"Há dias em que é difícil lidar comigo. É aceitar e aprender a viver"
Ivo Lucas, de 31 anos, esteve à conversa com Daniel Oliveira, no ‘Alta Definição’, da SIC.
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Fama Ivo Lucas
O acidente que mudou a sua vida e que resultou na morte de Sara Carreira foi grande destaque da conversa de Ivo Lucas com Daniel Oliveira, sobretudo os dias depois da tragédia do dia 5 de dezembro de 2020.
O cantor e ator começou por desabafar que “todos os dias é um dia novo, perceber como é que vais lidar com uma nova situação do dia, uma nova relação pessoal”.
“É um processo de aprendizagem. Eu próprio ainda estou a tentar perceber. Vou tentando perceber quem sou perante tudo na vida. Mas sinto que é uma aprendizagem que estou disposto a percorrer”, acrescentou, referindo que “aprendeu a dar valor a tudo à volta da sua vida”.
“Hoje em dia, as relações pessoais têm muito mais peso. Sou uma pessoa um bocadinho menos ponderada, o que quero fazer, faço, o que quero dizer, digo, tento não me privar de nada, porque acho que assim é que tem de ser”, afirmou.
Sendo uma pessoa mais reservada, tem um grupo "pequeno" de amigos, que são pessoas fundamentais na sua vida e que foram um grande apoio nesta fase. "Com eles, eu falo bastante. E com a minha família também, óbvio, mas para tudo o resto sou bastante silencioso”, disse.
Naqueles momentos em que pões em causa tudo isto, não me deixaram cair
Ao longo da entrevista, Ivo Lucas tocou e cantou algumas das suas músicas, tendo sido a primeira, a pedido de Daniel Oliveira, o tema ‘Só Desta Vez’, lançado quase um ano depois do acidente, em outubro de 2021.
"És hoje um homem mais só?”, questionou de seguida o apresentador. “Sou uma pessoa diferente. Sou um sortudo pelos amigos que tenho, pela família que tenho. Nunca estive desamparado, nunca estive sozinho, mesmo nos momentos mais negros, mais difíceis, naqueles momentos em que pões em causa tudo isto, não me deixaram cair”, começou por responder Ivo Lucas.
“Acabei por descobrir um lado meu que não conhecia. Sempre disse que sou uma pessoa que não gosta de estar sozinha. Nunca gostei de estar sozinho, do silêncio da casa. Mas fui obrigado a lidar com isso. A saber viver com isso, tendo aqueles momentos em que tens tanta gente à tua volta mas parece que ninguém te ouve. E a culpa não é deles. Tu é que estás noutro sítio. Hoje aprendi a estar sozinho, a valorizar o silêncio, a conseguir tirar proveito de ver um pôr-do-sol sozinho, ou ver um nascer-do-sol, sozinho. Consegui descobrir que também é saudável estar sozinho. E quando digo estar sozinho, é estares contigo mesmo, é saberes quem tu realmente és”, acrescentou.
“Acabei por me aperceber que, mesmo quando estava sozinho, mesmo quem não me conhecia, via que as pessoas estavam comigo sem estar. Dá-te uma sensação de aconchego. Claro que há uma fase em que sentes que vais cair e que não há nada que te vai amparar, que a queda vai ser dura e vai doer, mas, hoje em dia, vou tendo pequenas almofadas à minha volta que mesmo que me sinta a cair, alguém vai ajudar-me a levantar. Mesmo pessoas que não me conhecem”, continuou.
Há alturas em que a solução mais fácil era desistir, mas não vai acontecer. Nunca
No decorrer da conversa, Daniel Oliveira questionou se “há momentos em que seria mais fácil desistir?”. “Sim. Claro. Há momentos em que fazemos muitas perguntas: O que é isto? A vida é isto? É isto que temos para nós? Sentes-te tão perdido que tentas subir, levantar-te, mas há dias em que é muito difícil essa superação. Tens de arranjar pequenos mecanismos para não ires para aí. Há alturas em que a solução mais fácil era desistir, mas não vai acontecer. Nunca”, destacou Ivo Luvas
Ao falar da família, sobretudo dos pais, afirmou que “foi muito difícil”. “Não deixei que a minha mãe me visse durante muito tempo. Não queria que ela me visse assim. Então, acabou por ser o meu pai que esteve comigo, a minha mãe também, mas não queria que ela me visse. Acabei por ir para casa da minha irmã uns tempos, os meus pais dormiam no sofá. Durante todos os mese,s dormiram num sofá. Só para, quando me fosse deitar, eles estarem lá”, contou.
“Um homem de 30 anos deitar-se na cama e os pais irem lá aconchegá-lo e dizer ‘está tudo bem, estamos aqui’. E tu veres os teus pais nessa situação é difícil, porque também tentas fazer-te de forte para eles. Não queres que os teus pais sofram. [...] Quero que sejam felizes, que tenham uma vida plena e não quero que vejam o sofrimento de um filho. É difícil, mas, se calhar, depois tento compensar com começar a dizer ‘amo-te’, que não dizia. Sei o quanto isso é importante para um pai, e eu não dizia. E agora digo, e se tenho de dar um abraço, dou, se tenho de dar um beijo, dou, e não me canso de dizer o quanto gosto dos meus pais e tenho orgulho neles. E como eles são as pessoas mais importantes da minha vida, aconteça o que acontecer”, partilhou ainda.
Sempre foi me dado muito o meu espaço. Havia dias que queria estar só calado, e estava calado
Nesta fase difícil, os pais disseram-lhe: “Leva o teu tempo”. Palavras que foram fundamentais para Ivo Lucas.
“Sempre foram muito pragmáticos, completamente sensíveis a tudo, e a mim, mas sempre foi me dado muito o meu espaço. Havia dias em que queria estar só calado, e estava calado. Depois, também sei que isso acabou por complicar um pouco a vida deles, porque depois é aquela situação de que não sabem como lidar”, lembrou, referindo também que ele próprio, “como filho, não queria que sentissem isso”. “Depois, também tenho que ir buscar forças a um sítio qualquer para combater isso, e é exaustivo. Mas eles têm uma paciência incrível para mim”, afirmou.
Quando aconteceu [o acidente], o meu pai conseguiu ter uma força. O meu pai viu-me no pior estado possível, em todos os aspetos, e à minha frente nunca quebrava
Falando particularmente sobre o pai, frisou que “é o seu herói”. “Nunca vou conseguir agradecer ao meu pai aquilo que ele sempre foi para mim. É a pessoa mais lutadora que conheço, já passou por coisas muito complicadas que deu sempre a volta e levantou-se", realçou.
"E quando aconteceu [o acidente], o meu pai conseguiu ter uma força, e eu só soube disso há pouco tempo. O meu pai viu-me no pior estado possível, em todos os aspetos, ele estava comigo meia hora ou uma hora, e à minha frente nunca quebrava. Falava comigo, nunca me escondeu nada, mas teve a força que eu não tinha e fazia questão de passá-la. Acabei por saber, há pouco temp,o que o meu pai, cada vez que saía da minha beira, chegava perto dos meus amigos e quebrava. E quebrava a um estado de desespero, de impotência. Mas hoje está aqui ainda e está rijo. Está comigo para a luta”, continuou.
O primeiro encontro com o pai depois do acidente? O ator “não consegue precisar” esse momento, apenas guarda que “estar com o pai é aquela sensação que, de repente, és criança outra vez”.
Da mesma forma que um pai não quer ver um filho a sofrer, um filho não quer ver um pai a sofrer
“Quando pensas que já és muito adulto mas, de repente, há um acontecimento na tua vida e és uma criança outra vez, um bebé autêntico. Choras nos olhos do teu pai, dás a mão, abraças, queres colo, mesmo sabendo que não muda nada. E o lidar com o meu pai nos últimos meses, com a minha mãe também, sempre foi difícil porque da mesma forma que um pai não quer ver um filho a sofrer, um filho não quer ver um pai a sofrer. E ser o motivo disso. Não quero ser motivo de uma lágrima do meu pai ou da minha mãe”, salientou.
“Não gosto que tenham pena de mim, não têm de ter, eu desenrasco-me. De repente, veres que os teus pais têm pena de ti, é muito doloroso”, frisou.
Ao longo da entrevista, Ivo Lucas afirmou que “aprendeu que não se deixa nada por dizer, nunca”.
Também comentou a última atuação do programa ‘A Máscara’, onde se emocionou ao cantar ‘My Heart Will Go On'. “Acho que tu aprendes a chorar”, comentou, quando Daniel Oliveira questionou se “há lágrimas que não se conseguem secar”.
Há mais gente assim. Não desejo a ninguém
Recordando ainda o momento em que sofreu o acidente e os dias que se seguiram, desabafou: “Acho que não dá para comparar o que cada pessoa sente à sua maneira, cada pessoa vive um pouco à sua maneira os acontecimentos. Não sei se alguém sente o mesmo que eu, da mesma forma, sei que há muita gente que, infelizmente, passou ou passa, ou está a passar, por algo idêntico. Encontrei nas palavras e em muitas dessas pessoas um conforto de quase não estou sozinho, há mais gente assim. Não desejo a ninguém, ninguém”.
“Posso dizer-te exatamente o que sinto, como sinto, o que é que estou a sentir, o que é que estou a pensar, o que estou a viver, mas tu nunca vais conseguir compreender. O mesmo acontecimento vai-te tocar a ti de uma forma e a mim de outra”, acrescentou, afirmando que “nunca se dá a volta a uma coisa destas”. “Aprendes a lidar, não tens que compreender”.
Sobre o luto, reconheceu que este é um “processo muito íntimo”. “Cada pessoa faz ao seu ritmo, à sua maneira. Cada pessoa ultrapassa como tem de ultrapassar. Cada pessoa tem o seu tempo, a sua forma de lidar”.
Estava a gravar uma cena com o Rogério Samora e ele do nada, em plena cena, chega-se a mim, dá-me um beijo na cara, abraça-me e diz: ‘Gosto muito de ti’
Depois do acidente, houve três momentos marcantes na sua vida, e um dele foi o regresso às gravações da novela ‘Amor Amor’. “Quando voltei, não foi fácil, foi muito difícil”, confessou, lembrando depois duas situações marcantes com Rui Unas e Rogério Samora.
“Há um dia em que estamos a gravar e as pessoas estavam com medo de como lidar comigo - compreendo -, e no meio de uma cena o Rui Unas diz qualquer coisa, ou eu digo qualquer coisa, e desmanchamos a rir um com o outro. E é aquela sensação de, eu estou a rir. O Rui Unas vira-se para mim e diz-me, à frente de toda a gente: ‘Ivo, é tão bom estares aqui, gosto tanto de trabalhar contigo, divirto-me imenso, obrigado’. E eu, bronco como sou, só fiz [um fixe com a mão] e vou. Mas fico a pensar naquilo”, contou.
“Passado duas semanas, estava a gravar uma cena com o Rogério Samora e ele do nada, em plena cena, chega-se a mim, dá-me um beijo na cara, abraça-me e diz: ‘Gosto muito de ti’. Só isto”, partilhou também, referindo o quanto este gesto o marcou.
Tens duas escolhas, ou agarras o touro pelos cornos e vamos a isto, ou ficas deitado na cama a olhar para o teto. E a segunda opção não é opção para mim
Ainda sobre a novela e os colegas de elenco, destacou também o apoio de Ricardo Pereira, de Filipa Nascimento e de Joana Aguiar. Sobre as atrizes, frisou que as mesmas foram “um grande apoio quando voltou a gravar”.
“Tens duas escolhas, ou agarras o touro pelos cornos e vamos a isto, ou ficas deitado na cama a olhar para o teto. E a segunda opção não é opção para mim”, disse, reconhecendo ainda assim que é preciso “dar espaço para sofrer, para chorar”. “Tens de te permitir cair, porque, quando te levantares, vais com força”.
Há dias em que é muito difícil lidar comigo. É aceitar que há dias assim e que o teu processo de aprenderes a viver contigo e com esta nova pessoa que tu és, é aceitares
“Tenho de continuar, tenho de arranjar forças não sei onde, mas tenho que o fazer. Porque se não, vou entrar num labirinto em que depois não sei como é que vou sair de lá”, admitiu depois. “Sofro um bocado de ansiedade, e comecei a sofrer um bocadinho mais de ansiedade, acho que é um problema muito comum", confessou, referindo depois que "faz muito o exercício de olhar ao espelho e dizer: calma".
"Há dias em que é muito difícil lidar comigo. É aceitar que há dias assim e que o teu processo de aprenderes a viver contigo e com esta nova pessoa que tu és, é aceitares”, acrescentou.
Lembro-me que no momento em que carrego publicar, desato a chorar, numa descarga gigante
Depois do acidente, Ivo Lucas demorou cerca de meio ano a regressar às redes sociais, e só voltou no dia em que o hino da Associação Sara Carreira foi lançado, o tema ‘Leva-me a Viajar’.
“Lembro-me que estive não sei quantas horas sentado no chão da minha agência com o meu agente à minha frente, um dos meus melhores amigos ao meu lado, e eu com o telemóvel à minha frente. Como é que vou lidar? É aquele momento em que tu vais-te expor e não sabes o que vem do outro lado. Porque a minha realidade foram os meus amigos, os meus pais e os meus colegas de trabalho. Não tinha acesso a nada. Lembro-me que no momento em que carrego publicar, desato a chorar, numa descarga gigante, depois há aquele lado de olhar para o telemóvel e a onda de amor, de abraços, de repente é [suspiro de alívio], não está tudo assim tão negro à minha volta”, recordou.
Além do regresso às gravações da novela, outro momento crucial foi fazer o programa ‘A Máscara’ e o “amor que recebe todos os dias”.
Aprendi que nada nesta vida vai correr como nós planeamos. Aprendi que isto tudo pode desaparecer [num estalar dos dedos]
Durante a entrevista, Daniel Oliveira pediu para Ivo Lucas ler a publicação que fez quando saiu o hino da associação com o nome da filha mais nova de Tony Carreira e Fernanda Antunes. Após esse momento, quando questionado, confessou ao apresentador que “não há nada que queira saber” neste momento da sua vida.
“Aprendi que nada nesta vida vai correr como nós planeamos. Aprendi que isto tudo pode desaparecer [num estalar dos dedos] e, como tal, não há nada que eu queria saber. Quero-me deixar ir, e vou descobrindo coisas”, justificou.
De seguida, Daniel Oliveira perguntou ao ator e cantor “o que acontece depois de acontecer o pior?”
“Há um vazio gigante na tua vida, há todo um espaço gigante. [...] Muita incerteza, dúvida, sentes-te muito perdido. Mas depois é também usares isso, reformular-te, tentares tornar-te a melhor versão de ti, e por muito difícil que seja, é acreditares que a tempestade vai passar. Vai ter fr dar. Apoias-te na família, nos amigos, em pequenas coisas da vida, no trabalho, é um processo e, no fundo, terem um pouco de esperança que a tempestade vai passar”, partilhou Ivo Lucas.
Acredito que dá para levantar, se não qual era o sentido disto?
O cantor recusou-se a falar sobre a noite do acidente, que aconteceu no dia 5 de dezembro de 2020. “Nunca expus a minha vida, e não exponho. São coisas que dizem respeito a quem tem de dizer”, disse, referindo depois que também não o irá fazer por respeito a Sara Carreira e ao que viveram juntos.
“[Nunca foi exposta a relação], logo, não seria agora. Nunca será diferente. O que ninguém sabe, ninguém estraga. Há coisas que são nossas. Percebo a vontade das pessoas quererem saber por carinho. Há coisas que só a nós nos dizem respeito e irei sempre viver com essa máxima”, acrescentou.
Terminando com a famosa pergunta de Daniel Oliveira, “o que dizem os teus olhos?”, Ivo Luvas terminou: “Acredito que dá para levantar, se não qual era o sentido disto?”
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