Além de ter falado sobre a pandemia e os desafios que esta fase lhe trouxe, de ter recordado partes da sua vida em missão, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo também lembrou alguns momentos mais pessoais, como a morte do pai.
"O meu pai morreu, uma coincidência infeliz, no dia em que fiz 21 anos", recordou, confessando que este acontecimento foi muito marcante na sua vida. "Senti aquilo como uma passagem de testemunho. Ele teve um cancro, sofreu muito até morrer e acho que morreu de propósito naquele dia para me passar o testemunho. No dia em que ele morreu eu estava com ele", acrescentou.
Ainda hoje esse dia é marcante na sua vida e, desde então, festeja os seus aniversários "muito ligeiramente". "O meu pai tinha orgulho em ser português e transmitiu-me isso. E eu tenho orgulho em ser português", afirmou, admitindo também que, "de algum modo", o seu coração ficou em África, onde nasceu.
Pai de dois filhos, um médico e outro engenheiro informático, Henrique Gouveia e Melo também falou sobre eles durante a entrevista. O que é médico também fez parte do processo de combate à pandemia na linha da frente, a tratar de doentes infetados, deixando o vice-almirante muito orgulho.
Além disso, recorda, nessa fase não esteve muitas vezes com a família por causa da regras contra a Covid-19 e também por terem um especial cuidado com a mãe de Henrique Gouveia e Melo, que é uma senhora idosa. "Tínhamos que ter muito cuidado", lembrou, partilhando uma frase que o filho lhe disse nessa altura e que o marcou: "A vida deu-nos a oportunidade de combater a mesma guerra".
"Tenho a sorte de ter dois filhos que não me dão preocupações e que sinto que fiz qualquer coisa de positivo nesse campo", acrescentou.
Casado com a psicóloga Carol Costelo e de Gouveia e Melo há 35 anos, recordou também o nascimento do primeiro filho, aos sete meses de gravidez. Na altura, o médico disse-lhe que o bebé podia morrer.
"A primeira vez que vejo o meu filho mais velho, como era prematuro era uma coisa pequeníssima, cabia quase na minha mão. E é curioso como é que nós, um filho é uma coisa abstrata que está na barriga da mãe e, de repente, vemos aquela criança e se ela morresse no minuto a seguir a dor era imaginável", realçou, lembrando ainda as viagens e aventuras, como campismo selvagem, que fez com os filhos.
"O desejo da minha vida é ser uma pessoa que ajudou a comunidade", destacou. "Tento ser aquela pessoa que deu qualquer coisa à comunidade - também recebeu da comunidade e estou agradecido", continuou, referindo que gostava que um dia os seus descendentes possam dizer que foi "um homem bom, justo e trabalhador".
"Sendo militar, posso dizer que estive sempre pronto para morrer, e estou sempre pronto para me despedir sem grandes saudades. Se fizermos todos os dias o que temos para fazer, se fizermos bem de forma muito profunda, acreditando naquilo que estamos a fazer, no dia em que formos não temos saudades nenhumas. É aquele dia", partilhou também durante a conversa com Daniel Oliveira.
Antes de terminar, frisou que não é uma pessoa que guarda ódio e rancor, e por isso "ninguém lhe deve um pedido de desculpa". Além disso, garante, "disse sempre tudo o que tinha para dizer".
"[Os meus olhos dizem] tranquilidade, olhar para o futuro com esperança, mas, ao mesmo tempo, com sabedoria. Muitas vezes entramos em processos quase pandémicos de medo e de receio. E temos que evitar a pandemia do receio. Temos que ter dados indicadores, ser racionais e depois ter uma visão macro, como é que vamos sair das coisas com valores. Com os valores sempre por trás das nossas ações. Há esperança, não temos que estar de joelhos perante nada, nem perante este vírus. Desde que sejamos racionais, façamos o que temos de fazer em cada momento para sobreviemos e termos sucesso", rematou.
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