A relação perigosa entre a diabetes e o fígado gordo

Paula Macedo, investigadora da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP) e professora da NOVA Medical School, falou em pormenor com o Lifestyle ao Minuto sobre a diabetes e o fígado gordo. Estima-se que um em cada três portugueses terá fígado gordo, mas não sabe.

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Liliana Lopes Monteiro
06/08/2019 08:40 ‧ 06/08/2019 por Liliana Lopes Monteiro

Lifestyle

Entrevista

"Nos indivíduos que têm fígado gordo e diabetes este equilíbrio está comprometido originando níveis mais elevados de açúcar (glucose) e a um aumento de gorduras (lípidos) no sangue. Estas alterações promovem maior risco de doença hepática avançada, fibrose, cirrose ou cancro hepático", explica a professora.

Cerca de dois terços das pessoas com diabetes tipo 2 em Portugal têm fígado gordo, uma condição que compromete e condiciona a eficácia do tratamento da diabetes.

O mais recente estudo nacional da APDP nesta área, referente a 2018, prova isso mesmo. O estudo integrou 700 pessoas com diabetes e concluiu que 2/3 dessas pessoas apresentava fígado gordo.

Dados de um outro estudo nacional também realizado pela APDP, em 2014, mostraram que mesmo em pessoas sem diabetes nem pré-diabetes 1/3 dos indivíduos apresentava fígado gordo.

O fígado  gordo é uma doença de difícil diagnóstico e não existe ainda um tratamento eficaz. O fígado gordo pode contribuir para agravar as complicações de saúde que as pessoas com diabetes já têm habitualmente e pode evoluir para fibrose, cirrose ou até cancro hepático. 

Em pessoas saudáveis e com pré-diabetes o fígado gordo é um  fator acelerador da doença.

Dados dos EUA apontam para que as pessoas com fígado gordo e diabetes tenham entre três a quatro vezes maior risco de desenvolver cirrose ou carcinoma hepático, face às pessoas com fígado gordo e sem diabetes.

O diagnóstico precoce e apoio à luta contra o excesso calórico alimentar e a obesidade são muito importantes, assim como a mudança de hábitos de vida - Paula Macedo explica em entrevista ao Lifestyle ao Minuto tudo aquilo que deve saber sobre o fígado gordo que muitas vezes pode originar condições potencialmente fatais. 

O que significa ter o fígado gordo?

O Fígado Gordo Não Alcoólico (NAFLD) é um termo usado para uma variedade de condições hepáticas que afetam pessoas que bebem pouco ou nenhum álcool e que apresentam aumento de gordura armazenada nas células hepáticas.

Quem é mais afetado por esta condição?

O fígado gordo pode ter várias origens nomeadamente associadas a alterações genéticas ou ao estilo de vida relacionado com dietas hipercalóricas assim como por exemplo o elevado consumo de refrigerantes com alto teor de frutose e vida sedentária, serão então estas as populações mais afectadas.

Por que as pessoas que sofrem de diabetes têm por sua vez tendência a sofrerem também de fígado gordo?

O fígado é um órgão que tem funções decisivas na regulação da homeostasia da glucose. Uma delas é o armazenamento da glucose que, em jejum, é libertada para poder servir de substrato energético ao nosso cérebro, assim como a outros órgãos. Por outro lado, o fígado é um regulador dos níveis da insulina, que é essencial para promover a captação da glucose para dentro das células. Evidencia-se que a maior parte das células do nosso organismo precisa da insulina para captar a glucose. Em pessoas saudáveis, tais mecanismos fisiológicos funcionam de forma equilibrada e harmoniosa. Nos indivíduos que têm fígado gordo e diabetes este equilíbrio está comprometido originando níveis mais elevados de açúcar (glucose) e a um aumento de gorduras (lípidos) no sangue. Estas alterações promovem maior risco de doença hepática avançada, fibrose, cirrose ou cancro hepático. 

Em que idade costuma afetar os indivíduos?

Não existe idade para se começar a ter fígado gordo não alcoólico. No entanto tal como na diabetes tipo 2 a prevalência nas idades mais avançadas é maior. É preocupante sabermos que jovens com obesidade têm maior prevalência de fígado gordo.

Tanto homens como mulheres?

Ambos os sexos são afetados

Sintomas da condição?

Na generalidade a doença é silenciosa (assintomática ) até um estadio mais avançado.

Como é realizado o diagnóstico?

Esta é uma questão muito relevante pois não existe a percepção de que deva ser avaliado com assiduidade. Os métodos de diagnóstico mais precisos são onerosos e requerem imagem sendo que o método de excelência é invasivo (biopsia). Na APDP estamos a começar a implementar a sua avaliação nas pessoas com diabetes.

O fígado gordo pode ter complicações sérias?

O fígado gordo está associado a risco de doenças por exemplo cardiovasculares e renais.

Existe tratamento?

Há um estudo em que os doentes fizeram uma intervenção de uma dieta hipocalórica e que foi notável uma regressão no Fígado Gordo Não Alcoólico. Se as pessoas tiverem uma alimentação saudável, fizerem exercício e permanecerem assim ao longo da vida é óbvio que a probabilidade de ter fígado gordo é reduzida. A questão é saber durante quanto tempo é que se consegue manter este estilo de vida. É necessário socialmente mudar culturas. No caso de já haver fibrose hepática ainda não existem fármacos estabelecidos para a sua resolução no entanto existem alguns fármacos usados em indivíduos com diabetes tipo 2 que parecem ter um efeito positivo no fígado gordo não alcoólico. 

Quantos portugueses são afetados pela condição?

Um terço da população portuguesa tem fígado gordo e dois terços da população com diabetes apresenta a mesma condição.

Qual é a importância do diagnóstico precoce?

Permite impedir a evolução para evolução para Esteato-hepatite não alcoólica - NASH, uma forma potencialmente grave da doença marcada por inflamação do fígado, que pode progredir para cicatrizes e danos irreversíveis (Fibrose).

Leia Também: O médico explica: O perigo silencioso da Doença Inflamatória do Intestino

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