"O que aconteceu foi muito desumano, principalmente pela minha idade"
Marie apresenta em entrevista ao Fama ao Minuto o livro que conta a verdadeira história da sua vida: 'La Vie de Marie'.
© Contraponto
Fama Marie
Nelinha nasceu na Estela com uma tão grande vontade de conquistar o mundo que dificilmente caberia numa aldeia tão pequena. Adotou o nome Marie e no TikTok somou centenas de milhares de seguidores. O sucesso valeu-lhe um convite de Cristina Ferreira e, sem dar por isso, chegou ao 'Big Brother Famosos'.
As roupas coloridas, o aspeto desconforme e a verdade de uma jovem menina capaz de assumir publicamente as suas lutas trouxeram-lhe o melhor e o pior que a notoriedade pública acarreta: o carinho de quem se identificava com ela e as duras críticas de todos os que não aceitam a diferença.
Desafiada por uma das melhores pessoas que a participação num reality show lhe trouxe, a escritora Virginia López, Marie decidiu contar a sua história num livro sem tabus. Em 'La Vie de Marie' são abordados os traumas de infância, a relação com a família, a depressão, os distúrbios alimentares e ainda episódios insólitos que prometem fazer rir os leitores.
Lançada a obra, Marie e Virginia López voltaram a juntar-se... Desta vez para conversarem com o Fama ao Minuto numa entrevista onde nos contaram tudo sobre este novo livro, que promete uma alucinante viagem entre lágrimas e gargalhadas.
Não são todos os jovens que têm aos 21 anos uma história digna de livro, tu tens. Como te apercebeste disso?
Marie - Sempre tive o desejo de um dia escrever um livro, mas este em específico acho que foi por iniciativa da Virginia [López] e do Rui. Eles apareceram com a proposta, deram-me essa motivação e a partir daí é que começámos o projeto. Apesar de querer escrever um livro já há algum tempo, e por isso é que escrevo desde muito cedo, eles é que me ajudaram a aperceber que poderia ser algo real.
Tudo o que está no livro é dela, todas são palavras da MarieO que levou a Virginia a ter curiosidade pela história da Marie e a querer apostar nela para um livro?
Virginia López - Sou uma contadora de histórias, fui jornalista por esse motivo. Sempre gostei muito de ouvir histórias, infelizmente, o jornalismo fala muito de histórias tristes, mas sempre procurei histórias inspiradoras, de superação, que possam ajudar outras pessoas e transformar o mundo num lugar mais bonito. Quando no ‘Big Brother’ descobri a Marie, não a conhecia antes, começámos a conversar e ela começou a contar-me alguns episódios, dizia-lhe que não pareciam encaixar numa vida tão curta. Disse-lhe: ‘Marie, tens coisas tão bonitas, tão profundas, tão inspiradoras que já te aconteceram que ficavam muito bonitas num livro’. Isto antes de saber que ela tinha tanta coisa escrita. Há historias profundas, mais de reflexão, mas a Marie também é muito divertida.
Decidi, quando sairmos da casa vou falar com o Rui e vou propor-lhe escrevemos o teu livro. O mais giro é que saí da casa num domingo de madrugada e uma das primeiras pessoas a quem liguei, tirando a família, foi o Rui. E quando lhe liguei, a primeira coisa que o Rui me disse foi: ‘Precisamos de escrever a história da Marie’. Foi muito bonito. Só era preciso ela sair da casa e sabermos se queria, a partir daí tudo se compôs de forma muito fácil. Este livro é a Marie, é a espontaneidade que a Marie é.
Este livro é a história da Marie contada pela Virginia?
V - Não, não é contada por mim. Tudo o que está neste livro é da Marie. O que fiz aqui foi pegar numa agulha invisível e costurar de forma a que tenha uma estrutura de princípio, meio e fim. Essa foi a grande surpresa, chegar cá fora começar a folhear o Instagram da Marie e ver quantas reflexões incríveis estavam em alguns destes posts. Depois, ela pesquisou nos rascunhos que começou a escrever em pequenina e escreveu novas coisas que foi partilhando comigo. Mas tudo o que está no livro é dela, todas são palavras da Marie.
A partir do momento em que tens visibilidade, pareces que deixas de ser uma pessoa e passas a ser uma máquina de fazer dinheiro E as palavras da Marie surgem acompanhadas por ilustrações incríveis.
M - Sim, também estas ilustrações foram sendo feitas ao longo do tempo - umas mais antigas, outras mais recentes. E também tem fotografias do meu quarto. Gostei muito da forma como o livro foi montado.
O desenho é um dos teus talentos?
M - Gosto de todas as veias artísticas, gosto de tudo o que for criação, é o que me move para que a minha existência faça sentido.
É dito na apresentação do livro que o mesmo conta a tua verdadeira história. Sentes que depois de te tornares figura pública foram contadas ‘histórias’ sobre ti que não eram verdadeiras?
M - O título em si não é para me justificar de nada, é simplesmente porque faz sentido. Mas, sim, a partir do momento em que tens visibilidade querem tanto vender a teu custo que acabam, às vezes, por inventar. Pareces que deixas de ser uma pessoa e passas a ser uma máquina de fazer dinheiro para os outros. Seja bom ou seja mau [o que escrevem sobre ti], eles não querem saber. Só te usam porque sabem que isso vai render, e depois é isso que move determinadas opiniões. Chega a um ponto que se continuares a ler tudo e a ver tantas coisas diferentes a toda a hora, parece que já nem sabes bem o que é que é real e o que não é. É tudo tão confuso que começas a duvidar de ti. Quem gosta realmente de mim, ao ler o livro, percebe que muitas coisas foram inventadas, mas não foi necessariamente isso que me moveu a fazê-lo. Quem gosta realmente de nós não vai criar uma imagem através do que a imprensa diz.
Confiaste plenamente na Virginia para te ajudar neste processo?
M - Sim. Se tivesse sido eu a organizar o livro ia estar sempre a apagar e a mudar tudo, porque acho sempre que as coisas não estão suficientemente boas. Se enviei [aqueles textos] é porque naquele momento fizeram sentido para mim, se mais tarde não fizerem, olha… Estamos em constante mutação. Mas ainda bem que a Virginia me ajudou nessa parte, porque nunca ia conseguir achar que era boa o suficiente. Ia ser um livro que nunca ia ser lançado
Capa do livro 'La Vie de Marie'
© Contraponto
Foi uma tarefa fácil para a Virginia organizar as ideias da Marie?
V - Nada na vida é fácil ou difícil. Aceitei o desafio e é um livro muito diferente de todos os outros que já tinha escrito. Aqui o desafio era pela sensibilidade de ter conhecido esta verdadeira Marie - o que não quer dizer que a outra não seja verdadeira, mas temos o que vemos nas redes sociais, a interpretação que as pessoas fazem, o fácil que é julgar o que é diferente, e o que não conhecemos, e depois temos a vida real: as emoções pelas quais vamos passando. Aqui o desfio era exatamente isso, ajudar a Marie a ter consciência de que é uma verdadeira artista e que é uma inspiração, digo-lhe e ela fica meio incomodada… Mas é mesmo verdade. Acredito que todos somos inspiração uns dos outros, mas ela é uma artista.
Mais do que fácil ou difícil, foi um prazer enorme receber, por exemplo, os desenhos dela, ela confiar-me esses desenhos para os ver, para os escolher para compor a história. Claro que no fim foi ela quem decidiu se fazia sentido, mas permitir-me estar tão perto desta Marie foi um privilégio enorme. Mais do que difícil ou fácil, foi um privilégio
'La Vie de Marie' tem como objetivo chegar a leitores de uma faixa etária específica?
V - O objetivo do livro é chegar a pessoas de todas as idades, os jovens que se identificam muito com ela e não só. Eu tenho mais 20 anos e ela é uma inspiração para mim. A inteligência emocional dela, a perspicácia, o amor… porque este livro é amor. A forma como a Marie passa pelos desafios da vida dela, a leveza com que é capaz de os contar, é o que surpreende as pessoas e por isso é que, às vezes, não a compreendem. Este livro é muito bonito por isso.
Consegues sentir isso, Marie, que és uma inspiração para os outros?
M - De certa forma tenho essa consciência, pelas mensagens que vou recebendo. Sempre que recebo estes elogios parece que estou ‘a ver’ na terceira pessoa, nunca associo a mim. Às vezes até associo a uma personagem, alguma coisa que sei que me pertence mas que parece que não consigo ter consciência de que sou eu. Agora já estou a ganhar mais noção disso, porque a visibilidade passou a ser outra e o contacto com as pessoas também. Há muito mais pessoas que enviam mensagens, principalmente as crianças, e acabo por ficar feliz. As crianças são o futuro da nossa sociedade.
Tudo o que aconteceu foi muito desumano, principalmente tendo a idade que tenhoTal como dizia a Virginia, falas neste livro sobre vários episódios difíceis da tua vida, mas sempre com leveza. Ainda que consigas fazê-lo de forma leve, não foi duro revisitares alguns destes momentos?
M - Não é muito difícil para mim, torna-se mais difícil a partir do momento em que não sei qual é a abertura das pessoas que estão a ler ou a ouvir. Não acho difícil falar sobre todas as coisas que me aconteceram, também porque agora estou numa fase melhor, já não me afetam diretamente e também porque foram importantes. Tornarmos os assuntos tabu dificulta a resolução dos problemas. Não falarmos das coisas faz as pessoas sentirem-se muito sozinhas nos problemas delas. Nunca tive muita dificuldade em falar, nunca tive a necessidade de esconder certas coisas que aconteciam. Acho que era mais opção de não querer falar sobre elas e não uma dificuldade.
Neste livro falas sobre a relação com a tua mãe, um tema muito escrutinado na imprensa e com uma abordagem que acabou por magoar-te a determinada altura. Até por envolver a tua família, ponderaste não falar sobre isso?
M - Acho que tudo o que aconteceu foi muito desumano, principalmente tendo a idade que tenho. Independentemente do que fizesse, as pessoas já tinham uma imagem sobre mim. Fizesse eu uma coisa boa ou má, elas só queriam ver as coisas más. Falei sobre isso no livro porque, tal como tudo, para mim é um tema natural e é uma fase que aconteceu na minha vida. Tinha escrito de forma genuína sobre ela. Não acho que tenha escrito com malícia, de todo, e acho que quem vir isso com maldade só está a fazer uma projeção dele mesmo. Só ficaria de consciência pesada a partir do momento em que escrevesse uma coisa com má intenção, mas não foi o caso, por isso não estou preocupada.
Quantas vezes no nosso íntimo não temos sentido coisas menos boas pelas pessoas mais próximas da nossa vida?
V - Até porque isto são sentimentos vividos na primeira pessoa e é exatamente por isso que digo que este livro é uma inspiração, porque precisamos de falar sobre as coisas e tudo o que a Marie escreve é sempre com esse amor. São coisas duras, são, claro que sim, mas em nenhum momento do livro há ressabiamento, amargura, lavar de roupa suja. Não, são emoções pelas quais passou e com essa capacidade que, às vezes, nos surpreende numa pessoa tão jovem. Nem sequer estamos a falar dos 20 [anos], há textos escritos aos 14, aos 12, aos 18. Ela pode não rever-se tanto hoje, mas é nesse crescimento de adolescente que as crianças e adolescentes se vão rever. Quantas vezes no nosso íntimo não temos sentido coisas menos boas pelas pessoas mais próximas da nossa vida? Quantas? Que atire a pedra a primeira pessoa que não o sentiu. Agora, quantas dessas pessoas têm a coragem de o reconhecer e de mesmo assim continuarem a dizer: eu amo estas pessoas, apesar de tudo continuo a amar. Essa é a mensagem. Agora, como a Marie diz: quem quiser ver o contrário está no seu direito.
Este livro, no fundo, acompanha o teu crescimento. Sendo tu tão jovem, significa que haverá continuidade?
M - Por acaso já ando a escrever mais outra vez, acho que ganhei mais o gosto de escrever desde que vi o meu livro a ser materializado. É o processo mais bonito que estou a passar na minha vida, o de ter lançado o livro, ver as pessoas com ele, ver-me com ele, saber que mesmo que já não esteja neste mundo as pessoas podem continuar a ler o meu livro. Não estava à espera de ser algo tão marcante na minha vida, mas está a ser muito especial e fiquei com vontade de escrever mais.
V - Perguntar a uma escritora se vai escrever é como perguntar a um ser vivo se vai respirar, a minha criatividade é através da escrita. Claro que vou sempre apoiar todos os projetos que a Marie fizer, porque acima de tudo somos amigas, irmãs, somos fadinhas. Vou estar sempre aqui, mas ela também pode e vai voar sozinha. Não há nada planeado, mas tudo o que surgir acredito que sejam coisas que podem construir ainda mais esta artista.
Se querem saber mais sobre a minha vida, comprem o livroComo já disseram, nem todas as histórias neste livro têm um cunho tão pesado e algumas são até muito curiosas e divertidas. Uma delas conta que fugiste de casa para viver nua numa comunidade hippie.
M - Já fiz isso duas vezes. Fiz uma vez quando tinha 15 ou 16 anos e depois voltei a fazer quando tinha 19 anos, há dois verões. Tinha ido a primeira vez com a minha psicóloga, que depois se tornou minha amiga, e acabei por sentir-me tão livre lá, tão feliz… Acho que foi a primeira vez que senti alegria em tantos anos. Senti-me viva e acho que deixei lá todos os meus medos, já não tinha medo de comer, não tinha medo dos meus distúrbios, não queria saber como era o meu corpo, só queria estar feliz e cuidar do próximo. Foi muito interessante a nível pessoal, foi libertador numa altura em que estava tão presa.
Depois de saíres do ‘Big Brother’ foste bombardeada com uma série de situações às quais não estavas habituada, críticas, rumores. Este livro serviu também para te libertares após a tua participação no ‘BB’?
M - Sim, por acaso acho mesmo que sim. É um descanso, já fiz a minha parte, criei algo. Quem quiser que leia, não tenho de dar justificações a ninguém. Acho que vivemos num lugar onde as pessoas se preocupam muito com a vida dos outros. Se querem saber mais sobre a minha vida, comprem o livro.
Já disseste várias vezes que gostavas de ser mais do que tiktoker. Em que área gostavas de te destacar e ser reconhecida?
M - Acho que sou artista dos pés à cabeça. O TikTok foi um complemento e uma coisa que acabou por acontecer, mas não foi necessariamente planeada. Ser artista é algo que quero mesmo, crio todos os dias, gosto de tudo o que seja criação. Isso é o que me move, quando faço tiktok's é para mostrar que estou a criar. Claro que gostava de ser conhecida como artista, mas em várias vertentes: cerâmica, pintura, pintar murais, escrever. Tudo o que consiga fazer na área da arte.
V - Eu não sabia quem era a tiktoker, essa é a parte mais bonita. Para mim, assim que entrei naquela casa descobri a artista Marie. Ela das caixas de cereais, com uma caneta que encontrava perdida algures, fazia obras de arte. Essa é a Marie, é a artista. Como ela disse, o TikTok é só uma janela para ajudar a conhecer quem ela é. Ela não acorda a dizer: 'qual é o vídeo que vou fazer hoje', ela acorda a ser simplesmente quem é e daí surge tudo o resto... E há muitas coisas que ainda nos vai poder oferecer.
Este livro é isso: uma declaração de amor a nós própriosEste livro também é isso, uma janela para conhecermos mais a Marie?
V - De certeza que sim, mas a Marie é uma caixinha de milhões de coisas em simultâneo. Este livro é só a primeira complicação da construção daquela menina que, de repente, apareceu com aquelas roupas num programa de televisão que a projeta ainda mais e que leva as pessoas a questionarem: quem é? É também o desconstruir do nome que ela própria criou para ela, La Vie de Marie [a vida de Marie]. Mas neste livro também está a Nelinha, e isso é bonito. As pessoas vão conseguir conhecê-la e há algumas fotografias dela em pequenina, porque por trás de quem construímos fica sempre aquela criança que continuamos a ser... E este livro é isso.
Além de ficar a conhecer melhor a tua história, que mais pode esperar quem decidir 'mergulhar' neste livro?
M - O livro é toda a uma viagem interna, é todo o processo de uma criança a tentar perceber o que está a acontecer, ao mesmo tempo a tentar procurar várias formas de expressão, no meu quarto, no meu visual. É a viagem que muitas pessoas sentem, mas ainda não têm consciência do porquê de a estarem a passar. Estas buscas para conseguir encontrar-me eram na verdade uma procura pela felicidade. É toda esta viagem de como me sentia, de como lidei com estes processos, como me tornei esta pessoa, que ainda mudará ao longo da vida. Acho que é interessante, tanto visualmente como na escrita. A forma como os textos têm diferentes formas de escrita, porque são diferentes versões de mim, e tentar chegar às respostas. Acho que muitos adolescentes, e até adultos, podem identificar-se com ele... Todos aqueles que não tiveram oportunidade ou espaço de ser quem queriam ser.
E tu, Marie, já és quem queres ser?
M - Acho que em comparação com o que já fui, e com a forma como me senti comigo, acho que sim. Sou o que quero ser a partir do momento em que estou bem comigo e gosto de mim. Acho que a partir de agora é uma evolução daquilo que sinto que sou. Acho que ainda vou evoluir muito mais, vou fazer por isso.
V - Óbvio que sim. A vida é um processo, uma aprendizagem constante e queria acrescentar só isso. A Marie diz que enfrentou os distúrbios alimentares e outros problemas aceitando-se e este livro é isso: uma declaração de amor a nós próprios, a aceitação de quem somos, e só por isso é uma inspiração. Nós vamos passar o resto da nossa vida connosco, temos de nos amar tal como somos.
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