Quando uma nova oportunidade de vida vem do coração de outro
No Dia Mundial do Coração, o Notícias ao Minuto lembra que em Portugal se realizam, por ano, entre 40 a 50 transplantes do coração. Tema sobre o qual falamos com o cirurgião cardiotorácico, José Fragata.
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"Quando existem doenças do coração que não podem ser reparadas por cirurgia convencional e o coração não consegue assegurar mais a sua função de impulsionar o sangue e, assim, assegurar a entrega suficiente de oxigénio para todo o corpo, o transplante cardíaco é uma opção".
Quem o diz é o cirurgião cardiotorácico José Fragata que, em toda a sua carreira, já deve ter realizado mais de 200 transplantes, algo que sempre considerou um fantástico desafio. “Sempre achei a transplantação uma dádiva fantástica e um exercício de enorme altruísmo, mesmo para além da morte. São experiências humanas cuja vivência sempre achei um privilégio enorme”, confessa ao Notícias ao Minuto.
“Mais do que os aspectos técnicos, há sempre a incerteza da compatibilidade ideal, a qual dita, verdadeiramente, o prognóstico”, explica.
Apesar de a cirurgia não ser complexa para quem possua o domínio da técnica e a experiência necessária, “são apenas algumas ligações entre vasos”, descreve José Fragata, há outros desafios, a começar pela compatibilidade imunológica: “Tem de dar certo”.
Se o coração a transplantar não for compatível com o corpo que o recebe, “o organismo irá rejeitá-lo. Por isso é necessária imunossupressão, mas esta pode propiciar infecções e até o aparecimento de neoplasias (tumores), à distância”. Em suma, o doente transplantado passa a carecer de cuidados especiais e isto faz com que a cirurgia deixe de ser algo simples.
Em termos práticos, e para que o organismo receba o novo órgão sem problemas, é essencial que haja compatibilidade de grupos sanguíneos, mas também de alguns anticorpos e até do tamanho do próprio coração, que deve ser semelhante. Uma particularidade especialmente complicada no caso das crianças, para as quais é mais difícil encontrar um dador compatível.
Nos casos mais comuns, contudo, a rejeição é hoje algo raro e quando acontece pode-se forçar a implantação de um coração artificial.
É por isso que são necessários vários especialistas para completar todo o procedimento. Além do cirurgião cardiotorácico, são necessários anestesistas, enfermeiros, técnicos, até psicólogos, nutricionistas, infecciologistas, gabinetes de colheita e transplantação. Entre toda a equipa, “o essencial é que haja boa comunicação e liderança de processos. Esta equipa e a experiência serão a chave do sucesso” garante José Fragata, ciente de que todas as complicações de uma cirurgia cardíaca convencional como disfunção do enxerto ou infeções.
De todo este processo, faz parte o sigilo, que é total tanto para o doente e família do dador como para a equipa de especialistas. “A informação sobre o dador nunca será fornecida ao doente transplantado. Esta é uma dádiva anónima e de grande generosidade, sendo que essa informação poderia levar a sentimentos de difícil gestão pelo próprio doente, pela família do dador e pela equipa”, explica o cardiologista ao Notícias ao Minuto.
Uma nova vida
Depois da cirurgia, “o doente sentir-se-á um doente novo”, refere o especialista, mas “terá de tomar medicação imunorreguladora (supressora para a vida toda) e tomar precauções relativamente à prevenção de infecções, a que se tornou mais suscetível”. Além disso, “terá restrições alimentares, deverá evitar espaços fechados e com muitas pessoas, e, naturalmente, terá de fazer visitas regulares ao hospital, análises e biópsias”. Mas apesar dos contínuos cuidados, todo o processo é visto como uma oportunidade de vida única. "É como renascer", afirma José Fragata.
Pelo nível de complicação cardíaca em que os seus doentes receptores se encontravam, o cardiologista nunca contou com casos de que se mostrasse reticente. Mas há questões, claro: Os doentes querem saber se era homem ou mulher, como morreu, se a sua personalidade vai mudar, se terá sentimentos do dador.
“Recordo-me de um doente que na mesa de operações me perguntava ‘a coisa (o coração que iria dentro em pouco receber) já chegou?’, mostrando a dificuldade em lidar com o facto de ir receber um órgão de outro. Para os doentes poderá parecer estranho, mas sentem-se tão melhor depois...", destaca.
José Fragata é também professor catedrático de cirurgia na NOVA Medical School, vice-reitor da Universidade Nova de Lisboa, diretor do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Hospital de Santa Marta e Coordenador da Unidade de Cirurgia Cardíaca do Hospital CUF Infante Santo.
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