vivi um tempo completamente diferente. Sou do tempo do Vasco Granja, só tínhamos a RTP1 e RTP2, a televisão era a preto e branco... Vivia muito na rua a brincar com os meus amigos, e lavávamos tareia porque chegávamos tarde para jantar. Hoje em dia dás 'tareias' aos miúdos para eles saírem de casa. 

Houve várias coisas que me marcaram na infância. Uma eram as férias grandes, as colónias de férias. Vivia 15 dias com 300 e tal miúdos e não havia forma de comunicar com os pais. Só havia um telefone. Escrevíamos cartas aos pais e eles escreviam para nós, que é uma coisa que hoje em dia não se faz. Consegui viver ali nesses 15 dias coisas que nunca vivi cá fora, que eram as relações humanas. Tenho amigos de lá, de quando era criança. Os meus filhos também já os meti todos a fazer campos de férias e eles dizem que é a melhor semana da vida deles. Outra coisa que me marcou imenso foram os escuteiros. 

Acho que estas coisas todas ao ar livre e a terra dos meus avós foi o que mais me marcou na infância. Lembro-me de ir para casa dos meus avós e o chão ainda era de terra. Entretanto, o meu avó cimentou e aumentou a casa. A família aumentou e a minha mãe decidiu fazer agora uma casa para podermos estar todos juntos em família. E eu disse-lhe para não fazer isso porque hoje em dia os miúdos estão completamente diferentes e querem outras coisas. Mas enganei-me. Quando levei lá os miúdos [a casa dos avôs de Quimbé] eles adoraram... 

Momentos marcantes que já viveu com fãs...

Muitas vezes os atores não têm a noção do quão importantes nós somos ao fazer as dobragens porque não nos apercebemos, e eu apercebi-me disso quando comecei a ir ao Iberanime e as pessoas abordavam-me com uma alegria... Pessoas a dizer que fiz parte da adolescência delas e da infância. Só aí é que tive noção desta aproximação.

Ainda estes dias fui a uma loja comparar pop fingers de personagens que tinha feito e a miúda da loja estava atrás do balcão a chorar. Disse que estava muito contente porque a minha voz tinha acompanhado a sua infância. É tão gira esta interação com os fãs. Marcas as pessoas como me marcaram a mim também, o caso da Irene Cruz, o João Lourenço, eles eram as vozes dos desenhos animados quando eu era pequenino. Quando fui trabalhar para o Teatro Aberto aquilo fazia-me confusão porque, de repente, estava a falar com o Dartacão... Por mais que estejas a representar, aquelas vozes, quem te está a responder, são aquelas personagens que te acompanharam na infância... Eu entendo as pessoas e há histórias muito giras.

Houve uma vez um miúdo que se agarrou a mim e não me largava. Depois contou-me que teve um acidente de viação quando era pequenino, com os pais, e esteve 14 meses hospitalizado. Na altura deram-lhe um DVD que foi a minha primeira longa-metragem no cinema e que foi o que ele viu. Sem querer, fiz-lhe companhia durante 14 meses. Quando fazemos dobragens, novelas, cinema, trabalhas para uma coisa chamada público, só que muitas vezes não temos o acesso ao público como hoje em dia temos com as redes sociais. E quando acontece isto fico contente porque é para isto que eu trabalho, é para o público.

Para o 'Dragon Ball' descobri que ter barba dá para fazer vozes que não consegues fazer quando não tens porque podes pegar nos pêlos, puxas a pele e fazes uma voz completamente diferenteAlgum dos filhos está a despertar o interesse de seguir as pisadas do pai, tanto nas dobragens como na representação?

O Dinis há uns tempos fez uma campanha para a Land Rover e teve de ir com a Ana por ser menor. Quando chegou, passado uma semana, veio elétrico. Disse que tinha sido brutal, que era espetacular. E depois eu disse-lhe: "percebeste porque é que tiveste de ficar uma semana fora, percebes agora porque é que eu estou sempre fora? É por causa disto". O Vasco também começou a fazer publicidade, locuções e dobragens, o Dinis a mesma coisa. Tanto que ele, o Dinis, fez a voz de um cão de um programa de televisão para a SIC Mulher, mas não foi por ser meu filho, ele fez um casting e eles escolheram o Dinis. O Vasco adora os anúncios que faz e eu nunca digo que ele é meu filho porque eles estão lá pelo valor deles. É engraçado que quando os realizadores percebem que ele é meu filho, mandam-me todos mensagens a dizer que eu devia investir nele porque ele é mesmo bom.

Se eles quiserem seguir seguem, agora, aquilo que lhes digo é que o mais importante é eles fazerem aquilo que gostam. Ao fazeres aquilo que gostas, podes não receber muito dinheiro, mas és feliz. Quando tens um emprego e tens de ir trabalhar por causa do dinheiro, isso é terrível. Chegas a um ponto em que não te apetece e entras em depressão... Se quiseres ser um varredor de rua, tens de fazer aquilo com muito amor, e tens de ser o melhor. 

Eu era o melhor lanterninha na Gulbenkian, ganhava mais em gorjetas do que de ordenado. Aquilo dava-me gozo... Além de sentar as pessoas, via muitos espetáculos a que não ia ter acesso porque de outra forma não tinha dinheiro para comprar os bilhetes. Já era ator também e sentei muitas vezes a Catarina Furtado, ela se calhar nem sabe disto... Um dos meus colegas de lanterninha era o Adriano Carvalho. Ele abandonou o auditório da Gulbenkian para ir trabalhar como lanterninha no Teatro Aberto, e hoje em dia é um ator de referência internacional. 

A vida é uma aprendizagem. O que digo aos miúdos é que eles não têm de ter vergonha. E agora o meu filho de 17 anos já é lanterninha e já ganha o seu dinheiro, está todo contente e trabalha no Auditório Municipal Ruy de Carvalho, em Carnaxide. E também já é monitor dos campos de férias e já foi monitor dos próprios irmãos. 

Qual é o ritual para dar voz a uma personagem, como é o processo de trabalho? Tem total liberdade para escolher o tipo de voz que vai definir ou tem algum tipo de padrão a cumprir?

Depende. Às vezes é feito um casting e esse casting é feito internacionalmente, eles escolhem aquela voz e tu tens de ir mais parecido com o original. Agora, quando são séries onde há livre arbítrio, muitas vezes tu não gostas do original e pões o teu toque. Por exemplo, para o 'Dragon Ball' descobri que ter barba dá para fazer vozes que não consegues fazer quando não tens porque podes pegar nos pêlos, puxas a pele e fazes uma voz completamente diferente. Podes brincar com muitas coisas e descobres vozes giras. Quando fazes figura humana, normalmente tens de fazer a tua voz original. Há truques de microfone em que podes aproximar, por exemplo, e ficas com uma voz mais grave. 

Personagens que o tenham marcado?

Faço dois personagens que me acompanham há já muitos anos e que amo fazer, o Gigante do 'Doraemon'. Adoro fazer porque me identifico com ele, eu também fazia bullying quando era pequeno, era aquele gordo, muito maior do que os outros todos e em minha defesa, em vez de usar a inteligência, partia logo para a violência. Faço esta personagem há 18 anos. Outro personagem que me marcou imenso é o Kakashi do 'Naruto' porque é uma voz calma, que nunca tinha feito, e depois como ele anda sempre de boca tapada, usava uma t-shirt que tapava a boca para lhe dar aquele efeito de boca tapada.

Há outra personagem que me marcou imenso e que adoro, que é o Corto Maltese. Estava a acabar de gravar o filme e, de repente, disse ao técnico se podia voltar a fazer tudo de novo desde o início porque o gajo tem sempre um cigarro na boca e a sonoridade de um cigarro na boca é completamente diferente de quando não tens nada na boca. O técnico e o diretor ficaram lixados por voltarmos a fazer tudo outra vez, mas há uns tempos o técnico disse que tinha sido o melhor trabalho que já tinha feito.

Qual foi a personagem mais difícil de dar voz? E porquê?

O Yoda [do 'Star Wars'] porque ele diz tudo ao contrário. O teu cérebro, quando estás a olhar para o texto, lê aquilo bem, mas a personagem diz tudo ao contrário. É muito complicado fazer por isso mesmo. Mas a coisa mais difícil que dobrei, o mais duro, foi um jogo para a PlayStation 5 porque começávamos às 9h e acabávamos à 1h30 da madrugada por causa dos prazos de entrega. Foi uma semana a gravar aquilo e quando fui convidado fiquei todo contente, mas cheguei a um ponto que já não estava a ter prazer em fazer aquele trabalho. E, a meio da semana, conseguimos gravar a um ritmo completamente diferente e fizemos.

O que me deu mais gozo foi a voz do Panda, que fiz durante oito anos. Era a voz que os miúdos adoravam, mas os pais odiavam. Depois quando sai do Panda, fui fazer a mesma voz para a Media Markt

Além das dobragens, também já fez muitos trabalhos como ator... Aliás, já houve momentos em que estava com mais de uma peça de teatro em simultâneo. Como é que consegue gerir o trabalho... Nunca aconteceu trocar as falas, por exemplo?

Já fiz cinco peças de teatro ao mesmo tempo... é dose. Eram companhias diferentes e saía de um lado para ir a correr para o outro. De facto, acontecia-me trocar as falas e depois tinha de descalçar a bota. Mas é uma experiência gira como ator. A nível de cabeça é muito engraçado.

Uma vez, num workshop, houve uma experiência que me marcou imenso. A lição de vida que tiramos é que todos os atores são diferentes, todos têm capacidades completamente distintas. E isto é muito giro porque uma das coisas que mais me irritava na Sílvia Rizzo - e eu amo a Silvia Rizzo - é que quando estávamos a fazer o 'Inspetor Max', eu tinha de estudar os textos durante o fim de semana para preparar a semana toda, como a maior parte dos atores faz, mas a Sílvia recebia os textos do próprio dia de manhã e decorava na hora.

Não ando à procura do reconhecimento mas à procura de fazer o melhor trabalho possível 

Agora que fala no 'Inspetor Max'... Houve algum episódio mais caricato ou inusitado que tenha vivido nas gravações?

Havia um cão que me adorava de costas. Cada vez que virava de costas ele mordia-me o rabo. Renovei o meu stock de boxers todo à conta dele [risos]. Tive histórias muito giras. Foram três anos da minha vida que adorei. O 'Inspetor Max', aquela dupla do António e do Edgar, era para entrar em três episódios e estivemos três anos... Diverti-me imenso e fiquei com o guarda-roupa do António.

Como já referiu, já se transformou para interpretar personagens, como emagrecer ou engordar, deixar crescer o cabelo e a barba... Há algum coisa que nunca faria para interpretar um papel?

Já fiz coisas que dizia que não fazia, uma delas foi no Teatroesfera. Se voltasse atrás se calhar não voltava a fazer o que fiz. Antes da estreia, levei com um pneu nas costas e torci o joelho todo. Fui para o hospital, tiraram-me logo o líquido do joelho e queriam imobilizar-me, mas a peça estreava logo no dia a seguir. Entretanto, disseram-me que tinha de ser operado mas eu disse que não podia por causa da estreia. Então, entrava de muletas cheio de dores, fazia a peça toda e ninguém se apercebia que eu estava a morrer de dores, porque as dores eram do ator e não da personagem. Foi muito duro. Só que se nós não fizéssemos a peça por minha causa, tinha de se devolver o subsídio e ia pôr a companhia toda em risco. E o que é que aconteceu? Em vez de ficar parado três meses, depois piorei e estive um ano e meio no estaleiro. Foi terrível. 

Gosto de perder peso e engordar, mas a idade já é outra e já se torna mais difícil perder peso. Mas andei de barba azul durante dois anos e meio na rua [risos].

Sente que o seu trabalho é verdadeiramente reconhecido?

Não sei. Dá-me tanto gozo fazer aquilo que faço... Trabalho porque gosto de trabalhar, faço porque é a profissão que optei por ter, que é uma profissão lixada a nível financeiro. Ora ganhas muito, ora ganhas pouco ou nada. Mas amo aquilo que faço. Não ando à procura do reconhecimento mas à procura de fazer o melhor trabalho possível. 

Deu em divórcio, mas foi muito bom porque estive intensamente com os miúdos

Agora estamos perante uma fase mais crítica da pandemia... Como é que viveu a fase do confinamento e do pós-confinamento?

Adorei o meu confinamento. Sou uma pessoa que está sempre fora, em digressão e, de repente, usufrui dos miúdos como nunca tinha usufruído na vida. Foi ótimo, muito bom. Deu em divórcio, mas foi muito bom porque estive intensamente com os miúdos. E depois tive de me adaptar rapidamente à realidade. Fiz coisas que de outra forma não ia ter capacidade para fazer.

E sente que as pessoas estão 'saturadas'?

Eu era a pessoa dos quatro beijinhos e um abraço, isso vai cair em desuso porque ninguém te vai beijar porque o medo está instaurado nas pessoas, há um medo na rua muito grande... As pessoas estão saturadas e tu vês isso. Nós mudamos o horário do teatro para as 20h30 e esgota todos os dias. E estamos a falar de quarta e quinta-feira. As pessoas estão sedentas de ir ao teatro, de ver cultura, de poder sair de casa, jantar fora... Este lado humano está a perder-se. É óbvio que as pessoas estão um bocado saturadas, eu estou. Tens o lado humano dentro de casa que é bom, mas o lado de fora, estar com os amigos... tens essa saudade. 

confinamento acho que foi isto que trouxe, muitos divórcios e muitos casamentos fortes

O Quimbé anunciou em agosto o fim do casamento com a Ana. Recentemente, estive à conversa com a psicóloga e especialista em casais Susana Dias Ramos que disse que aquilo que mais sentiu nos casais que se separaram após o confinamento é que "quem estava muito mal, até ficou melhor, [...] quem estava tremido, ficou muito mau - porque houve discussões por tudo e por nada e tudo confiscava, e quem estava muito bem, arranjou forma de ficar mal". Identifica-se com estas observações?

O que acho é que há aqui uma grande divisão: ou os casais terminaram ou ficaram muito mais fortes. Depois de passares por uma pandemia [confinamento], já passaste pelo mais difícil. O que vier a partir daí é ótimo. Tens o exemplo do Kapinha e da Mafalda com os vídeos no TikTok. Arranjaram uma forma de se tornar um casal mais forte.

Quando as coisas já estão tremidas, dá m****, quando as coisas estão muito bem também pode dar m**** porque estás 24h sobre 24h com a pessoa. Quando chegas a casa falas do que se passou no dia-a-dia e, de repente, o teu dia foi com aquela pessoa e não tens nada para falar. Portanto, tens de ter uma ginástica mental brutal para fazeres as coisas e elas às vezes quebram.

O melhor exemplo que te posso dar é: quando o casal está tremido, mas supostamente ama-se e pensa em ter um filho para salvar o casamento. Fizeram a maior m**** da vida deles porque depois têm o filho, deixam de dormir, não têm os sonos em dia, o miúdo começa a chorar, começam a irritar-se um com o outro. Basicamente, o confinamento acho que foi isto que trouxe, muitos divórcios e muitos casamentos fortes. 

O caso do Pedro Lima foi um choque para mim e para toda a gente. E foi um bocado por aí que me fez falar. Porque ninguém sabia desta história, nem a minha mãe

Recentemente, esteve também em destaque depois da partilha que fez na campanha nacional de prevenção e promoção da Saúde Mental. Após a partilha do vídeo, disse que estava a ser inundado com muitas mensagens... Recebeu muitos pedidos de ajuda?

Hoje ainda respondo a mensagens. Devo ter respondido a umas 1.300 mensagens, e algumas foram muito complicadas de responder. Quem me ajudou a responder a algumas questões foi a Sara Esteves Cardoso. Eu partilhei a minha história para ajudar histórias idênticas e dizer que há uma saída sem ser o suicídio.

A maior parte das pessoas não queria que contasse esta história por causa da exposição a que me ia submeter, mas para mim fez todo o sentido. Se ajudar uma pessoa já sinto que cumpri a minha missão. E, entretanto, recebi mensagens de todo o mundo. Não estava à espera daquela reação. Sabia os riscos que tinha em me expor desta maneira e, de repente, tive um tsunami de amor. E amigos meus que mandaram mensagens... 

O caso do Pedro Lima foi um choque para mim e para toda a gente. E foi um bocado por aí que me fez falar. Porque ninguém sabia desta história, nem a minha mãe. A minha irmã é psicóloga e quando soube entrou em pânico... Recebi mensagens de várias figuras públicas a dizer que já estiveram lá e nunca falaram com ninguém. Acho que este ano de 2020, por causa desta pandemia, está a mudar a visão e a cabeça das pessoas.

Apoiem a cultura porque nós não temos o apoio de ninguém. E vou ser sincero, é a minha mãe que está a encher o frigorífico...Sente que é mesmo importante falar e, mais que isso, ouvir e escutar?

É importante saber escutar. Podes estar a ouvir a minha história e ao mesmo tempo a mexer do telemóvel, a fazer outras coisas... Aquilo é um grito. Uma pessoa que diz que se vai suicidar é um grito de chamada de atenção porque ela não quer fazer isso, ela quer atenção, ouçam-na.

Eu nunca disse a ninguém que me ia suicidar e ia fazê-lo. Quando houve este chamamento da campanha, ninguém sabia da minha história, e quando falei com o realizador, disse-lhe que ia contá-la. Quando eles ouviram não queriam acreditar. Quando contei, o realizador chorou, o produtor também, a pessoa que criou e o câmara também... Estávamos todos a chorar.

Quando fui à 'Casa Feliz', o João Baião levou um soco no estômago, ele não estava nada à espera. Tanto que eu estava para ir à TVI a seguir e desmarcaram porque disseram que tinha sido brutal, tão forte que não iam conseguir fazer isso na TVI e que iam dizer que era um plágio.

Senti-me tão bem quando acabei aquilo. Era uma cena que tinha guardada, senti-me livre, mais humano...

Que sonhos, tanto a nível pessoal ou profissional, gostava de conseguir concretizar num futuro próximo?

Gostava de voltar a fazer cinema, adorava voltar a fazer televisão, novelas e séries... E gostava de fazer uma viagem com os miúdos para ir ver a aurora boreal. É engraçado como é que um puto de 12 anos, o Vasco, diz que o sonho dele é ver a aurora boreal, e isso é o meu sonho há muitos anos. Uma das coisas que levo desta vida, antes que chegue o alzheimer, são as nossas vivências e as viagens. Tento viajar o mais possível com os miúdos e dar-lhes a conhecer outros países, outras culturas. 

E vão ao teatro. Estamos a viver um período muito mau na nossa classe, tanto técnicos, como produtores, tudo... O pouco teatro que existe, vão! É seguro! Apoiem a cultura porque nós não temos o apoio de ninguém. E vou ser sincero, é a minha mãe que está a encher o frigorífico... Chegares a esta idade e teres que pedir ajuda à tua mãe para te encher o frigorífico... E há muitos atores e técnicos que estão a passar a mesma coisa. Precisamos muito da vossa ajuda, do público. É fundamental. Há muitas companhias que vivem do dinheiro dos bilhetes. É um apelo que faço. Isto é tal e qual como os casamentos. Aqueles que sobreviverem vão ficar mais fortes, mas há muitos que vão desistir pelo caminho. 

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