João Francisco Lima: "Tendo a olhar para a saudade como uma coisa boa"
Estivemos à conversa com o filho mais velho do ator Pedro Lima.
© Instagram - João Francisco Lima
Fama João Francisco Lima
João Francisco Lima, de 23 anos, é uma das vozes mais ativas pela sensibilização e normalização da saúde mental. O filho do ator Pedro Lima aproveitou o seu próprio testemunho para chamar a atenção para o tema, que considera fundamental. O seu objetivo? Intervir até que o assunto não seja alvo de preconceito, realidade que considera ainda presente em Portugal.
Em primeiro lugar, está tudo bem?
Está tudo [diz, entre risos].
Porque é que é importante abordar o tema da saúde mental?
As consequências adversas da falta de saúde mental têm-se sentido e vão continuar a sentir-se cada vez mais. Tem que ver com o nosso estilo de vida. Os dias são muito acelerados, com muita informação e estímulos. As pessoas começaram a sentir-se mais tensas. Além da evolução das condições que já leva as pessoas a um stress maior, também passaram a refugiar-se mais em si próprias, nos seus telemóveis. A juntar a isto tudo ainda veio a Covid-19.
Estar fechadas em casa e serem obrigadas a passar muito tempo sozinhas, obrigou as pessoas a uma certa introspeção e a terem de lidar com as adversidades, problemas, com as questões que as assombram. Isso levou-as a estarem mais disponíveis para o tema.
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Considera que as pessoas andavam de certa forma 'anestesiadas'? Hoje em dia há imensa informação, contudo, muitos continuam desinformados...
É um tema que é evitado, pessoalmente ainda não tinha passado por uma situação que me obrigasse a confrontá-lo. Havia informação sobre o assunto, mas as pessoas estavam a ignorá-la. Assumiam como uma coisa que acontecia a alguns e como um sinal de fragilidade ou de desequilíbrio. Há também a ideia de que para se sofrer dessas perturbações é necessário haver uma causa clara. Pessoas que começam a sofrer de depressões ou de perturbações de ansiedade, se não conseguirem encontrar uma justificação que considerem plausível, não aceitam que seja algo possível de existir. E por último tem que ver com a reação dos outros. Há medo de partilhar o que se sente por uma questão de pressão social.
Ainda há preconceito a combater em relação à saúde mental?
Em Portugal, sim. É notório em coisas práticas como o facto de o tema não ser abordado dentro do plano educativo. Mesmo no ensino secundário fala-se de educação sexual, mas não de tópicos de saúde mental. Há pouco ou quase nenhum investimento público na temática. Há também poucos psicólogos públicos disponíveis. Quem quer este tipo de acompanhamento tem de recorrer a profissionais privados que são, naturalmente, dispendiosos. Além disso, as seguradoras não incluem o apoio psicológico como algo a ser assegurado dentro dos seus contratos. Isto são algumas coisas nas quais se nota claramente que há algum preconceito do ponto de vista objetivo.
Do ponto de vista social, penso que começa a haver mais um à vontade. Como é um tema sensível tem de ser abordado com algum cuidado para não cairmos no problema da banalidade. Como tem tido atenção, há muita gente que quer tomar partido disso. Começa a falar de uma forma desinformada e sensacionalista. A consequência de se tornar banal é que as pessoas que já tinham dificuldade em aceitar esta temática, ou que eram contra, vão criar uma negação ou uma repulsa sobre a mesma.
Há sempre oportunistas que tentam tirar proveito para benefício próprioA banalização pode também levar pessoas a aproveitarem-se do tema para ganharem benefícios.
É uma situação recorrente em qualquer assunto. Há sempre oportunistas que tentam tirar proveito para benefício próprio. Infelizmente, é uma realidade para a qual temos de estar predispostos, porque é natural, faz parte. A única forma de eliminar isto é o assunto ser tão normal que já não é tópico de conversa. Tem de haver um ativismo para impedir estas situações.
A partir do momento em que ajudei uma pessoa o meu propósito estava cumpridoSente que esse ativismo tem vindo a dar frutos? No caso do João Francisco, por exemplo, recebe mensagens nas redes sociais sobre o assunto?
Sem dúvida. O intuito das minhas intervenções é ter a capacidade de ajudar as pessoas. Propus-me a ajudar pelo menos uma pessoa e sei de exemplos próximos que impactei e levei a agir sobre o assunto. A partir do momento em que ajudei uma pessoa o meu propósito estava cumprido. Vou agir sobre o tópico da saúde mental enquanto ainda sentir que quer a minha ajuda, enquanto continuar a ter convites para iniciativas ou pessoas que queiram falar comigo sobre o assunto. Vou continuar a falar com base na minha opinião, na minha experiência, na forma como eu vejo as coisas. Claro que tenho atenção para que as coisas que eu digo sejam fundamentadas e seguras. Deixo sempre muito claro que é a minha experiência, o meu testemunho, e essa é uma das principais razões pelas quais as pessoas gostam dos conteúdos que tenho feito. São genuínos, as pessoas conseguem identificar-se. Quando o meu testemunho já for limitado tenho todo o gosto em parar de o fazer e, simplesmente, apreciar a natural evolução do tema.
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Não vamos ao apoio psicológico para resolver os nossos problemas, mas sim para aprender a fazê-lo
Consegue lidar bem com as suas emoções ou é algo que ainda está a aprender a fazer?
Acho que tenho bem ciente qual a estratégia que devo aplicar para lidar com as minhas emoções. Não sou diferente de toda a gente e, por isso, nem sempre é fácil lidar de uma forma racional. O facto de ser um assunto sobre o qual pratico uma grande reflexão e introspeção facilita bastante. Claro que há assuntos para os quais sou mais sensível e tenho mais dificuldade, por isso mesmo tenho o meu apoio semanal com consultas de psicoterapia que me ajudam com esse processo de aprendizagem. Sinto-me bem, tranquilo e a evoluir nesse tema. Não vamos ao apoio psicológico para resolver os nossos problemas, mas sim para aprender a resolvê-los.
O que é que aprendeu sobre si mesmo nestes últimos tempos?
Aprendi a lidar melhor comigo mesmo, a ter uma melhor capacidade de autoanálise, a perceber o que estava a sentir e o que deveria fazer. Muitas vezes ainda não tenho capacidade para fazer o que sei que deveria fazer, mas melhorei muito a minha capacidade de perceção. É perceber a causa pela qual me sinto de determinada maneira.
Tendo a olhar para a saudade como uma coisa boa
Aos jovens que tenham perdido um ente querido tal como aconteceu com o João Francisco, que conselho lhes daria?
É uma ideia que não é muito fácil de aceitar. É fácil de compreender, mas não tão fácil de aceitar. Tendo a olhar para a saudade como uma coisa boa. Para nós sentirmos saudade é porque a pessoa em questão, que infelizmente já não está presente, partilhou momentos que nos levam a querer recordá-la, e essa saudade aparece exatamente nesses momentos, quando pensamos nas pessoas, nas coisas que fizemos com elas e que gostaríamos de continuar a ter feito.
É um ótimo sinal, é duro, naturalmente, mas é uma boa oportunidade para darmos um bocadinho de valor às coisas que temos à nossa volta, para relativizarmos os nossos problemas, é uma oportunidade para aprender. É um crescimento que é inevitável, que ninguém escolheria fazê-lo dessa forma, mas tendo acontecido e não havendo nada a fazer sobre o assunto, é tirar o máximo partido dele para o nosso crescimento pessoal, para a nossa relação connosco e com os outros à nossa volta.
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E sonhos? Quais é que ainda não concretizou?
Ter sucesso no âmbito profissional, conseguir implementar os projetos que me entusiasmam, construir a minha família...
Quer ser pai?
Sim. É uma coisa que eu sempre quis e sobre qual penso desde muito novo. Quero ser um pai presente, quero ter tempo para dedicar à minha relação com os meus filhos.
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