"Gosto de utilizar palavras para as transformar em carícias ou facadas"

Respeitada em Espanha, a escritora Maria Oruña vê agora ser editado em Portugal o livro 'O bosque dos Quatro Ventos'.

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Filipe Carmo
06/03/2023 09:00 ‧ 06/03/2023 por Filipe Carmo

Cultura

Maria Oruña

Em Espanha, é já uma autora conhecida e respeitada. Em Portugal, quer passar a sê-lo. 'O Bosque dos Quatro Ventos' é o primeiro livro de Maria Oruña a ser editado no nosso país, o que motivou uma conversa entre o Notícias ao Minuto e a escritora espanhola.

Maria Oruña estudou Direito e chegou mesmo a exercer advocacia. Dez anos depois, deixou esta profissão para se dedicar a uma grande paixão: a escrita.

Agora, com o devido distanciamento, a autora confessa ter tomado a decisão mais acertada quando decidiu trocar o certo pelo incerto. 

Sobre 'O Bosque dos Quatro Ventos', importa saber que é um livro que leva o leitor a viajar pelo tempo. Esse era o desejo de Maria Oruña, segundo a própria revelou.

Este é o primeiro dos seus livros com edição em Portugal. De que forma este passo é importante para o seu percurso?

É sempre importante dar novos passos com as histórias, e quanto mais leitores elas tiverem, mais os livros vivem. Para mim é um passo muito importante e emocionante. Os meus livros já estão ou estarão muito em breve na Alemanha, França, Rússia, Grécia, Polónia, Itália, América Latina... Sair em Portugal, o meu país vizinho, era um assunto pendente.

O livro foi apresentado por Francisco Moita Flores. O que motivou esta escolha?

A escolha foi feita pela editora LEYA e, tanto quanto sei, foi por razões lógicas: é um autor especializado em criminologia e com romances históricos entre as suas publicações; a apresentação foi muito agradável, pois encontrou um paralelismo entre o mundo rural galego do século XIX recriado no romance e o português, como um espelho social e de costumes, para lá do mistério a resolver no enredo, claro.

O livro demorou cerca de dois anos a escrever, apesar de eu ter pesquisado e questionado sobre este mistério durante 20 anos

Esta obra tem um foco especial relacionado com a emancipação das mulheres? Por que motivo continua esta a ser uma preocupação sua nos livros que escreve?

Não escrevo a partir de perspetivas feministas ou de emancipação: tento apenas fazer boas histórias com grandes personagens masculinos e femininos, sem diferenciação. Neste caso, de facto, a protagonista da voz do século XIX é Marina, uma mulher que tenta avançar numa sociedade que a limita; mas não vamos encontrar uma mentalidade do século XXI disfarçada em roupas antigas, pois Marina será submissa e obediente até um ponto impensável hoje em dia, embora fazendo mudanças que - pouco a pouco e acrescentadas às muitas outras de centenas de mulheres - farão história.

Que investigação foi feita para este livro? E quanto tempo demorou a ser escrito?

A investigação foi longa e muito minuciosa. Os anéis da lenda tinham 1.000 anos e ninguém sabia onde estavam desde o século XVII. Era necessário para mim explorar florestas, túneis perdidos nos arquivos do mato e da igreja, bem como pedir entrevistas com especialistas em arte e história e com a polícia local. De facto, a minha pesquisa era muito semelhante à do protagonista do romance, Jon Bécquer. No total, o livro demorou cerca de dois anos a escrever, apesar de eu ter pesquisado e questionado sobre este mistério durante 20 anos.

Pretende que, com este livro, o leitor consiga fazer uma viagem no tempo?

Sim, sem dúvida. Quero que desça os degraus do tempo e sinta que está no século XIX, que vale a pena parar o relógio. E quero que, quando for ao velho mosteiro, como milhares de leitores estão a fazer agora, procurando os cenários do romance, não seja um simples turista, mas sim um verdadeiro viajante que agora sabe o significado de todas as mensagens escritas nas pedras do mosteiro.

Conheço o valor das palavras e gosto de as utilizar para as transformar em carícias ou facadas, dependendo do enredo

De que forma é que o Direito a tem ajudado ao longo da carreira como escritora?

Penso que não me ajudou muito, uma vez que fui advogada laboral e comercial, não criminosa; consequentemente, todos os meus crimes e mistérios literários estão para lá do meu conhecimento jurídico prático, mas é verdade que a profissão jurídica me obriga a falar e escrever com muita propriedade: cada palavra, cada nuance, é relevante para justificar quais os pedidos a fazer a um juiz. Conheço o valor das palavras e gosto de as utilizar para as transformar em carícias ou facadas, dependendo do enredo.

Continua a considerar que a escolha de abandonar a carreira de advogada para se dedicar à literatura foi a mais acertada?

Sim, a escrita é catártica e tem uma certa magia. Com as minhas histórias recebo e-mails do Canadá, México, França, Alemanha ou Buenos Aires: quantas pessoas me contam como sonharam com os meus livros, como riram ou brincaram a ser detetives. Com uma boa história, ninguém está sozinho. E essa ideia leva-me a continuar a trabalhar e faz-me esquecer a minha antiga profissão, sem dúvida.

Que relação tem com o nosso país?

Tenho uma relação muito próxima com Portugal. Tenho até uma cunhada portuguesa. Vivendo em Vigo, muito perto da fronteira, visito o vosso país frequentemente e adoro as aldeias, a cultura e a gastronomia.

Já pensa em editar em Portugal 'Puerto Escondido', a saga que é em grande parte responsável pela sua popularidade em Espanha?

Uau, isso seria fantástico. Gostaria que a editora LeYa o publicasse; adorei a edição deles de 'O bosque dos Quatro Ventos' e tenho a certeza de que fariam um trabalho maravilhoso com 'Puerto Escondido'. Na saga, cada livro tem um mistério autocontido e autoconclusivo, e cada um tem um registo narrativo diferente, um desafio de sagacidade para o leitor. Penso que os leitores portugueses iriam adorar. Quem me dera que gostassem.

Leia Também: D.A.M.A.: "Somos uma banda que vai estar eternamente em Portugal"

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